Todos nós sabemos que Rodrigo Santoro se aventurou a fazer uma carreira internacional no cinema. Muitos méritos para ele, pois isso não é para qualquer um, já que é difícil levar a cabo tal tarefa sem cair na armadilha dos estereótipos. E podemos dizer que Santoro conseguiu se sair relativamente bem nesse quesito. Talvez o papel mais lembrado de sua carreira internacional tenha sido o Xerxes de “300”. Pelo menos, até o momento em que Santoro emplacou “O Tradutor”, um verdadeiro filmaço, escolhido para ser o representante de Cuba na luta pelos finalistas ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
O plot é o seguinte. Malin (interpretado por Santoro) é um professor cubano de literatura russa na época da visita de Gorbachov à ilha. Um belo dia, seu curso é suspenso na faculdade em que trabalha e Malin é direcionado para um hospital repleto de crianças russas, vítimas da radiação da usina nuclear de Chernobyl. Ele terá a missão de ser intérprete entre os pacientes e seus pais e os médicos cubanos. A princípio, Malin repudia com veemência tal tarefa, já que tem aversão a hospitais, doenças e sofrimento, mas é repreendido pela enfermeira argentina Gladys (interpretada pela versátil atriz Maricel Álvarez). Malin trabalha durante a noite e só vai para casa pela manhã, para desespero de sua esposa Isona (interpretada por Yoandra Suárez), que está grávida e já tem um filho pequeno para cuidar. A ausência de Malin na família implode a relação, mas o professor mergulha de cabeça em seu trabalho, contando histórias infantis para as crianças e estimulando-as a desenhar e falar de si próprias em textos. O grande problema é que o fim da União Soviética mergulha Cuba numa crise e as coisas ficam ainda mais difíceis para Malin e todos.
Podemos dizer que esse é um filme que foi um verdadeiro presente para Rodrigo Santoro, pois ele foi, disparado, o melhor filme de sua carreira internacional. Essa é uma história real dirigida pelos filhos do próprio professor (Rodrigo e Sebastián Barriuso) e Santoro teve a oportunidade de fazer um personagem relativamente complexo, pois tinha uma vida confortável, com sucesso pessoal e profissional e, de uma hora para outra, sua vida vira de cabeça para baixo, com nosso protagonista tendo que lidar com emoções altamente conflituosas, odiando inicialmente seu trabalho mas depois caindo de cabeça nele, a ponto de perder sua família. Ou seja, é uma película onde podemos ver muito sofrimento, seja na óbvia situação das crianças russas, seja na família de Malin. Mas o filme teve também um quê muito lúdico nas atividades que Malin fazia com as crianças, conquistando-as. Foi muito cativante essa parte e conquistou definitivamente o espectador.
Santoro convenceu bem, com uma interpretação contida, para momentos tão extremos e chamou a atenção do público para toda uma elite intelectual cubana, algo que não estamos muito acostumados a ver nas produções cubanas (temos aqui uma co-produção Cuba-Canadá). No contexto político, houve uma crítica leve ao regime mas a culpa pela crise ficou mais atrelada a uma derrocada do socialismo. Ou seja, fica bem claro na película que, enquanto a União Soviética mantinha relações com Cuba, trocando petróleo por açúcar, os dias de socialismo na ilha eram bem prósperos. E a crise do socialismo e da União Soviética mostrou a dura realidade do embargo econômico da lei Helms-Burton. Ou seja, uma forma ligeiramente diferente de se ver a crise econômica em Cuba tal como a mídia capitalista ocidental veicula.
Dessa forma, “O Tradutor” é um filme obrigatório, pois aborda uma linda história real e consagra a carreira de nosso Rodrigo Santoro no exterior. Um verdadeiro presente para o ator e para nós, espectadores. Vale muito a pena dar uma conferida.