Batata Movies – Coringa. Mais Que Um Problema Individual.

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Cartaz do Filme

E temos o “Coringa”, estrelado por Joaquin Phoenix. Era um filme muito esperado, envolto em bastante polêmica, pois ele trabalha o tema do psicopata assassino que é menosprezado pela sociedade e sai descarregando sua ira deixando um rastro de sangue, tal como vemos em muitos casos verídicos de serial killers nos Estados Unidos. Assim, parentes de vítimas desses assassinatos em série se manifestaram contra o filme, enquanto que algumas salas de cinema americanas disseram que não iam exibir “Coringa”. Tudo isso acabou gerando mais marketing para o lançamento da película e aumentou em muito a expectativa. Vamos agora falar aqui desse filme, lançando mão dos spoilers, que são necessários para uma análise mais profunda da coisa.

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Joaquin Phoenix. Redefinindo o conceito de magnífico…

Arthur Fleck (interpretado por Joaquin Phoenix) é um homem atormentado, que tem um sério distúrbio. Ele dá gargalhadas violentas e severas, mas elas não expressam necessariamente que ele está feliz, muito pelo contrário até. Arthur sempre foi um homem que teve uma vida muito sofrida em virtude de seu distúrbio. Ele trabalha numa espécie de agência de palhaços que são contratados para divulgar lojas. Fleck é perseguido pelo seu patrão e por seus amigos, sempre sendo sacaneado por todos. Enquanto isso, Gotham City passa por uma verdadeira convulsão social. Sua elite trata o povo com enorme descaso, os lixeiros fazem greve, a cidade está infestada de ratos. Nesse contexto sombrio, Thomas Wayne (interpretado por Brett Cullen) aparece como um salvador da pátria e candidato a prefeito da cidade. Mas Wayne é um ricaço que tem desprezo pela classe mais pobre.

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Riso e choro em um único desespero…

Ah, sim, Thomas Wayne é pai de Bruce, não podemos nos esquecer desse detalhe. A mãe de Arthur, Penny (interpretada por Frances Conroy) manda várias cartas para Thomas Wayne. Arthur irá descobrir que a mãe teve um caso com Thomas e Arthur seria filho dele. Mas depois Arthur vai descobrir que a mãe era louca e abusava dele durante a infância. Arthur, que já havia matado três homens das empresas Wayne, que importunavam uma moça no metrô e depois começaram a espancá-lo, acaba matando também a mãe. A morte dos três homens ricos no metrô por um homem vestido de palhaço levanta um movimento contra os ricos na cidade e as pessoas fazem manifestações com máscaras de palhaço. Arthur, que não toma mais suas medicações, pois o programa de assistência do governo foi cancelado, caminha a passos largos para a psicopatia total e tem um plano um tanto sinistro quando é chamado para ser entrevistado num talk show, pois um vídeo feito de uma apresentação sua foi parar na TV e o apresentador Murray Franklin (interpretado por Robert De Niro) fará a entrevista com o objetivo de zoar com a cara de Arthur. Mas…

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Robert De Niro dessa vez foi coadjuvante. Vocês acreditam???

O que mais chama a atenção nesse filme logo de cara? O temor de se justificar as ações dos serial killers é até compreensível, embora eu creia que não se deva silenciar a discussão desse tema, já que esses assassinatos em série são uma conseqüência realmente de um problema mais amplo do que um caso individual isolado. Há uma sociedade violenta que estimula os assassinatos em série quando uma pessoa é maltratada pela sociedade. E isso tem que ser discutido, até para se encontrar uma solução para o problema. Mas o filme foi além disso. Ele foi no âmago de um problema social, onde uma elite rica não tem qualquer apreço ou respeito pelas camadas mais populares, mergulhando Gotham City numa verdadeira convulsão. Sabemos que a cidade de Nova York, lá pelos idos da década de 70 era um local extremamente problemático e violento.

