Um curioso documentário brasileiro. “Humberto Mauro”, realizado pelo seu neto, André Di Mauro, é uma espécie de grande caleidoscópio de imagens que dão visibilidade aos depoimentos do famoso cineasta brasileiro, considerado por alguns o grande pioneiro do cinema brasileiro, o introdutor da revolução griffithiana em nosso cinema. Embora todas essas definições um tanto reificadoras sejam alvo de alguma controvérsia (Mauro teve contemporâneos que também tiveram sua importância e destaque), é inegável que Humberto Mauro tem um papel importante na História do Cinema Brasileiro e sempre é importante qualquer documentário que remeta à sua memória e seu legado.
O diretor André Di Mauro optou por um estilo de documentário que escapa do convencional. O próprio Humberto Mauro falava com um certo desdém desse modelo mais clássico de documentário, onde vemos entrevistas e narrações ilustradas de forma fria e mecânica por imagens de arquivo ou de seus filmes. Para o pesquisador ávido por informações sobre a História do Cinema Brasileiro (tal como este escriba que vos fala), um modelo mais convencional de documentário sempre é bem vindo. Mas Di Mauro teve um enfoque bem mais artístico da coisa, usando, ao início do filme, muitas e muitas imagens de natureza, não somente dos filmes de seu avô, como também de outros filmes da época, como “Limite”, de Mário Peixoto. Naquela torrente de imagens, totalmente artística, vem a voz de Humberto, já em idade avançada, falando no rádio amador. A impressão que se dá é a de que ele vem diretamente do passado para conversar com a gente.
E aí, as intervenções de Humberto vão se fazendo cada vez mais presentes, com a torrente de imagens ilustrando, de uma forma mais poética e artística, ao invés de fria e mecânica, o que ele diz e suas ideias. Ou seja, é o próprio Humberto que faz a leitura e interpretação de si mesmo, sem interferências de intermediários ou de acadêmicos. Se o filme passa inicialmente uma certa sensação de desconforto para quem está ávido por informações documentais da forma mais tradicional possível, com o tempo a película nos conquista, pois ela nos dá as preciosas informações sob a ótica do próprio Humberto e, de quebra, temos uma montagem magistral, onde uma série de fragmentos de filmes são organizados para acompanhar o raciocínio do pioneiro.
As imagens também possuem uma forte carga afetiva para os admiradores de Mauro. Voltar a ver, por exemplo, trechos de filmes como “Tesouro Perdido”, “Sangue Mineiro”, “Lábios Sem Beijos”, “Braza Dormida”, “Ganga Bruta”, “O Descobrimento do Brasil”, “O Canto da Saudade” e muitos outros, assim como rever Pedro Fantol, Luís Soroa, Durval Bellini, Máximo Serrano, Nita Ney, Déa Selva e Carmen Santos, é um deleite para os olhos do aficionado pela História de nosso cinema. Ainda, revisitar os vários e vários curtas produzidos por Mauro em seus dias no Ince (Instituto Nacional do Cinema Educativo), onde ele se torna uma espécie de cineasta oficial do regime de Getúlio Vargas, e tem liberdade criativa para expressar seus sentimentos sobre brasilidade e seu amor provinciano (no melhor sentido do termo) por Minas Gerais e Volta Grande, sua terra natal, é sempre uma tarefa muito prazerosa.
O filme, ainda, fala um pouco da forma como Humberto encarava o cinema. Ele era um homem antenado com seu tempo, atento à produção cinematográfica mundial, mas, ao mesmo tempo, não se prendia a teorias e convenções, filmando de um jeito muito livre, chegando até a seguir uma espécie de roteiro que era mais um improviso de uma ideia pré-concebida do que algo muito elaborado do ponto de vista teórico e técnico.
Humberto era bem mais empírico e pragmático, o que lhe rendeu a pecha de ser um cineasta de estilo único, nas palavras do próprio pesquisador francês de cinema Georges Sadoul. Ou seja, ele era uma espécie de desbravador. É claro que a sua relação com Adhemar Gonzaga ajudou Humberto a se aproximar mais com o que Griffith fazia nos Estados Unidos. Mas Humberto, acima de tudo, foi um cineasta de seu povo e de sua gente, um amante da natureza de nosso país, que ele achava maravilhosa de qualquer jeito em que ela estivesse.
Assim, “Humberto Mauro” é mais um bom documentário brasileiro altamente recomendável. Mesmo que ele, aos olhos de acadêmicos e de teóricos mais exigentes, possa parecer excessivamente artístico, ainda assim nos fornece informações valiosas e sob o prisma do próprio Humberto. É uma joia muito bem dilapidada e que deve ser preservada como tal. Programa imperdível.