O quinto episódio de “Jornada nas Estrelas Picard” intitulado “Encrencas em Stardust City” é daqueles que vemos dois gêneros coexistindo. Há um momento breve que flerta com a galhofa, mas, ao mesmo tempo e na maior parte do episódio, a coisa foi bem soturna e novamente com um excesso de violência que, desta vez, até teve alguma justificativa, embora esse nunca seja o melhor caminho, ainda mais quando se trata da franquia “Jornada nas Estrelas”. Para podermos analisar o episódio, vamos necessitar de spoilers aqui.
O episódio começa com mais um flashback num planeta chamado Vergessen (essa palavra curiosamente é o verbo esquecer em alemão). Numa espécie de laboratório chamado Sete Domos, um tripulante da Federação tem seus implantes cibernéticos arrancados a sangue frio, numa tortura violenta. Dá para perceber que esse tripulante é um ex-borg assimilado. De repente, Sete de Nove aparece e executa os médicos que extraem os implantes do tripulante. Escutando a conversa dos dois, atestamos que esse tripulante é, nada mais, nada menos que Icheb (interpretado por outro ator diferente do da série Voyager) e este pede que Sete tire a sua vida em virtude do grande sofrimento. Sete, sofrendo muito, o mata com um tiro de phaser. Ou seja, um dos personagens secundários mais queridos de Voyager, foi eliminado em Picard, o que é algo revoltante, a meu ver. Esse personagem poderia ter sido bem mais aproveitado aqui nessa série, ainda mais por causa da presença de Sete de Nove. E, reza a lenda, o ator original de Icheb, o na época adolescente Manu Intiraymi, ao atuar juntamente com Jeri Ryan em Voyager, ficava altamente, digamos, estimulado ao ver a atriz naquele macacão justíssimo, e no intervalo das gravações, ele precisava, digamos, se aliviar um pouco. Assim, Icheb é o cara é um porta-voz dos desejos de toda uma geração de trekkers enlouquecidos por Sete de Nove e não merecia morrer daquele jeito. Lamentável.
O filme corta de um flashback de treze anos para um flashback de duas semanas, agora em Freecloud, em Stardust City, no Sistema Alphadoradus, numa espécie de night club. Bruce Maddox está lá (também interpretado por outro ator) conversando com uma mulher chamada Bjayzl, que é a que extrai os implantes cibernéticos dos borgs para vender e que é a cara da conselheira Troi. Maddox diz que seu laboratório foi destruído, totalmente dissolvido e ele não terá como pagar o empréstimo que pegou com Bjayzl. Maddox ainda diz que acha que foi o Tal Shiar que destruiu seu laboratório. Logo após, caiu sedado pela bebida dada por Bjayzl.
Após a abertura do episódio, estamos no holodeck de Picard que reproduz a vinícola e ele recebe Sete de Nove no seu escritório. Ele lhe oferece algo para beber e a moça pede uísque (mais uma vez o álcool aparecendo como coadjuvante na série, parecia o Sr. Scott). A conversa entre os dois é tensa, pois Picard é contra os procedimentos justiceiros dos Rangers de Fenris dos quais Sete faz parte, mas ela diz que ela ajuda quem não tem mais qualquer tipo de ajuda. Foi uma conversa tensa, mas muito respeitosa a meu ver, e com argumentos puramente racionais. Tanto que Sete se dispõe a saber mais de quem Picard procura para salvar da morte, já que essa pessoa (Soji) também não tem mais quem a ajude. E, claro, dentro do espírito da série, Sete pediu mais uma dose de uísque para virar de uma vez de novo.
Na ponte, Raffi vê a ficha de um tal Gabriel Hwang. Vamos ver mais a frente que se trata de seu filho. Rios chega e os dois começam a conversar sobre Sete, de quem sabem pouco. O mais estranho é que Rios diz que o pouco que sabe de Picard (que ele já foi borg) ele esqueceu, como se fosse um bloqueio. Muito estranha essa parte. Bloquear o que já se sabe de uma pessoa? Uma prova de que há problemas no roteiro.