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A linguagem corporal também foi decisiva…

Quando vemos a logo antiga da Warner no início do filme e nos situamos numa Gotham mais retrô, vemos que há uma intenção de associar a cidade fictícia do Batman com essa Nova York caótica da década de 70. E o homicídio de três homens ricos que não tem qualquer caráter por um homem vestido de palhaço é a senha para uma revolta generalizada contra a elite rica. Logo, o Coringa desse filme não é o líder de uma quadrilha, mas uma espécie de bandeira contra a forma atroz que a elite trata as camadas menos favorecidas. O Coringa é menos o serial killer psicopata que mata a torto e a direito do que a personificação de uma revolta social. E isso aparece em sua fala quando ele sente que deixa de ser um João ninguém para ser ouvido pelos mais pobres nos seus atos violentos contra a elite. Há momentos dessa interação entre Coringa e as massas, seja na sequência do metrô onde ele foge da polícia e os policiais são detidos pelos passageiros do trem todos com máscaras de palhaço, seja no momento em que ele é retirado ferido do carro de polícia que o levava para a prisão e que foi abalroado por uma ambulância para poder libertar Arthur. Nesse momento, ele se ergue triunfante e é aplaudido pelas massas nas ruas, justamente depois dele assassinar (ao vivo) Murray na TV. Assim, a história de Coringa não é a do individual psicopata que comete crimes pelas loucuras que sofre da sociedade, mas sim a história de um homem que acaba personificando a indignação de todo um segmento social massacrado, tornando-se assim muito mais perigoso para o establisment.

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E, finalmente, o personagem encarnado…

É claro que esse não é um filme de super-herói como conhecemos. Mas já é disparado a melhor coisa que o casamento DC-Warner fez, sem a menor sombra de dúvida. Esse filme é tão especial que ele deve ser considerado algo à parte, ou seja, não vai cair bem um Coringa interpretado pelo Joaquin Phoenix lutando contra o Batman ou a Mulher Maravilha num futuro filme. Outra coisa que deve ser dita é a força da atuação de Joaquin Phoenix. Às vezes, quando vejo uma obra de um ator ou diretor no cinema, me chega uma espécie de convicção de que aquele ator ou diretor chegou ao seu auge. E que, a partir dali, ele não conseguirá um trabalho tão bom. Eles ainda serão excelentes, mas jamais chegarão à qualidade daquele ápice. Eu senti isso, por exemplo, com Pedro Almodóvar em “Fale Com Ela”. Ali ele chegou ao seu auge e esse filme será insuperável em qualidade. As demais películas de Almodóvar jamais chegarão aos pés de “Fale Com Ela”, onde o diretor explodiu todas as escalas de qualidade. Falo isso agora para Joaquin Phoenix. Na minha modesta opinião, ele chegou ao seu auge com “Coringa”. Phoenix estourou todas as escalas. Sua gargalhada era com um sofrimento explícito, onde o ator conseguia misturar com maestria riso e choro, levando-nos a um sentimento muito angustiante. O esforço que ele fez para compor o personagem, emagrecendo horrores e fazendo uma dança poligonal e esquálida impressionou demais também. A coisa foi tão boa que nem a sua vestimenta de Coringa a la Cesar Romero ficou caricata. Sua atuação no talk show foi perfeita, assustadora e, principalmente, esfuziante, quando ele desabafou perante toda a sociedade os anos e anos de ódio acumulado por ter sido maltratado por tudo e por todos. Sua sanha assassina é direta, sincera e, acima de tudo, contagiante. Papel digno de Oscar, embora a película já tenha conseguido muito mais do que isso, pois ganhou o prêmio de melhor filme no Festival de Veneza. Isso sim é uma coisa impressionante: um “filme americano de super herói” ganhar o prêmio máximo num festival europeu.

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Em Veneza. Prêmio merecidíssimo…

Dessa forma, “Coringa” é um programa imperdível, um filme obrigatório, por trabalhar o Universo dos filmes de super-herói de uma forma adulta e muito contundente, despertando uma reflexão que sai do campo do individual para o campo do social. E tem a atuação mais primorosa da carreira de um artista de renome, que é Joaquin Phoenix. Não deixe de assistir a esse filme que te agride e que não te deixa indiferente.

