Batata Movies – Onde Está Você, João Gilberto? Só Se Leva Dessa Vida A Vida Que Se Leva.

Cartaz do Filme

Um documentário em co-produção Suíça/Alemanha/França abordou um tema 100% brasileiro: a Bossa Nova e João Gilberto. Há algum tempo, foi noticiado no jornal a situação calamitosa em que o músico se encontrava. Recluso em seu apartamento há décadas, cheio de dívidas por não cumprir seus contratos, o cantor chegou a ser interditado na justiça pela própria filha, para resolver as questões de ordem financeira. Até a porta da casa do artista chegou a ser arrombada, algo extremamente lamentável, mesmo que tenha alguma justificativa. Pois bem, eis que, num belo dia, eu me deparo com o trailer de “Onde Está Você, João Gilberto?” no cinema, realizado pelo alemão Georges Gachot, que aborda a reclusão do artista.

O alvo…

E aí, logo pensei: “esse documentário tem tudo a ver com o que se tem sido noticiado outro dia sobre João Gilberto, e com a vantagem de se ter um olhar estrangeiro sobre a questão”, sendo esse argumento o que fez com que eu me interessasse por esse filme. Eu acreditava que o documentário ajudaria a compreender melhor a alta situação caótica pela qual o artista passa hoje. E qual é a impressão dessa película? Inicialmente, o filme, em parte, nos ajuda a entender um pouco o que aconteceu com o cantor, mas não muito. Há a proposta de se seguir os passos do pesquisador alemão Marc Fisher, que escreveu um livro sobre João Gilberto e tentou, sem sucesso, entrar em contato com o cantor aqui no Brasil.

Uma busca infrutífera…

Quatro meses depois dessa tentativa, Fischer se suicida. Gachot, então, com o espólio intelectual de Fischer, tenta uma nova investida para encontrar o cantor, também sem sucesso. E aí, a figura enigmática do cantor é substituída por entrevistas com nomes consagrados da Bossa Nova, tais como João Donato, Miúcha, Marcos Valle e Roberto Menescal. Obviamente que o assunto das entrevistas era Gilberto, mas esse rosário de artistas da Bossa Nova se tornou bem mais interessante, pois eles tinham vontade de falar com o documentarista. A coisa se processa de uma forma que o cantor acaba até meio que virando um pano de fundo, um suporte para se falar da Bossa Nova, com outros artistas aparecendo de forma muito mais vívida. É claro que João Gilberto sempre é o assunto principal. Só que seu autoisolamento faz com que as pessoas que falam sobre ele se tornem personagens bem mais interessantes.

Marcos Valle…

O desfecho do documentário, por sua vez, é melancólico. Ridículo, até. Numa última cartada para chegar perto do artista com pecha de mito, Gachot tenta se aproximar do empresário de Gilberto, que se revela uma pessoa com uma lábia um tanto enrolada, que inicialmente acorda uma coisa, mas depois reluta em cumprir. E aí, combina-se que Gilberto ficará num quarto do Copacabana Palace e cantará, enquanto que Gachot ficará do lado de fora para escutar a música. Mas aí fica a grande dúvida: Gilberto estaria lá mesmo? Ou o empresário colocou um baita de um CD e tocou um playback? Gilberto sairia mesmo de seu apartamento onde ficou confinado por praticamente trinta anos ininterruptos para tocar atrás da porta de um quarto do Copacabana Palace? Difícil de acreditar.

… e Miúcha, muito mais interessantes…

Sendo Gilberto ou não atrás da porta, uma frase me vem a cabeça e está aí em cima, no título do artigo: “Só se leva dessa vida a vida que se leva”, ou seja, a gente colhe aquilo que planta. E me parece que Gilberto não semeou as sementes certas, dada a situação melancólica em que ele se encontra. Pelo menos, se seus atos tivessem consequência somente sobre si, a gente ainda poderia apenas lamentar.

Uma conversa com o empresário e seus vistosos óculos vermelhos…

O problema é que ele arrasta fãs seus para essa mesma torrente de melancolia. E aí a coisa não fica muito legal, pois ele frustra outras pessoas com seu comportamento, o que é ainda mais lamentável. Confesso que dá uma certa pena de Gachot e Fisher de ficar correndo atrás de um cara que é tratado como um mito, mas se comporta como um fantasma. E, como brasileiro, rola até um certo constrangimento. Enfim…

Georges Gachot. Esse tem um lugar garantido no Céu…

Assim, “Onde Está Você, João Gilberto” vale mais pelos entrevistados e pelos “causos” sobre o cantor do que sobre o próprio artista em si. De se louvar é a posição de investigador de Gachot e Fisher que fizeram uma meticulosa busca para poderem chegar ao seu ídolo. Infelizmente, eles não obtiveram êxito em sua busca. Vale a pena assistir, apesar de um certo sentimento de constrangimento.