Enquanto isso, Jurati vê vídeos dela com Maddo e descobrimos que os dois já foram amantes.
Ao chegarem a Freecloud, os tripulantes recebem vários avatares holográficos oferecendo serviços e, para desativá-los, você precisa acertá-los com um soco ou tapa, sendo o momento engraçadinho da coisa (um pouco desnecessário, talvez). Raffi localiza Maddox e vê que ele está envolvido e encrencado com o submundo. Quando surge o nome de Bjayzl, Sete de Nove fala que ela esquarteja ex-borgs para pegar as peças e que é procurada pelos Rangers há anos. Bjayzl vai vender Maddox para a Tal Shiar e ela é protegida por um grupo poderoso de capangas. Sete se propõe a ser entregue como isca a ser negociada para Bjayzl, já que esta deseja muito a ex-borg para lhe arrancar as peças.
Chegando a Freecloud (que mais parece o cenário de Blade Runner 2049), vemos um Rios todo fantasiado bem ao estilo do carnaval que temos passado recentemente. Isso é idéia de Raffi, que diz que intermediários se vestem de forma extravagante em Freecloud. Apesar desse pequeno contratempo (Picard irá disfarçado com um tapa olho e foi um alívio cômico tão ruim e surreal que acabou ficando bom), Raffi fez um bom plano e estava mais estável emocionalmente que nos outros episódios, sendo a sua melhor aparição na série. Mas ela vai abandonar a tripulação para procurar o seu filho em Freecloud. O grande problema é que o pimpolho puxou bem a mãe e ficou cheio de mimimi porque ela abandonou a família na época do conflito dos sintéticos em Marte. Ele não acreditou na história de conspiração como a mãe acreditou e acabou sendo implacável com ela, praticamente chutando-a de sua vida. Isso vei fazer com que Raffi, ao final do episódio, volte para a nave e se isole num aposento, não querendo falar com ninguém, mas sendo bem recebida por Picard. Confesso que fiquei com pena da personagem, que sofre esse forte baque justamente num momento em que ela estava bem mais compreensiva com Picard e até ajudou a arquitetar o plano de resgate de Maddox.
No night club, Sete é oferecida por Picard a Bjayzl em troca de Maddox. Quando Bjayzl vê Sete, Bjayzl manda seus capangas apontarem as armas, rendendo a todos e as duas começam a conversar sobre o passado. Sete já havia sido aprisionada por Bjayzl e agora procurava vingança. Num rápido movimento, Sete rende Bjayzl instantaneamente. Bjayzl manda que seus capangas abaixem as armas, pois a mão de Sete está sobre sua garganta e Picard percebe que foi usado por Sete para arquitetar um plano de vingança contra Bjayzl. Os mais críticos podem até dizer que Picard foi feito de bobo na história, mas, pelo menos, ele mostrou indignação em sua fala ao perguntar a Sete o que estava acontecendo. De qualquer forma, a cena ficou legal na versão badass de Sete. Sete conta a Picard a história de Icheb e este diz que a vingança e o assassinato não trazem alívio. Rios lembra que se Sete matar Bjayzl, Picard será perseguido por todos. Sete desiste de mater Bjayzl e volta para a nave com Picard e os outros. Sete diz que vai embora para os Rangers mas deixa uma espécie de comunicador com ele. Ela também pede dois phasers para Picard, no que é prontamente atendida. Aí começa a conversa de ex-assimilados. Sete pergunta a Picard se ele, depois que foi resgatado da coletividade, conseguiu recuperar sua humanidade. Picard responde que sim. Então, Sete pergunta e ele conseguiu recuperar toda a sua humanidade, ao que Picard retruca que não. E aí, Picard pergunta: “Mas nós estamos cuidando disso, não?”, e Sete retruca dizendo “Todo Santo Dia”. Essa foi a melhor parte do episódio e, talvez, uma das melhores da série, onde a gente viu Jornadas nas Estrelas à antiga acontecendo. Só é de se lamentar que, imediatamente depois, Sete se teletransporta para o Night Club para vaporizar Bjayzl e tacar fogo geral na galera, bem ao estilo badass. Não foi a melhor coisa, pois ela quebrou toda a palavra com Picard, mas ainda assim a gente entende os atos de Sete por Icheb. É aquela coisa dita por Spock em “Um Gosto de Armageddon”: “Eu entendo sua posição, mas não concordo com ela”. De qualquer forma, foi curiosa a conversa de Bjayzl com Sete antes da segunda vaporizar a primeira. Bjayzl disse que Sete foi sentimental, pois ela arriscou sua vingança para salvar a vida de Picard e dos outros. Sete retruca dizendo que Picard ainda tem esperança na misericórdia da galáxia e que pessoas com esperança devem ser mantidas. O mais interessante aqui é que, depois de matar Bjayzl, Sete passa fogo nos capangas dela mas não a vemos ser alvejada ou morta. E já sabemos, pelo IMDB, que ela volta em mais dois episódios. Isso aê!!!!
