Vincent Lindon está de volta em mais um grande filme e uma ótima atuação. Desta vez, temos “Em Guerra”, de Stephane Brizé, que aborda um tema que parece nunca sair de moda no sistema capitalista: o fechamento de uma fábrica (no caso, de automóveis) na França e a consequente demissão de seus operários, deixando-os completamente à mercê de sua sorte. Um tema constantemente revisitado que tem sempre a necessidade premente de ser revisitado. Para podermos analisar esse filme, vamos precisar lançar mão dos spoilers.
No
caso de “Em Guerra” há, ainda, um agravante: os trabalhadores e a fábrica de
automóveis (que pertence a um grupo alemão) haviam feito um acordo de redução salarial
para evitar o fechamento da fábrica, com o acordo sendo reavaliado depois de
cinco anos. E, dois anos depois, a empresa alemã anuncia o fechamento da
fábrica, numa clara violação do acordo. A fábrica alega que a pressão do
mercado tirou sua competitividade, mesmo ela dando lucro. E, para piorar, a justiça
francesa acaba autorizando o fechamento da fábrica. Ou seja, os trabalhadores
tem que pagar um dobrado para lutar nessa queda de braço completamente
desigual, onde o sistema capitalista sempre tem a mão mais forte.
O mais interessante aqui é que vemos, de forma bem didática, o que acontece num movimento trabalhista quando ele luta por seus direitos. O acordo para se manter o emprego, o acordo sendo descumprido pelo patrão, as reuniões, a busca (em vão) por um apoio pela causa dos operários, a greve, a busca por mais apoio, a repressão policial, a condenação da mídia de direita ao movimento, as ofertas dos patrões de indenizações que são mais um “cala boca”, o racha nos trabalhadores, a repressão aos piquetes, a irredutibilidade dos patrões, a reação violenta do movimento contra a intransigência das negociações, a condenação pela mídia e por todos ao movimento, e a busca de um bode expiatório. Uma história que, definitivamente, não tem um final feliz, mostra como operários podem se dividir e, ao mesmo tempo, os patrões se unem. Ou seja, uma receita de bolo que já conhecemos de longa data. Apesar desse “mais do mesmo”, ainda assim vale a pena termos um filme que descortina todas essas etapas de um movimento trabalhista, pois ele serve de alerta ou de lembrete para reais movimentos no futuro e de como não se deve cair em tais armadilhas, principalmente a mais perigosa dela, que é a divisão dos trabalhadores.
Se
o filme foi um primor em retratar didaticamente muitas situações que a gente vê
na vida real, o seu desfecho foi um pouco fora da curva, no sentido negativo do
termo, pois ele mostra a imolação do personagem de Vincent Lindon (Laurent),
jogando combustível em seu corpo na porta da fábrica e ateando fogo em si, o
que vai despertar uma comoção geral e a retomada das negociações. Um final
falso, a meu ver. Laurent, que foi escolhido por alguns trabalhadores como o
bode expiatório do fracasso das negociações, deveria mais ter enfrentado o
desemprego, a miséria e o ostracismo. Mas, cinematograficamente, a coisa seria excessivamente
melancólica e com um choque de realidade insuportável. Então, optou-se por
algo, digamos, mais heróico, o que dá uma certa dignidade a um personagem muito
bom. De qualquer forma, ficou exagerado e falso.
Dessa forma, “Em Guerra” é um programa imperdível, por Vincent Lindon, pelo tema contemporâneo altamente pertinente que não sai de moda, que é o desemprego provocado por uma situação de suposta crise onde o patrão não dá a mínima para a vida do empregado, e por toda uma carga didática das etapas de uma luta trabalhista. Não deixem de ver.
A
Disney dá a “Malévola” a sua continuação. “Dona do Mal” foi um filme, na minha
modesta opinião, melhor que o primeiro “Malévola”, até por ser bem mais
conflituoso e, eu diria, inesperadamente violento. Mas, ainda assim, um filme
que levou a uma interessante reflexão. Para podermos entender melhor a
película, vamos lançar mão de spoilers aqui.