Batata Movies – Minha Obra Prima. As Ironias Da Arte Como Estratégia De Sobrevivência.

Cartaz do Filme

Um bom filme argentino em co-produção com a Espanha. “Minha Obra Prima” traz um bom dueto de atores: Guillermo Francella e Luis Brandoni. Pode-se dizer que o filme tem uma comédia um tanto ácida, embora ele possa se aproximar também de momentos de drama mais profundo. Vamos lançar mão de spoilers aqui.

Um galerista com um problema…

A trama se passa em Buenos Aires, onde o galerista Arturo Silva (interpretado por Francella) tem uma relação muito conturbada com o artista plástico Renzo Nervi (interpretado por Brandoni). Na década de 80, a sociedade entre os dois era muito próspera, com Nervi vendendo como nunca. Mas nos dias atuais ninguém mais compra suas obras e Nervi, com sua natureza excêntrica, acaba melando todas as tentativas de Silva de reerguer a carreira do artista, o que leva a muitos momentos engraçados do filme.

Ele tem um amigo artista…

Só que chega uma hora em que Silva não aguenta mais as sucessões de bolas fora do amigo e finalmente o abandona. Nervi será atropelado na rua e perderá a memória, o que fará com que Silva se reaproxime para tentar restaurar as lembranças do amigo. Apesar dos dois se aproximarem novamente, os problemas financeiros continuam e é aí que Silva tem uma ideia. Ele vai tirar Nervi do hospital, dá-lo como morto, o que vai alavancar o valor das obras deste no mercado e seu acervo de duzentas obras, mais o que Nervi produzirá escondido começará finalmente a ser vendido por um grande valor. Só que a mutreta dos dois estará ameaçada. Paremos com os spoilers por aqui.

… que não bate muito bem…

É um filme de atores, sobretudo. Francella sempre foi muito talentoso e mais uma vez prova isso aqui. Foi muito engraçado ver seu personagem pisando em ovos, indo desde uma educação e refinamento com seus clientes passando ao outro extremo de uma relação mais rude e mal-educada com seu amigo pintor de longa data. Mas esse é, definitivamente, um filme de Luis Brondoni. A forma como ele trabalhou seu personagem Renzo Nervi foi simplesmente estupenda, sendo o artista excêntrico, egocêntrico e altamente mal-humorado cujas atitudes extremas conseguiam despertar boas risadas.

Eles têm um plano…

E, depois do acidente, temos um Nervi bem mais calmo (me perdoem o trocadilho infame) e doce, tornando-se a amizade ideal de Silva, tal como se o acidente fosse um prêmio para o galerista que recebe um amigo mais afetuoso depois de anos aturando um mala sem alça. Agora, cá para nós, Silva e Nervi atuaram como dois bons trambiqueiros  e isso os colocaram numa tremenda saia justa que poderia melar de vez a simpatia dos dois por parte do público. Só que o par de amigos foi salvo pelo gongo da Lei de Murphy, onde tudo tem tendência de dar errado ao quadrado. A verdade é uma só: por mais falta de caratismo do par de protagonistas, é impossível não torcer por eles dada a natureza cativante da dupla, que teve uma química perfeita.

… para levar a vida numa boa. Mas…

Assim, “Minha Obra Prima” é um filme que traz de volta o melhor do cinema argentino (confesso que tenho visto as produções portenhas como mais medianas ultimamente), usando sempre o talento de atores para lá de consagrados como Francella e Brandoni (isso mesmo, o cinema argentino não é só sua figura máxima Ricardo Darín). É o típico filme que vale pagar o ingresso para se deleitar com o talento dos atores. Vale muito a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Millennium, A Garota Na Teia De Aranha. Saem Abusos, Entram Ogivas.