Na enfermaria, Picard e Maddox conversam e o primeiro fala da morte de Dahj. Maddox diz que o Tal Shiar destruiu seu laboratório e que a inteligência artificial materna só se manifestou em Dahj quando ela entrou em perigo. Bruce então conta a Picard sobre Soji e sua presença no cubo, sob os ouvidos atentos de Jurati. Maddox diz que mandou Dahj à Terra e Soji ao cubo para buscar a verdade sobre a proibição dos sintéticos e disse que quem está proibindo são os mesmos que caçam as irmãs. Para Maddox, romulanos e a Federação estão envolvidos nisso e ele mandou as gêmeas investigarem. Jurati interrompe a conversa alegando que Maddox não está bem e Picard abandona a enfermaria. Jurati, confirmando as suspeitas dos episódios anteriores, mata Maddox. Antes disso, o holograma médico de emergência vê Jurati matando Maddox. Ela o desativa. A conversa entre Maddox e Jurati antes da morte do primeiro também é interessante, pois ele disse que conseguiu fazer andróides “perfeitamente imperfeitas” com a ajuda de Jurati e Soong. Jurati retruca dizendo que isso é um pecado que ela tem que desfazer e, enquanto mata Maddox, ela diz que não queria ter visto o que viu e saber o que sabia. Ou seja, para matar o ex-amante isso tem que ser algo bem sério, provavelmente o que foi dito pela comodoro Oh a ela alguns episódios atrás. Que não seja um motivo como o que foi para Raffi apontar a arma para Picard.
Impressões gerais do episódio: o leve alívio cômico carnavalesco foi rápido o suficiente para dar voz a um episódio mais sombrio e violento. Pontos positivos ficam para a aparição de Sete de Nove no episódio e a conversa com Picard inicialmente tensa mas que depois revelou mais um espírito de Jornada nas Estrelas no papo de ex-assimilados. Raffi mais equilibrada e organizando planos foi também algo de bom. Fiquei com pena dela ser escorraçada pelo filho. Jurati mostrar que é do mal também foi algo interessante, embora previsível (ela já se mostrava uma songa-monga em episódios anteriores e até nesse, ao fingir não saber acionar o teletransporte). Pontos negativos do episódio: Sete se vingar mesmo depois de toda aquela conversa sobre humanidade com o Picard. Apesar de vingar o Icheb, que não deva ser morto, esse não foi o melhor caminho. A vingança só valerá aqui se depois Sete tomar alguma lição com isso e se tornar mais humana. Será que esses roteiristas e produtores conseguem chegar a tamanha nobreza? Acho difícil. Outro problema foi a violência explícita do episódio, algo que não estamos muito acostumados a ver em Jornada nas Estrelas, por mais distópica que ela esteja ficando.
Resta, agora, ver o que vem por aí…