O plot é um tanto simples. Há o reino dos humanos e o reino dos seres da floresta. Aurora (interpretada por Elle Fanning), que também atende pela alcunha de “Bela Adormecida”, ainda tem Malévola (interpretada, como todos nós sabemos, por Angelina Jolie) como madrinha, e acaba acertando os ponteiros com o Príncipe Phillip (interpretado por Harris Dickinson), do reino dos humanos, para se casarem. Obviamente, Malévola não vai gostar nem um pouquinho disso, mas Aurora consegue convencer a madrinha a ir ao castelo dos pais do Príncipe Philip. O problema é que a Rainha Ingrith (interpretada por Michelle Pfeiffer), mãe do Príncipe Philip, também não quer o casório e começa a produzir conflitos durante o jantar, o que vai levar Malévola a uma explosão de ódio, enquanto que o Rei John (interpretado por Robert Lindsay) cai, moribundo.
Ingrith na hora acusa Malévola de tê-lo amaldiçoado e ordena que ela seja alvejada enquanto esta sai voando do castelo. Ferida, Malévola é resgatada pelo seu povo, que sempre viveu escondido dos humanos e alguns de seus membros querem a guerra, enquanto que outros querem a paz com os humanos. Aurora fica no Palácio de Ingrith, achando que Malévola a abandonou. E Ingrith continua os preparativos para o casamento, que na verdade será uma armadilha para atrair os seres da floresta para o seu reino para serem envenenados por uma espécie de pozinho produzido por um gnomo especialista em venenos e poções.
Como dito acima, essa é uma história mais violenta que a primeira, onde vemos fadas morrendo intoxicadas e se transformando em flores, além de haver uma monumental cena de guerra no clímax do filme. Confesso que tudo isso me incomodou um pouco, pois eu esperava algo mais próximo do lúdico de um conto de fadas. O filme até parece ir na direção de algo mais lúdico no seu início, mas à medida que a personagem de Ingrith se revela em toda a sua veia perniciosa, o filme vai para uma direção muito pesada. Ver fadinhas e homens árvore gigantes morrendo e se transformando em flores e árvores inertes me pareceu um pouco pesado para um filme destinado ao público infantil. Pelo menos, nesse momento a presença do Príncipe Philip foi marcante, onde ele foi uma voz decisiva para um cessar fogo nessa guerra bem feudal. O mesmo Príncipe Philip, que até aquele momento, não havia feito nada de relevante na película e habitava uma posição entre o coadjuvante e o figurante no filme.
Toda essa iniciativa do Príncipe consegue colocar um freio nas maldades de Malévola, que entrou na guerra arrebentando com tudo, mas vai parando em sua violência ao ver o ato de compreensão e tolerância do Príncipe. Pode-se dizer que o Príncipe “salva” a protagonista que é condenada na película desde sempre. A grande mensagem do filme é, então, a questão da tolerância com o próximo, com aquele que é diferente de você, se bem que essa lição, dessa vez teve um gosto amargo, pois mostrou-se de forma bem nítida as conseqüências nefastas da intolerância. Assim, a mensagem do filme é bem construída, embora tenha sido um pouco pesada para o público alvo, que é de uma faixa etária bem baixa. Não é à toa que é citado, durante a exibição, que este não é um conto de fadas.
Dessa forma, “Malévola, A Dona do Mal” é uma interessante película, melhor que o primeiro filme dessa personagem repaginada, pois aborda a questão do respeito às diferenças, embora a coisa tenha sido feita de uma forma um pouco pesada para o público infantil, pois exibe violência, guerra e mortes. Apesar desse pequeno exagero, o óbvio happy end de conto de fadas foi mantido, o que dá uma leveza compensadora às partes mais pesadas da película. E optou-se não destruir fisicamente a vilã (Me refiro a Ingrith, obviamente), mas sim dar a ela um desfecho mais cômico. Vale a pena dar uma conferida.
Um filme escrito, dirigido e estrelado por Casey Affleck. “A Luz no Fim do Mundo” é uma película, acima de tudo, sobre a cumplicidade de um pai e de uma filha. Um filme que mostra como a relação humana pode ser um forte cimento quando você está numa situação muito complicada. Para podermos entender a história, vamos lançar aqui mão de spoilers.
