E Jornada nas Estrelas Discovery está de volta em sua terceira temporada. Depois de duas temporadas e um racha no fandom, Michael Burnham e Companhia voltam agora com a liberdade de não seguirem o cânon, pois estão praticamente um milênio avançados no tempo. Isso renovou as esperanças de uns e não alterou o ceticismo de outros. Só nos restava esperar e ver esse filmão de treze capítulos em doses homeopáticas semanais. Esse primeiro episódio é escrito por Michele Paradise, Jenny Lumet, e ele, Alex Kurtzman (aaarrrgghhh!!!!). Vamos analisar nossa primeira dose, lembrando que os spoilers estão liberados.
O episódio começa com a rotina de um homem que busca sinais pela galáxia e que tem uma espécie de mala com o delta da Federação impresso nela. O episódio corta, então, para duas naves, uma perseguindo a outra e tentando alvejá-la. A nave perseguida é controlada por um humano chamado Book (?) e a nave perseguidora por um alienígena chamado Cosmo, que reclama que Book roubou-lhe uma carga. Book retruca dizendo que a carga não pertence a ninguém, a não ser a ela mesma. Uma anomalia espaço-temporal se abre e uma Burnham vestida de anjo atropela a nave de Book. Os dois caem num planeta próximo. Uma Burnham desnorteada sai da terra, vomitando. A roupa do anjo se desconecta dela e ela pega uma mala atrás da roupa que tem um phaser, um distintivo delta, um tricorder e um comunicador. Ela tenta se comunicar com a Discovery, sem sucesso. Ela acessa o sistema do traje e descobre que está no ano de 3188 e há muitos sinais de vida no planeta. Burnham comemora tresloucadamente, mas o buraco de minhoca começou a fechar. Ela então programou o traje para ir para uma coordenada espaço-temporal, enviar um sinal e se autodestruir. O traje levanta voo em direção ao buraco de minhoca, que se fecha. Burnham coloca o distintivo delta, e anda em direção à coluna de fumaça que a outra nave deixou ao cair no chão. Ao chegar à nave, ela se camufla e Book já vem por trás, atacando Michael (???). Ele acha que ela quer tomar a nave dele. Mas nossa protagonista, obviamente, rende ele com um phaser, enquanto que ele coloca a faca próxima ao pescoço dela. Eles decidem que um vai tirar a arma de perto do outro na contagem até três feita, obviamente, pela Michael, que vai tentar falar o nome dela, mas Book diz que não quer conhecê-la. Book começa uma conversa dizendo que ela criou um buraco de minhoca com tecnologia artificial, que mexer com o espaço-tempo produz estragos, que os gorns destruíram dois anos-luz de subespaço, que ela deve ir embora, pergunta onde ela conseguiu sua arma, para depois dizer que não quer saber, pergunta qual o seu nome e logo depois diz novamente que não quer saber (então, por que perguntou???), ou seja, uma conversa de doido. Também debochou dela, chamando-a de garota espacial, deixando a Michael indignada (“Não me chame de Garota Espacial!!!”, falando de um jeito de uma garota malcriada de três anos). Book vai embora e Michael vai atrás, dizendo que perdeu sua tripulação, que bateu nele sem querer e que precisa de ajuda. Book deixa Michael entrar na nave e ela já vai mexendo em tudo, sabendo toda a tecnologia do século 32. Book fala para ela não tocar em nada e diz que precisa de um recristalizador de dilítio, pois o dele rachou quando Burnham atingiu sua nave. Ele vai precisar comprar dilítio num mercado chamado Mercantil, um lugar complicado, segundo Book. Ele tem uma gata grande de estimação que se chama Mágoa, pois é pesada e toda dele (cadê o número do CVV para os roteiristas?). Burnham oferece seu tricorder para Book trocar por dilítio. Nossa protagonista também quer ver se consegue um sistema de comunicação para entrar em contato com a Discovery. No lado de fora da nave, Burnham percebe que a carga na nave de Book é sensível à temperatura. Ao perguntar isso, ele camufla a nave, sinal que ele quer manter sua carga bem escondida. Ele diz que é um transportador e que repatriou a carga. Burnham acha que ele é um ladrão. Book diz que ela acredita em fantasmas, pois anda com o distintivo da Federação, que acabou. Burnham pergunta o que aconteceu e ele não sabe, pois foi há muito tempo, depois da “Combustão”, sendo que ela pareceu entrar em colapso. Burnham pergunta o que é a Combustão. Ele pergunta como ela não sabe o que é a Combustão e de onde ela é, para logo depois dizer de novo que não quer saber (???). Burnham insiste e ele diz que a Combustão foi o dia em que a galáxia se deu mal, quando a maior parte do dilítio acabou. Logo, as naves não poderiam mais entrar em dobra. Isso aconteceu há cerca de 120 anos. Burnham diz que a Federação é mais do que dilítio e propulsores de dobra e Book, friamente, diz para ela tirar o distintivo antes deles chegarem à cidade chamada Requiem. Ele ainda diz que há uns malucos por aí que são meio que “devotos” da Federação. Burnhham, ao saber do fim da Federação, faz que vai chorar, mas para no meio do caminho, toma um ar e continua a andar (parece que os roteiristas ouviram as reclamações da Burnham como Maria Chorona e mandaram esse recado aos fãs).