Cartaz do Filme

Mais uma franquia. “Millennium, A Garota Na Teia De Aranha”, traz Claire Foy (que trabalhou em “O Primeiro Homem”), dando sequência à sua personagem Lisbeth Salander, que tem como diversão principal tripudiar, e muito, de homens que maltratem mulheres. Só que, dessa vez, a moça precisa tirar de mãos erradas (leia-se Estados Unidos), um software que aciona ogivas nucleares, que acabam parando em mãos mais erradas ainda. Sanders será contratada pelo próprio cientista que desenvolveu o software para que se possa dar um fim no perigoso programa de computador cobiçado por muita gente. Para piorar toda a situação, a máfia russa (que são as tais mãos mais erradas ainda) tem em seus membros sua irmã, a única mulher que Lisbeth não salvou dos abusos que ela sofria do próprio pai, o que vai rolar uma mágoa complicada entre as duas.

Lisbeth Sanders. Grande presença…

Para quem gosta de ver machistas e misóginos entrando na porrada, o filme acaba sendo uma decepção total. O trailer meio que vende a ideia de que Lisbeth sairá defendendo mulheres indefesas. Mas infelizmente, esse não foi o caso. Assim, o filme recai numa compilação de cenas de ação que já estamos carecas de ver por aí e fica uma coisa meio enfadonha, embora a gente nunca deva esquecer de mencionar que Foy sempre aparece notável nesses filmes.

Uma porradinha no misógino, mas fica por aí…

O filme até tem uma trama de espionagem que cativa um pouco e, talvez, seja a grande atração do filme, com alguns plot twists, o que não deixa a coisa ficar apenas pautada na ação e no tiro, porrada e bomba.  Mas, mesmo assim, o filme infelizmente não empolga muito não, o que é uma grande pena.

Uma irmã como inimiga…

Dessa forma, “Millennium, A Garota Na Teia De Aranha”, infelizmente é um filme de ação banal, que a gente consome e descarta logo depois. Uma forma de entretenimento puro e simples que não apresenta nada de extraordinário que deixe essa película para a posteridade. Tiroteios, explosões, perseguições de carros, pancadarias, uma fórmula já batida. É até chato a gente constatar isso, pois a história e a personagem têm potencial para mais do que vimos na telona. Um filme para apenas rodar as engrenagens da indústria cinematográfica, fazer dinheiro e ficar depois esquecido numa promoção de DVDs nas lojas.

Batata Movies – Moacir, O Santista Que Conquistou Os Argentinos. Uma História Surpreendente.

Cartaz do Filme

Um excelente “meio” documentário em co-produção Argentina/Brasil. “Moacir, O Santista Que Conquistou Os Argentinos” parece até um título sobre um jogador de futebol brasileiro que vai fazer carreira na Argentina, não? Foi essa a impressão que eu tive ao ler o título e não procurar a sinopse. Entretanto, a história de nosso santista é muito diferente.

Uma figura surpreendente…

Moacir dos Santos vivia na sua cidade, Santos, e chegou a lavar o carro de, ninguém mais, ninguém menos que Pelé. Depois que sua mãe faleceu, nos anos 80, Moacir pega um ônibus e vai tentar a vida em Buenos Aires. Lá, se sustenta como lavador de carros, mas acaba internado num hospital psiquiátrico. Ele será descoberto pelo cineasta Tomás Lipgot, que faz dois filmes sobre sua vida. Por ser uma figura muito peculiar, que gosta de cantar antigos sambas, e de ter um carisma que vai às alturas, Moacir se torna uma espécie de celebridade na Argentina (embora nunca tenha sido ouvido falar por aqui) e Lipgot faz dois filmes sobre ele.

Moacir quer fazer um filme…

A presente película já é uma terceira produção sobre Moacir, que mostra a vida dele depois que consegue ter alta do manicômio e embarca na aventura de se fazer um filme onde ele é o ator principal. O resultado da película é uma espécie de making of desse suposto filme, onde podemos conhecer mais de perto a natureza singular de Moacir.

Criando o personagem…

Ele fala de suas músicas prediletas, sejam brasileiras, sejam argentinas, canta muitas delas, expõe toda a sua sexualidade, vontade de atuar, enquanto que o filme vai sendo gravado, numa mistura de documentário e ficção. O resultado de toda essa salada é surpreendente e o filme tem uma espécie de desfecho apoteótico bi-nacional, se é que vocês podem me entender. Só vendo o filme mesmo.

O homem é um show man!!!

Esse é um filme, acima de tudo, humano. A figura de Moacir é uma prova de que, dentre aqueles que a sociedade descarta, e relega ao ostracismo ou à loucura, há preciosas joias que precisam ser resgatadas. Aliás, Moacir é a prova cabal de que todo ser humano é uma joia e não se pode ficar confinado à segundo plano.