E
que situação complicada é essa? Um pai (interpretado por Affleck) e sua filha
Reg (interpretada por Anna Pniowsky) estão num futuro distópico, onde boa parte
das mulheres do mundo morreu em virtude de uma epidemia, o que desequilibrou a
sociedade, a ponto da mulher ser uma espécie de um bem precioso disputado pelo
excesso de varões. O pai precisa, então, preservar a filha desse comportamento
predatório dos homens e fica vagando permanentemente com a menina, que sempre
está vestida de menino para disfarçar. Vemos, então, os dois passando por
várias situações: acampando na floresta e rapidamente se deslocando à menor presença
de um estranho, se abrigando numa casa abandonada e fugindo depois de alguns
homens a invadirem com o intuito explícito de procurar mulheres, se deslocar
para um local bem mais afastado da civilização, mas sem sucesso no que tange à perseguição
desses homens que ainda vão atrás do pai e da filha.
Apesar
de termos uma espécie de clímax na película, onde a ação e a violência ficaram
bem mais explícitas, em boa parte da exibição vemos o pai e a filha dialogando
sobre os mais variados assuntos da vida. Dá para perceber como o pai está numa
tremenda saia justa, pois ele tem a dupla preocupação de proteger sua filha e,
ao mesmo tempo, educá-la para a vida, sendo constantemente bombardeado por
perguntas da garota, que pergunta sobre tudo sem o menor pudor. Assim, esses
diálogos acabam sendo a grande atração da película. A química entre Affleck e
Pniowsky foi perfeita, expressando toda uma cumplicidade latente entre os dois.
O
filme tem um desfecho que não dá uma solução para o problema. Ainda estamos
nesse mundo distópico, o pai e a filha continuam sendo fugitivos, totalmente
subjugados pelas circunstâncias, mas ainda lutando como uma equipe. Se o pai
passa boa parte do filme sendo o amparo para a filha, no final os papéis se
invertem, pois o pai, já cansado de tantas batalhas, acaba desabando e aí será
Rag que o vai amparar, usando as palavras de apoio proferidas pelo próprio pai
em outras ocasiões.
Dessa forma, “A Luz No Fim Do Mundo” é um filme que vale muito pela curiosidade e pelo conteúdo dramático. A ficção distópica aqui serve muito mais como um pano de fundo para o verdadeiro escopo do filme, que é uma análise meticulosa da relação de um pai e de uma filha através dos diálogos que eles travam. Uma bela cumplicidade entre os dois que surge como a grande atração do filme. Vale a pena prestigiar esse trabalho de Affleck pela curiosidade e pela reflexão que ele desperta, pois a menção à questão da mulher objeto aparece nas entrelinhas. Um programa imperdível.
Vamos hoje recordar mais uma sessão do Cineclube Sci Fi. No mês de agosto de 2015, o Cineclube Sci-Fi exibiu no Planetário da Gávea um clássico da ficção científica. “Planeta dos Macacos” (“Planet of the Apes”), produzido em 1968, é um filme inspirado no livro de Pierre Boulle e provocou tanto sucesso que rendeu várias continuações no cinema, sem falar das histórias em quadrinhos, livros e até “remakes” mais recentes. Contando com atores de peso como Charlton Heston, Roddy McDowall e Kim Hunter, essa película tem o grande mérito de ser mais uma daquelas histórias que nos convida à reflexão. E o faz de modo muito inquietante. Vemos aqui a história de quatro astronautas que fazem uma viagem em direção à um sistema planetário na constelação de Órion. Seguindo o modelo do paradoxo dos gêmeos da Teoria da Relatividade de Einstein, o tempo passa mais lentamente para quem viaja a velocidades próximas à da luz, fazendo com que, quando os astronautas tivessem chegado ao seu destino, dois mil anos já tivessem se passado na Terra. Esses quatro escolhidos (três homens e uma mulher) levariam a raça humana para outro recanto do Universo. Mas a coisa deu errado e a mulher morreu, pois sua câmara de hibernação se rompeu. Os três astronautas caíram num planeta aparentemente muito inóspito, com a paisagem altamente desértica. Mas logo eles descobririam uma região de vegetação e de seres humanos vivendo como se estivessem lá no paleolítico da pré-história, ou seja, somente coletando frutas nas árvores, além de não falarem uma palavra. Qual não foi a surpresa deles quando apareceram vários macacos que raciocinavam, falavam e atacavam os humanos para mantê-los presos como animais selvagens? Na violenta perseguição dos macacos aos humanos, um dos astronautas acabou morrendo, outro desapareceu e um terceiro, George Taylor (interpretado por Heston) acabou sendo capturado. Como ele havia sido alvejado no pescoço, não conseguia falar e foi encarado como um humano como qualquer outro, considerado selvagem. Mas ele se comunicava por sinais com a cientista Zira (interpretada por Kim Hunter), que tinha uma visão mais complacente com os humanos, juntamente com seu marido Cornelius (interpretado por MacDowell). Entretanto, eles eram malvistos pelo Dr. Zaius (interpretado por Maurice Evans), que via os humanos com muito preconceito, já que escrituras sagradas antigas diziam que o ser humano era tudo de ruim na face do planeta. Taylor tentará fugir e, quando é recapturado, fala e raciocina, para espanto de todos.