Eles chegam a Requiem e, para entrar no Mercantil, precisam passar por um grupo de andorianos e orianos, que não deixam Burnham passar. Book diz que ela está com antiguidades raras e o superior do andoriano que implicou com Burnham deixa ela passar. O andoriano ainda diz que, se dependesse dele, ela não entrava, e Burnham, bem no estilo da marra dela diz um malcriado “Eu sei!”. Book alerta que desse jeito ela não vai muito longe. Burnham dá o tricorder para Book e ela é aprisionada numa câmara de estase. Book a traiu, pois um tricorder quebrado não vai dar para ele o dilítio suficiente. Ela é interrogada por um oriano meio roliço e Burnham diz que foi roubada. O oriano diz que ninguém é tão burro. Burnham diz que vai acabar com Book. Eles jogam um vapor no rosto de Michael, que a obriga a falar a verdade, mas também a deixa doidona (só faltou o Bob Marley e o Peter Tosh). Ela começa a não falar coisa com coisa. Enquanto isso, Book tenta fazer negócio com uma oriana, sem sucesso. E ainda se depara com Cosmo, que começa a torturá-lo e diz que vai dar a Mágoa para comer caso Book não entregue a carga (???). Burnham diz que Book roubou uma carga e vai ao encontro dele junto com o andoriano e o oriano. Ela aproveita para dar um soco na cara de Book. Burnham e Book conseguem pegar algumas armas dos seguranças em volta e uma perseguição com tiroteio começa, onde as armas vaporizam geral, isso num lugar cheio de mercadorias valiosas. Burnham dá verdadeiras gargalhadas com os andorianos e orianos vitimados no tiroteio e rouba alguns pedaços de dilítio. Book usa um teletransporte portátil e eles vão para o lado de uma cachoeira, onde Burnham dá outro sopapo no transportador. Mas alguns andorianos se transportam para lá e a perseguição continua. Eles vão se transportando para outros lugares, sendo sempre perseguidos. O problema é que o teletransporte portátil precisa de trinta segundos para se recarregar. Book e Burnham estão encurralados num penhasco. Book pega o braço de Burnham e eles se jogam no penhasco, se transportando novamente, indo agora para o mar. Quando saem da água para a terra firme, Burnham dá outro soco na cara de Book (isso já estava ficando muito chato). Burnham está com um braço ferido. Book faz uns rituais mágicos (a testa dele acende) e uma plantinha sai da água. Ele tira um líquido da planta e indica que Burnham passe na ferida, para cicatrizar. Book dá um aparelho mágico que ele tinha o tempo todo para Burnham se comunicar com a Discovery. Nossa protagonista pega o aparelho e o usa como se já o conhecesse há um tempão mas não consegue contato com a Discovery. Book chega à conclusão de que Burnham é uma viajante do tempo e diz que toda a tecnologia de viagem do tempo foi destruída depois da guerra temporal (seria a guerra fria temporal de Enterprise?), sendo proibida, e não sabe como ela conseguiu sua tecnologia de viagem no tempo. Eles voltam para a nave de Book, mas os andorianos e orianos se transportam para lá e os rendem. O oriano vaporiza Cosmo e quer o código de acesso da nave. O código é viscoso (???) e a nave aparece com uma lacraia gigante dentro dela, que ataca os andorianos e orianos. Alguns são devorados e outros fogem com o teletransporte. A lacraia se volta para Book e Burnham e engole nossa protagonista. Book fala algumas palavras