Batata Literária – Lágrima

É tão pequena…

Vinda de algo tão grande

Uma explosão de dor

Uma profunda tristeza

A gargalhada incontida

O laço de ternura

O cisco que machuca o olho

O descascar da cebola

O talento do ator

A indignação perante a injustiça

A manifestação artificial do colírio

A decepção do amor

A conjuntivite melada

A pena

A perda no velório

A descoberta do fim da vida

O desgosto com a ingratidão

O medo

Mas em alguns, ela já secou

Não sentem mais nada

Nada…

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Batata Movies – Hebe, A Estrela Do Brasil. Desafiando O Establisment.

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Cartaz do Filme

Um curioso filme brasileiro. “Hebe, A Estrela do Brasil” traça a trajetória da apresentadora Hebe Camargo nos difíceis anos da redemocratização brasileira, quando a censura ainda dava o ar da sua (des) graça e a sociedade machista da época não engolia de jeito nenhum as atitudes altamente afrontosas e provocativas da celebridade televisiva, que não tinha papas na língua e fazia de tudo para se impor, custe o que custasse. Para podermos entender o filme, vamos precisar de spoilers aqui.

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Andréa Beltrão como Hebe Camargo.

Em primeiro lugar, foi elencado um recorte temporal, que mostra os anos de Hebe na TV Bandeirantes e, posteriormente, os primeiros anos de seu programa no SBT. Assim, podemos esquecer, pelo menos por aqui, sua infância e velhice. O filme realmente se debruçou mais nas querelas que ela teve com a censura, onde os censores não engoliam a participação de performers ou transexuais em seu programa (a apresentadora já utilizava esses termos na época, numa prova de que ela estava realmente à frente de seu tempo). Hebe (magistralmente interpretada por Andréa Beltrão) tinha discussões fortes com Walter Clark, pois este último tinha que pisar em ovos com os censores enquanto que a apresentadora conduzia seu programa como queria na TV. A gota d’água foi um programa onde Dercy Gonçalves e Roberta Close apareceram juntas e a atriz veterana mostrou os seus seios ao vivo. Cansada de tantas pressões, Hebe pediu demissão em pleno programa, causando comoção geral. Mas, em pouco tempo, ela seria contratada por Silvio Santos (interpretado de forma surpreendente por Daniel Boaventura) e voltou aos holofotes, não sem provocar novos problemas, agora criticando “alguns” políticos do Congresso Nacional, o que quase lhe custou uma prisão.

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Extremamente polêmica, fazia as coisas como queria, entrevistando Dercy Gonçalves e Roberta Close…

Uma coisa tem que ser dita aqui com todas as letras. Esse talvez tenha sido o melhor trabalho da carreira de Andréa Beltrão. Nós, os velhos dinossauros, sempre tivemos um carinho enorme por essa atriz em virtude de sua personagem Zelda Scott em “Armação Ilimitada”. Mais recentemente, ela se destacou como a Marilda de “A Grande Família”. Mas seu talento explodiu todas as escalas em “Hebe”. Dá para perceber como a atriz estudou a fundo sua personagem. Tão a fundo que a gente via a Hebe na nossa frente em todos os seus trejeitos, mesmo com Andréa Beltrão não se parecendo em nada com ela fisicamente. Foi algo semelhante ao que aconteceu com Rami Malek em “Bohemian Rhapsody”, mas muito, muito melhor. Beltrão conseguiu mostrar com perfeição os dois lados de Hebe Camargo: aquele lado que a gente conhece, da mulher comunicativa, extremamente simpática e combativa, desafiando a tudo e a todos e se impondo em toda a sua plenitude; e um lado extremamente frágil, onde ela poderia ter crises de choro ao ver uma crítica negativa sua na televisão ou ser tratada com violência pelo seu marido em crise de ciúmes (também magistralmente interpretado por Marco Ricca, um ator que funciona enormemente bem no cinema). Ou seja, é um filme que foi além da celebridade, que abordou também a figura humana, com todas as suas fraquezas.