O filme suscita muitas discussões. Como é dito na própria película, a teoria da evolução das espécies é meio que colocada “de cabeça para baixo”. E aí, os humanos são colocados num patamar de inferioridade como eles o fazem com os animais. Não é à toa que Pierre Boulle teve a ideia de escrever a história do filme ao visitar o zoológico e pensar como seria se fossem os humanos presos nas jaulas ao invés dos animais. A forma como os macacos tratavam os humanos tem muito da forma como os humanos tratam os demais animais. Mas a coisa vai além, já que, na situação do filme, tanto macacos como humanos (no caso especial de Taylor) são seres pensantes e que possuem cultura. Assim, há um caso bem evidente de preconceito e intolerância contra o outro, tão condenado pela antropologia cultural. É assombroso perceber que esse filme nunca foi tão atual. A cultura dos macacos misturava ciência e religião da forma mais promíscua, ou seja, rezando pela cartilha do etnocentrismo e do preconceito. O mais curioso é que Taylor, uma espécie de rebelde e revoltado com o mundo, topou fazer essa viagem porque ele estava totalmente descrente da raça humana e irá encontrar uma civilização de macacos que pensa igualzinho a ele, mas a ponto de repudiar a raça humana com extrema violência e intolerância e a aplicar processos por heresia para o casal Cornelius e Zira, macacos simpatizantes dos humanos, ao bom estilo dos Tribunais de Inquisição e Santo Ofício da Idade Moderna, que queimava quem discordasse dos dogmas estabelecidos (vale dizer que não somente católicos condenaram pessoas à fogueira, mas protestantes também, num momento em que a Europa passava por uma situação de intolerância total).
E por que as escrituras sagradas antigas condenavam tanto os humanos? Aí entra o elemento reflexivo mais importante do filme. Quando Taylor conquista sua liberdade, levando a bela Nova (interpretada por Linda Harrison) em seu cavalo para começar uma nova vida, eles cavalgam pela praia. E aí, temos a famosa cena em que Taylor encontra a metade de cima da Estátua da Liberdade fincada na areia, e Taylor desce do cavalo e ajoelha-se na areia para amaldiçoar a humanidade, que enfim tinha conseguido destruir o mundo com a hecatombe nuclear (os tempos da Guerra Fria, sempre eles!).
Assim, se num primeiro momento toda a intolerância e preconceito dos macacos para com os humanos era algo que nos incomodava, agora que sabemos que na verdade Taylor estava no Planeta Terra de dois mil anos no futuro e que a tragédia nuclear havia acontecido, somos obrigados a dar o braço a torcer e a concordar em parte que “o macaco tá certo”, lembrando o bordão do programa de tv humorístico “O Planeta dos Homens”, que tinha os macacos Charles e Sócrates. Assim, as sagradas escrituras foram escritas pelos macacos seiscentos anos depois da destruição provocada pelos humanos e nossa espécie foi severamente condenada pela besteira que fizemos.
Assim, o primeiro “Planeta dos Macacos” é um filme que tem uma grande importância, pois ele nos fala de preconceito, intolerância, etnocentrismo, mas também relativiza a questão quando nos faz um alerta de quais rumos a espécie humana quer dar para nosso planeta. Após a exibição do filme, houve duas palestras. A primeira, feita pela antropóloga Eliana Granado, foi altamente pertinente para a análise do filme, já que ela justamente falou sobre as questões acima abordadas, como a oposição entre preconceito e tolerância, a importância de se respeitar o outro, a ideia de que não há cultura superior ou inferior, mas sim culturas diferentes, etc.