mágicas, provavelmente na língua da lacraia, e esta cospe Burnham longe, que fica toda melecada (é nossa Burnham tendo seu dia de Boimler). Burnham diz que não tinha ideia de como o dia seria. Definitivamente, esse foi o melhor momento do episódio. A lacraia na verdade se chama transverme e nosso Book tenta salvá-las da extinção, mostrando a consciência ecológica do livro. O Book é de uma família de matadores, mas gosta de salvar os bichinhos. Eles estão na nave do Book que se chama Nautilus (olha os direitos autorais, Julio Verne!), e eles chegam ao planeta Quarto Santuário, um mundo paradisíaco que tem árvores de folhas vermelhas e lacraias gigantes (ou transvermes) nadando alegremente em lagos, no momento lúdico e fofo do episódio. Burnham diz que não sabe como pode procurar sua nave e Book diz que conhece alguém que pode ajudar. Esse alguém é o homem que busca sinais pela galáxia do início do episódio, que está numa antiga estação transmissora da Federação. O homem dá as boas vindas e diz que eles estão na Frota Estelar. Burnham se apresenta como oficial de ciências da Discovery e o homem se apresenta como Aditya Sahil, Contato da Federação. Burnham quer procurar uma assinatura de dobra da Discovery. Sahil procura mas não acha a assinatura de dobra da Discovery, dizendo que tem duas naves da Federação em voo no momento, as únicas num raio de seiscentos anos-luz. E ele não tem acesso a outros setores. Sahil diz que os sensores de longo alcance falharam há décadas. Ele só consegue sondar cerca de trinta setores. E isso deve ser o mesmo para os demais setores. Sahil pergunta por que Burnham não sabe de tudo isso e ela diz que veio do passado, antes da Combustão, antes do colapso. Ela diz que a Discovery estava atrás dela no buraco de minhoca. Então ou ela parou num local distante do alcance da comunicação ou a Discovery ainda não chegou. Pelas leis da mecânica temporal, a Discovery pode chegar daqui a um dia ou daqui a mil anos. Sahil conta um segredo a Burnham. Ele não é um oficial comissionado, mas sim seus antepassados. Não houve alguém para empossar Sahil, mas ele toma conta da estação há quarenta anos, acreditando que outros como ele chagariam àquela estação. E sua esperança não foi em vão, graças à Michael Burnham!!! A esperança é a comandante Burnham (aqui vemos claramente Kurtzman subindo nas tamancas). Burnham olha para Book e fala dos devotos da Federação que ele assinalou. Sahil diz que não sabe quanto da Federação ainda existe, ele só faz sua parte para mantê-la viva. Ele pede que ela faça uma grande honra para ele, que pega a caixa com o delta e a abre, onde está a bandeira da Federação com as seis estrelas. Ele diz que essa bandeira está na família dele há gerações e que somente um oficial comissionado pode segurá-la e ele quer hastear a bandeira na parede. Burnham poderá fazer isso, pois é oficial comissionada. Burnham diz que Sahil é um oficial da Federação tão real quanto qualquer outro que já conheceu e, se ele der a honra, precisa de um chefe de comunicações que possa procurar a Discovery. E ela pergunta se ele aceita o cargo (é a Burnham que, parafraseando Romário, mal chegou ao ônibus e já quer sentar na janela). Sahil aceita e eles hasteiam a bandeira. O episódio termina com eles prometendo encontrar outros membros da Federação. Fim do episódio.