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Otávio Augusto fez Chacrinha…

Apesar da película mostrar uma Hebe combativa e perseguida pela censura, o filme não fugiu da polêmica e lembrou do apoio da apresentadora a Paulo Maluf, conhecido pelas acusações de corrupção. Nesse momento a gente não pode se esquecer de falar da ótima atuação de Caio Horowicz como Marcelo, o filho de Hebe, sempre uma companhia afetiva e próxima da mãe, que não concordou com esse apoio dela a Maluf e abandona o jantar em que a mãe estava com o político para passar o natal com os empregados da casa a quem tratava com muita amizade, amor e carinho, sendo esse um aspecto muito legal do filme, embora o filho de Hebe tenha dito que não fazia festa com os empregados, apesar de ser próximo deles. Não podemos nos esquecer também da boa atuação de Danton Mello, que fazia o sobrinho de Hebe, uma espécie de braço direito da apresentadora.

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Daniel Boaventura como Silvio Santos.

Assim, “Hebe, A Estrela do Brasil” é um programa imperdível que nos ajuda a desmistificar e entender um pouco mais parte da trajetória dessa grande celebridade da mídia que tivemos e que agora podemos conhecer um pouco mais. Vale muito a pena dar uma conferida, principalmente pelo trabalho majestoso de Andréa Beltrão.

https://www.youtube.com/watch?v=SHlNoL0w7gM

Batata Movies – Torre Das Donzelas. Memórias Do Cárcere.

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Cartaz do Filme

Um importante documentário brasileiro para nossos tempos sombrios. “Torre das Donzelas”, de Susanna Lira, fala do cotidiano de um presídio feminino conhecido como “Torre das Donzelas” durante a época da Ditadura Militar. Quarenta anos depois, as ex-presas políticas se reencontram num cenário que reproduzia o cárcere tal como elas contaram para a produção do filme, o que causou muita emoção. Vale ressaltar aqui que uma das ex-presas políticas é a ex-presidente Dilma Rousseff, que também deu vários depoimentos.

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Dilma Rousseff, ex-prisioneira política e ex-presidente da república. Depoimento valioso.

E, como não podia deixar de ser, a primeira coisa a ser dita por elas depois do reencontro no “cárcere” foram as bárbaras torturas que sofreram além da forma extremamente machista e misógina com que os torturadores tratavam as presas. Havia, inclusive, filhos de presas que eram torturados para que as mães pudessem fornecer os nomes de quem eles procuravam, o que significava a morte certa dos delatados. Dilma, inclusive, relatava a semelhança dos porões das torturas com campos de concentração, num lugar ironicamente chamado de “Paraíso”. Ela também disse que o negócio não era pensar como um herói e aguentar a tortura por um dia, mas sempre em doses homeopáticas: posso aguentar cinco minutos, depois mais quatro, mais três, e por aí vai.

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As donzelas…

O relacionamento entre as prisioneiras também é relatado no filme. Elas limparam as celas que estavam num estado fétido, reorganizaram o espaço para ficar uma coisa mais humana e que pudesse aumentar mais a união entre elas, conseguiram um fogão para cozinhar, faziam crochê, exercícios físicos. Valia tudo para poder passar por todo o tormento de se estar na prisão. Um detalhe que chamou a atenção foi durante a Copa de 70, quando elas tiveram acesso a um aparelho de TV para ver os jogos da seleção brasileira, mas no noticiário, havia o tormento de saber que alguns companheiros da guerrilha haviam caído em combate, o que poderia ter sido resultado de delações de quem não aguentou a tortura, o que era algo muito difícil pois quem delatava ou não tinha forças para aguentar a tortura era rechaçado pelo movimento do qual fazia parte.

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Um espaço recriado…

A prisão também foi um espaço de formação intelectual. Dilma, por exemplo, conseguiu ter acesso a muitos livros de forma clandestina e aproveitou o tempo na prisão para ler e se formar politicamente. Seu grupo, a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, exigia que seus integrantes estudassem, e foi o que ela fez na prisão, até para se esquecer um pouco de que estava lá. Mas uma vez chegou para as prisioneiras um baú cheio de vestidos de luxo vindos da mãe de uma prisioneira. Como resultado, elas começaram um desfile de moda dentro da cela e um dos responsáveis pela prisão, ao ver isso, decidiu dar a elas o direito a um banho de sol, pois, segundo as prisioneiras, ele já devia achar que as moças estavam pirando com tanto confinamento e torturas. Ou seja, se o documentário fala de temas altamente escabrosos como a tortura e a repressão, também há um espaço para pequenos momentos engraçados.

