Dando sequência às análises de filmes de Fritz Lang, chegamos a “Os Nibelungos, Parte 1, A Morte de Siegfried” (“Die Nibelungen, Siegfried”, 1924). A obra ainda conta com ma segunda película, “A Vingança de Kremilda”, que será analisada posteriormente. “Os Nibelungos” deram um bom sucesso comercial, o que fez com que a produtora UFA desse a Fritz Lang carta branca para fazer uma superprodução que geraria “Metrópolis”. Esse é um filme baseado numa lenda medieval alemã, e dedicado a todo o povo alemão, como podemos ver no início da película. Para podermos analisar esse filme, vamos liberar os spoilers de noventa e seis anos.
O filme gira em torno do herói Siegfried (interpretado por Paul Richter), filho do rei Siegmund, que aprendeu a forjar uma espada com seu mestre e não tinha mais o que aprender. De alguns aldeões tomou conhecimento do Reino da Burgúndia e da bela Cremilda (interpretada por Marguerete Schön). Irmã do rei Gunther (interpretado por Theodor Loos). Siegfried, em todo o seu heroísmo (e uma certa arrogância) viaja para a Burgúndia. No caminho, enfrenta um terrível dragão e o mata. Ao provar o sangue do dragão, entende a língua dos animais. Um pássaro o orienta a se banhar no sangue do dragão, o que vai deixar seu corpo invencível. Mas uma folha de tília cai caprichosamente sobre seu ombro enquanto se banha e aquela será a única região vulnerável de seu corpo. Siegfried ainda consegue tomar o tesouro dos nibelungos durante a viagem.
Ao chegar a Worms, sede do reino burgúndio, Siegfried faz um acordo com o rei Gunther: em troca da mão de Cremilda em casamento, Siegfried, com seu manto mágico que o torna invisível, ajudará Gunther a desposar Brunilda (interpretada por Hanna Ralph), que só aceitará o homem que a vencer em três provas: arremesso de pedra, salto em distância e arremesso de lança. Mas Brunilda, depois de derrotada, descobrirá a farsa, quando ela desafia Cremilda e esta lhe conta do acordo entre Siegfried e Gunther, apesar de seu voto de silêncio. Cremilda diz o segredo, pois foi desafiada por Brunilda, sendo chamada por esta de “a mulher do vassalo”, já que essa era a posição de Siegfried com relação à Gunther. Brunilda, enfurecida, exige a morte de Siegfried e diz a Gunther, de forma mentirosa, que foi desvirginada por Siegfried. Hagen Tronje (interpretado por Hans Adalbert Schlettow) se oferece para mater Siegfried e, de forma sorrateira, diz a Cremilda que quer proteger o marido dela, perguntando onde é o seu ponto fraco para protegê-lo. Cremilda costura na roupa de Siegfried uma cruz onde fica seu ponto fraco. Numa caçada, Hagen finge apostar uma corrida com Siegfried até uma fonte e o atinge bem em seu ponto fraco com uma lança, matando-o. Brunilda também morre (ela se suicida) e Cremilda promete vingança a Hagen. Está pronto o terreno para a sequência, “A Vingança de Cremilda”.
O filme tem tons de superprodução, a começar pelo dragão mecânico, de realismo realmente incrível para a sua época. Mas o que mais impressiona são os cenários e o figurino, fortemente decorados, atuando como personagens à parte, junto ao pronunciado claro/escuro expressionista. Escudos medievais ornados com motivos geométricos, as indumentárias obscuras e com asas de pássaros em Hagen e Brunilda, que contrastavam com o claro dourado das indumentárias de Siegfried e Cremilda, chamavam muito a atenção do espectador. Cenários gigantescos, como a grande silhueta sombria do castelo, ou a enorme escadaria frente à Igreja, onde as pessoas se dispunham em formas geométricas perfeitas mostram as características altamente decorativas do filme e são de forte impacto visual, sendo uma atração à parte e engrandecendo o filme, que, se trabalha o lúdico dentro da lenda medieval alemã, acaba sendo uma história de assassinato e vingança.
Hagen será o algoz perfeito de um SIegrfried heróico mas que também se investiu de uma arrogância desmedida, invadindo um reino e tomando suas posses (o tesouro dos nibelungos, o sangue do dragão e a mão de Cremilda) lnçando mão de um acordo com o rei Gunther para conquistar, pela força, a viril Brunilda. Brunilda, que, conquistada, e sabendo da farsa arquitetada por Gunther e Siegfried, exigiu a morte deste último. Brunilda, que foi consumida pelo próprio sentimento de vingança, caindo morta perante o corpo de Siegfried. Uma tragédia em torno da vingança que já seria uma espécie de aviso premonitório no que viria na segunda parte do filme. Mas, mesmo assim, Cremilda buscaria sua vingança, assim como ela promete para Hagen ao final do filme. A luminosa, dourada e ingênua irmã de Gunther, agora, consumida pelo ódio, assume tons sombrios em sua face e em seu espírito. Mais uma vez, o duplo aparece na obra de Lang, num presságio da tragédia que se vislumbra no horizonte.
Dessa forma, “Os Nibelungos, Parte 1, A Morte de Siegfried” pode ser considerado como uma das grandes obras da fase alemã e expressionista de Lang. Um filme onde o decorativo e o claro/escuro funcionam como personagens à parte, espelhando uma lenda medieval alemã que trabalha os temas do assassinato e da vingança. Vale a pena dar uma conferida no filme legendado em português na íntegra abaixo.