O que podemos falar do episódio “Minha Esperança é Você, Parte 1”? Em primeiro lugar, esse episódio despertou dois sentimentos bem distintos. O primeiro foi o de ter gostado de algumas partes dele bastante. Confesso que esse foi o episódio de Discovery que mais gostei até agora. E o segundo sentimento foi o de uma perplexidade total em algumas passagens. Bom, o que tornou o episódio bom? Foi o fato de finalmente a Michael Burnham ter sido esculachada solenemente nesse episódio. O fato dos roteiristas terem, finalmente, a colocado em situações engraçadas ajuda a aumentar a simpatia do público pela personagem. E isso é um ponto importante em sua construção. Víamos muito isso em TOS, com Kirk, Spock e McCoy sendo colocados em saias justas e situações engraçadas para rirmos dos personagens mesmo, evitando que eles fossem levados a sério o tempo todo. Vimos Picard e a tripulação de TNG sendo zoados pro Q, assim como a tripulação de DS9 e até de Voyager. O grande problema de Burnham até agora em Discovery era que ela era levada à sério demais, o que a tornava chata. Foi muito divertido ela ver a protagonista estar num ambiente em que ela não tinha o controle das coisas, sendo zoada por Book, e ficando muito louca com o gás da verdade do oriano. Ali, os diálogos sem pé nem cabeça dos roteiristas funcionaram perfeitamente, até porque eram para ser sem pé nem cabeça mesmo. Agora que a gente já sabe como é a Burnham doidona (e ela é muito legal!) espero que, toda vez que ela ficar muito chata, deem um porre de cerveja romulana para a moça. Mas o melhor momento do episódio, disparado, foi ver a Burnham sendo engolida pela lacraia gigante, e depois cuspida quando Book falou na língua da lacraia. Uma Burnham toda melecada dizendo que não sabia como ia ser o seu dia lembrou muito Boimler sendo chupado pela aranha gigante. É claro que a marra de Burnham não foi de todo descartada do episódio (O Kurtzman e a Paradise não conseguiriam resistir tanto), tanto que, quando ela chegou ao arremedo de Frota Estelar, que era o seu meio, ela “contratou” Sahil, que já estava por ali há quarenta anos, para ser o seu oficial de comunicações (Romário explica). Só é pena que é pouco provável que essa zoação em cima da Burnham provavelmente não continue, mas quem sabe o Book não dá umas sacaneadas nela de vez em quando. Creio que essas zoadas sejam um sintoma de que os showrunners finalmente escutaram o público um pouco. Até porque, quando Burnham descobre pelo Book sobre o fim da Federação e, parece que já vai abrir o berreiro de novo e se debulhar em lágrimas, ela para, engole o choro e segue em frente, como se ela ouvisse os fãs assistindo dizendo: “Olha lá, ela vai chorar de novo!!!”. Essas coisas são sintomáticas.
Outra coisa interessante já era o fim anunciado da Federação e das viagens em dobra. Mas não foi pela tal partícula ômega que os fãs têm alardeado por aí e sim pela escassez de dilítio (algo mais ligado ao cânon da série) que aconteceu depois de uma tal de Combustão. Esperemos que tudo isso seja explicado de forma mais detalhada nos próximos episódios, já que, ao invés de uma série, vemos um filmão de treze capítulos.
Agora, o que despertou a perplexidade? Em primeiro lugar, foram os diálogos, que eram uma coisa de louco. Aquela coisa do Book (um nome no mínimo exótico para um personagem) fazer perguntas para Burnham e logo depois dizer que não queria saber é conversa de doido. Foi dito que as legendas e a dublagem estavam bem diferenciadas e aí optei por ver o episódio por uma segunda vez dublado e com as legendas para verificar as diferenças. A coisa melhorou um pouco, mas ainda assim tínhamos passagens um tanto surreais. Por que Burnham precisou esconder o distintivo da antiga Federação? Como era o sistema de transações comerciais no Mercantil? Foi uma explicação um tanto enrolada. E o Cosmo ameaçando servir a gata do Book como comida? Uns diálogos um tanto surreais que somente caíram bem quando a Michael estava doidona, como já citado acima. O código viscoso e o nome da gata, Mágoa, também foram umas paradas meio loucas e sem sentido. Ou seja, o non sense conseguiu dar o ar de sua graça no roteiro.
O encontro inicial de Burnham com Book também foi algo um tanto estranho, com Book já partindo para a agressão e os dois saindo no braço. Sabemos que as cenas de ação são para atrair a galera mais jovem, mas a perseguição que vimos na metade do episódio já seria suficiente. Uma outra solução poderia ter sido encontrada para o encontro entre Burnham e Book. Outra coisa que incomodou muito, indo na balada da marra de Burnham foi o conjunto seguidos de socos na cara que ela deu em Book, como se ele merecesse cada soco daquele por ter tido a ousadia e a impertinência de ter agido de trairagem contra Burnham. Ele poderia até ter tomado um sopapo, mas no segundo, já deveria ter segurado o braço da protagonista.
Dessa forma, “Minha Esperança é Você, Parte 1”, até teve uns vícios anteriores que já vimos em Discovery (a marra de Michael, algumas passagens que beiravam a perplexidade), mas teve a vantagem de esculhambar um pouco a Michael, para que ela seja um pouco menos levada à sério. Seria interessante que essa fórmula voltasse de vez em quando nos episódios vindouros.