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Dilma e suas companheiras de prisão…

Dessa forma, “Torre das Donzelas” é mais um programa obrigatório, pois relata um período sombrio de nossa história e é mais um relato que vai contra a opinião daqueles que acham que não houve crimes na ditadura e que um estado de exceção é a melhor resposta para tempos de crise. Um documento importantíssimo que deve ter muita voz.

Batata Movies – Uruguai Na Vanguarda. Um Bom Exemplo No País Vizinho.

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Cartaz do Filme

Mais um bom documentário brasileiro. “Uruguai na Vanguarda”, de Marco Antônio Pereira, faz uma radiografia do país vizinho e nos mostra como a América do Sul conseguiu produzir uma pequena joia de democracia e tolerância, apesar das intempéries conservadoras e autoritárias que varrem o continente desde sempre. Um país que já tem uma agenda progressista desde o início do século passado e que nem mesmo os anos de ditadura militar conseguiram arrefecer.

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Pepe Mujica, o presidente mais fofo de todos os tempos!!!

O ápice dessa onda progressista no Uruguai parece, pelo menos até agora, ter sido no governo do presidente José “Pepe” Mujica, um ex-preso político que doava 90% do seu salário de presidente para a caridade, morava numa casinha bem modesta, e que, durante o seu governo, houve grandes avanços, como o direito ao consumo controlado de maconha, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o direito ao aborto. Temos as entrevistas de muitas personalidades, dentre eles ativistas, professores, políticos, artistas, etc. Vemos até a manifestação de uma cultura africana no Uruguai, expressa pelo candombe, algo que não é muito divulgado por aí e que esse documentário reserva um tempo considerável. Só é pena que “Pepe” Mujica não tenha sido entrevistado exclusivamente para o documentário, que se limitou a mostrar imagens de arquivo dele juntamente com áudios de algumas de suas falas. Seria um depoimento obrigatório e inestimável para a película.

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O candombe. Raízes africanas no azul celeste…

A grande impressão que temos quando vemos esse filme é que lá a democracia conseguiu dar certo na América Latina. Mesmo que, em todos os lugares tenhamos problemas sociais (o que aparece no filme também), o Uruguai conseguiu se colocar numa posição realmente de vanguarda, sendo não somente um exemplo para a América Latina, mas para o mundo também, nadando completamente contra a maré do conservadorismo reinante no mundo hoje. A diferença fica ainda mais gritante quando comparamos o país vizinho ao nosso e, confesso, dá até uma invejinha (no bom sentido do termo, é claro) de nossos hermanos celestes. Mas esse filme tem uma grande vantagem. Ele mostra que, quando a sociedade se mobiliza e luta pelo que quer e seus direitos, não há governo que possa segurar a vontade do povo, caso contrário ele está fadado a ser retirado do poder. O nível de consciência e engajamento político do povo uruguaio é gritante na película e mostra que é altamente possível a mobilização e a conquista de direitos sociais, dando à gente, que tem vivido em trevas absolutas, um pequeno sopro de esperança.

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Uma sociedade muito mobilizada…

Dessa forma, “Uruguai na Vanguarda” é um filme obrigatório e um documento importantíssimo, pois mostra como a democracia e o progressismo são frutos de uma vontade política de uma sociedade mobilizada. Vale como exemplo para a nossa sociedade retrógrada, conservadora e letárgica.

Batata Movies – O Fim Da Viagem, O Começo De Tudo. Loucas Aventuras De Uma Japonesa No Uzbequistão.

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Cartaz do Filme

Uma co-produção Japão/Uzbequistão/Qatar dirigida por Kiyoshi Kurosawa. “O Fim da Viagem, O Começo de Tudo” é um filme, no mínimo sufocante. Uma história de dar dó. E uma história que espelha bem a situação de choque cultural. Vamos lançar mão de spoilers aqui.