Para ilustrar suas argumentações, ela utilizou suas experiências de trabalho de campo com culturas indígenas e denunciou situações seriíssimas de genocídio e etnocídio ocorridas nos tempos atuais, além da insatisfatória política do governo para preservar a integridade das várias etnias indígenas, cada vez mais ameaçadas. O outro convidado palestrante foi Saulo Adami, um dos maiores especialistas em Planeta dos Macacos do país. Fã da saga desde criança, ele cedo começou a colher todo o tipo de informações sobre o filme, chegando a contatos com artistas, produtores e maquiadores que participaram do filme nos Estados Unidos. Sua pesquisa é tão respeitada que ele já foi convidado para dar palestras até no exterior. Saulo conversou com o público sobre suas experiências e contatos, além de ter passado pela experiência de ele mesmo ter sido maquiado e caracterizado como um macaco, além de bilhetes, fotos autografadas e outros itens que chegam a 1800. Essa edição do Cineclube Sci-Fi ainda contou com uma sessão de autógrafos dos livros dos dois palestrantes.
Como podemos ver, a edição de agosto de 2015 do Cineclube Sci-Fi bombou. Um ótimo filme, excelentes palestrantes, bom debate, e uma sessão de autógrafos de quebra. Recordar é viver. Esperemos que, um dia esse cineclube retorne.
Mais
um curioso filme. “O Pintassilgo” é um longa dramático que consegue trabalhar
com maestria, e de forma muito bem conectada, o amor pela arte, um trauma
motivado por uma perda trágica, e uma vida cheia de percalços motivados pela
falta de afeto e pouquíssimos portos seguros. Uma história longa (o filme tem
149 minutos de duração) e envolvente. Para que a gente possa fazer uma análise
um pouco mais aprofundada, spoilers serão necessários aqui.
O plot gira em torno da vida de Theo Decker (interpretado na sua fase adulta por Ansel Elgort), um menino que tem um severo trauma em sua vida: ele perdeu a mãe depois de um atentado a bomba em um museu. O menino se sente culpado pela perda da mãe, ao passo que o pai desapareceu de sua vida. Sem ter onde ficar, ele passará uns tempos numa família extremamente tradicional que logo busca se desfazer dele, localizando o pai e sua nova esposa. O menino não se adapta à nova vida, pois o pai é alcoólatra e tem dívidas de jogo, ao passo que Theo adora antiguidades, principalmente depois da explosão no museu, onde ele roubou uma obra de arte raríssima intitulada “O Pintassilgo” e a mantém escondida, levando-a consigo para onde quer que vá.
O filme é um rosário das etapas de vida de Theo, onde a carência afetiva e a relação com os poucos amigos que mantêm na vida ditam o tom. O grande problema aqui é que ele, na fase adulta, ainda mantém o quadro “O Pintassilgo” em seu poder, e trabalha para o dono de antiquário Hobie (interpretado por Jeffrey Wright), e manter uma obra rara roubada num antiquário não é, definitivamente, um motivo para uma boa reputação, muito pelo contrário até.
Não fosse pelo quadro, que é um personagem à parte nesse filme, a película giraria apenas em torno dos problemas pessoais de Theo que, em virtude da perda da mãe, teve sua vida muito bagunçada e com uma carência afetiva enorme, onde ele se amparava emocionalmente em seus poucos amigos de um jeito muito forte. Sua vida complicada também o fez mergulhar no mundo das drogas, viciando-se desde muito cedo. Boa parte do filme é dedicada ao drama pessoal de Theo, o que faz com que o protagonista acabe sendo o personagem mais bem construído do filme, o que deu um espaço menor para o desenvolvimento dos personagens que o cercavam, tornando a coisa um pouco desproporcional no quesito da construção dos personagens.
Entretanto, o quadro também tem um papel central no filme, se destacando mais em sua parte final, quando temos um plot twist que tira a atenção total do drama de Theo para a questão da obra de arte que não está em seu lugar de direito, um museu onde ela possa se perpetuar para as gerações futuras. Na cena final da película, vemos a ligação entre o drama pessoal de Theo e a obra de arte em si, mas não darei esse spoiler para não estragar a surpresa. De qualquer forma, foi um desfecho, digamos, muito afetivo e até prosaico. Podemos, assim, dizer que tivemos um bom roteiro aqui, deixando a história bem cativante, o que é difícil quando temos uma película de duração um pouco maior que a média.
Dessa forma, “O Pintassilgo” é uma boa curiosidade que merece a atenção do espectador que gosta de uma boa história contada, até porque o elenco não conta com atores de muito peso (além de Egort, temos uma presença relativamente pequena de Nicole Kidman). Vale a pena dar uma conferida nessa película.