Momentos tristes, mas alguns não conseguem esconder o riso…

Numa sociedade mais humana e solidária, todos devem ter igual atenção, respeito e consideração. E, quando Moacir é resgatado e ele se mostra em toda a sua virtude e autenticidade, ele consegue transformar a vida das pessoas que o cercam, além de irradiar seu espírito, otimismo e amor pela vida para as pessoas que assistem ao filme.

O desfecho é uma verdadeira apoteose…

Só é de se lamentar que eu tenha sido a única pessoa na sala de cinema a testemunhar a força criativa de Moacir e do filme. Isso mesmo, caro leitor, se eu não tivesse ido prestigiar o filme, o público teria sido zero. É realmente uma pena mais pessoas não terem tido a oportunidade de ter conhecido essa figura ímpar. É por essas e por outras que a gente escreve aqui para ajudar um pouco o leitor de ter um pouco mais de atenção com tais filmes.

Conversando com o diretor Tomás Lipgot

Assim, não deixe de conhecer Moacir, pois você não vai se arrepender. E se você quer conhecer os outros dois filmes de Moacir, “Moacir” e “Fortalezas”, vá ao site da produtora Duermevela, clique em films e role a página para baixo até em Sala de Proyécíon. Para acessar o site, é só clicar aqui.

Batata Movies – O Caravaggio Roubado. O Que É A Vida, O Que É A Arte?

Cartaz do Filme

Um filme italiano intrigante. “O Caravaggio Roubado” parece fazer um jogo de gato e rato com o espectador com a intenção de dar um nó na cabeça de quem assiste. Até onde o que vemos está no campo da realidade ou da ficção? A gente se pergunta muito sobre isso, principalmente quando vemos os créditos finais. Vamos usar spoilers aqui.

Uma secretária e um policial numa trama bem complexa…

Vemos aqui a história de Valeria (interpretada por Micaela Ramazzotti), uma secretária que desempenha a função de ghost writer para um roteirista, Alessandro Pes (interpretado por Alessandro Gassman) numa produtora de cinema. Ela busca histórias interessantes por aí e acaba encontrando um misterioso policial que lhe fornece a história de um Caravaggio roubado pela máfia italiana em 1969. A moça, então, escreve um roteiro que fica sob a autoria de Pes. É claro que os mafiosos não gostaram disso e acabaram sequestrando Pes, o torturaram e o espancaram. Valeria, então, irá se envolver numa trama onde o seu contato policial está envolvido, assim como os mafiosos e até pessoas do alto escalão do governo italiano.

Um Caravaggio roubado…

É um filme um pouco complicado de assistir. Existem muitas tramas intrincadas e confesso que me perdi um pouco nelas. Entretanto, o filme acaba entregando um desfecho meio que em aberto, mas compreensível. E o mais intrigante está nesse desfecho. Fica parecendo que a história é real. Ou baseada em fatos reais. E aí, fica a pergunta: até onde o roteiro dessa película causou ou não indignação na máfia de verdade? Será que houve algum tipo de agressão ou pelo menos ameaça aos roteiristas do filme? Ou foi tudo uma grande brincadeira que o diretor Roberto Andó faz com o espectador? Essa já é uma película que fala da produção de um filme.

Momento de suspense…

Já vemos aqui a exibição do filme dentro do filme, enganando o espectador ao estilo da peça de teatro de “O Último Metrô” de Truffaut.  E aí fica a pergunta: se vimos o filme dentro do filme, até aonde o filme também mascara ou imita situações da vida real? De fato, o Caravaggio foi roubado. Qual foi o fim dele? Como estão as investigações e as buscas hoje? Até onde a máfia tem poder para obstruir as investigações e qual foi a real reação dela à execução dessa película? Foi algo semelhante ao que vimos no filme? E as ligações na vida real entre a máfia e os altos escalões dos governos italianos? Realmente é um filme que levanta muitas questões.

Um filme dentro do filme…

Assim, “O Caravaggio Roubado” é uma película intrigante que mostra um filme dentro do filme, mas também leva a vida real para dentro desse loop. Um filme que tem uma história um pouco enrolada dificultando a compreensão do suspense. Vale muito como curiosidade e para a gente entender um pouco o poder da máfia na Itália há algumas décadas

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