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Yoko. Na frente das câmaras, ela precisa mostrar energia e alegria…

O plot é muito simples. Uma equipe da tv japonesa está no Uzbequistão e faz uma série de reportagens sobre o país. Quem protagoniza tudo isso é a jornalista Yoko (interpretada por Atsuko Maeda), uma moça pequenininha e tão frágil que parece que vai quebrar na menor brisa. Mas ela é muito profissional e cai no seu trabalho de cabeça. A moça produz, junto com a equipe, vários temas exóticos: tentar pescar um peixe de dois metros, experimentar a exótica culinária local com direito a arroz cru, andar num violento brinquedo de um parque de diversões, se aventurar pelo bazar local e se perder numa estranha cidade, e por aí vai. O choque cultural é muito forte, pois a população local sempre toma atitudes muito duras e inflexíveis com relação a tudo. Se, na frente da câmara, Yoko tem que mostrar muita alegria e energia, por trás ela desaba, pois está longe do namorado, tem um cotidiano muito penoso na viagem e sente que se distancia de seu verdadeiro sonho que é se dedicar à carreira de cantora. E assim, nossa Yoko leva as suas tarefas com muita coragem e profissionalismo, mesmo que isso corresponda a, praticamente, uma espécie de autoimolação.

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Mas, na verdade, a coisa é bem diferente…

Se o diretor Kiyoshi Kurosawa queria que a gente se compadecesse e sentisse pena da pequena Yoko, ele conseguiu. A rotina massacrante que a pequena jornalista enfrentava era praticamente uma tortura para ela. E logo a gente se solidariza e estabelece um elo com a personagem. Definitivamente, o momento mais agônico do filme está no violento brinquedo do parque de diversões onde ela é obrigada a ir três vezes consecutivas, mesmo sob os alertas do dono do brinquedo, que achava que a repórter tinha uma estatura de criança e que não poderia sobreviver ao forte impacto no corpo que o brinquedo provocava. Os gritos de Yoko chegavam a dar desespero. Foi uma coisa um tanto bizarra e até meio doentia ver tudo aquilo. Ponto para a atriz Atsuko Maeda, que, podemos dizer com convicção, é a estrela central onde toda a história do filme orbita.

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Conhecendo um país belo, mas muito estranho…

As situações de choque cultural também eram bem marcantes. O povo uzbeque, com sua língua e seus hábitos muito diferentes, chegavam a aterrorizar Yoko, que, volta e meia, saía correndo pela cidade e tinha o incrível talento de se enfiar nos lugares mais ermos e escuros. É sintomática a situação em que ela, tomando imagens da cidade, é cercada por guardas que falam um idioma totalmente estranho e querem lhe tomar a câmara. Nesse momento, seu profissionalismo fala mais alto e ela foge, sendo perseguida e presa pela polícia. Não fosse a ajuda do intérprete, ela não teria como sair sozinha daquela situação, até por estar totalmente amedrontada. Como se tudo isso ainda não bastasse, ela ainda soube de um incêndio numa refinaria em Tóquio onde seu namorado (que é bombeiro) poderia estar e ter morrido, deixando-a sozinha, pois ela não falava com sua família. É muita judiação para uma japonesinha só!!!

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Situações de medo extremo…

Mas o filme tem momentos lúdicos. Um grande momento é quando o intérprete da equipe de TV sugere que eles façam uma reportagem no teatro da capital, que foi erguido por prisioneiros japoneses da Segunda Guerra Mundial. Um teatro em que Yoko esteve e onde se imaginou cantando. Só é pena que o diretor da equipe não tenha aceitado a ideia pois não seria atraente para o público do programa. Mas o mais lúdico foi o desfecho. Vemos Yoko cantando no alto de uma montanha, com uma linda paisagem ao fundo. Apesar de ter sido muito piegas, é até compreensível, uma espécie de prêmio de consolação para a moça, que sofreu tanto no filme. Isso sem falar que Maeda é uma artista pop nipônica.

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… mas ela era extremamente profissional…

Assim, “O Fim da Viagem, O Começo de Tudo”, é uma película que, apesar da tortura, vale a pena ser vista, principalmente em função da doce personagem Yoko, martirizada toda a vida, mas com quem a gente rapidamente se simpatiza e se solidariza. Experiência agônica, mas reflexiva.