Blog

Batata Movies – Amor Até As Cinzas. Sem Eira Nem Beira.

Cartaz do Filme

Uma co-produção China/França/Japão de 2018. “Amor Até As Cinzas” é um filme perturbador pelo seu choque de realidade que por vezes trespassa o inusitado. Um filme difícil e um tanto doloroso de se ver. E com a curiosidade de se também espelhar a situação da China contemporânea. Vamos usar spoilers aqui.

Uma quadrilha com um grande líder…

O plot começa em 2001, onde testemunhamos, em plena China Comunista, o dia-a-dia de quadrilhas de bandidos bem ao estilo capitalista. Dentre esses criminosos, temos o casal Bin (interpretado por Liao Fan) e Qiao (interpretada por Tao Zhao). Os dois têm uma vida intensa juntos, regada a poder e riqueza. Até o dia em que o carro do casal é cercado por uma quadrilha que começa a espancar Bin. Para salvar o amado, Qiao começa a disparar uma pistola para afugentar os algozes. Ela acaba presa por porte ilegal de arma (a moça não diz que a arma é de Bin) e acaba pegando uma pena de cinco anos.

A namorada do chefão…

Quando sai da prisão, Qiao esperava a presença de Bin com braços abertos e grato por deu sacrifício, mas nada. Qiao começa uma procura pelo amado e descobre que ele saiu da vida de crimes, além de ter começado um novo relacionamento. Largada no mundo, Qiao vaga por aí sem eira nem beira, até encontrar novamente o amado anos depois, preso a uma cadeira de rodas. Ela passa a cuidar de Bin, que volta a se relacionar com seus antigos companheiros de crime, que agora o tratam de uma forma humilhante. O relacionamento de Qiao e Bin é bem mais ácido nesse momento, cheio de ressentimentos. Até que Bin, mesmo paraplégico, sai novamente da vida de Qiao, que fica comendo mosca ao final da película.

Uma mulher forte…

Essa bem podia ser uma história real. Vemos alguns exemplos melancólicos desse naipe por aí. De qualquer forma, Bin voltar a se relacionar com Qiao depois de estar paraplégico parece uma forçada de barra aqui. Agora, o desfecho até é compreensível, pois parece que Bin tomou consciência de todo o mal que provocava em Qiao e decidiu se afastar definitivamente. O que parece um final exageradamente deprimente, acaba podendo ser uma oportunidade de um recomeço total, embora tenha ficado um forte gosto de cabo de guarda chuva na boca do espectador.

Qiao se sacrifica pelo amado…

Esse é também um filme que fala sobre a China. A relação entre a tradição e modernidade é discutida aqui, mas de forma superficial, já que o relacionamento dos personagens protagonistas tem um peso maior na trama.

Depois, vaga pelo mundo…

De qualquer forma, o pai de Qiao é um exemplo de discurso socialista baseado na tradição. Já a passagem do tempo (a película conclui no ano de 2018) mostra a modernidade no uso dos celulares ou na Usina Nuclear que integra uma paisagem lamacenta. Entretanto, não se deixe enganar. Temos um drama pesado aqui como a atração principal.

E não encontra correspondência no seu sacrifício…

Um fator que deixa o filme um tanto enfadonho é o seu ritmo lento. De qualquer forma, a personagem Qiao é envolvente e prende a atenção do espectador.

Desfecho melancólico. Qiao fica sozinha…

Assim, “Amor Até As Cinzas” não é exatamente um primor pelo seu banho de água fria provocado pelo choque de realidade. Mas ainda assim é uma película que desperta uma reflexão no sentido de o que devemos planejar ou não no campo dos relacionamentos. Por mais melancolia que o filme desperte, pensar sobre as coisas da vida nunca é demais. E essa película o faz muito bem. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies – Vingadores Ultimato. Um Digno Desfecho.

Cartaz do Filme

E finalmente estreou “Vingadores Ultimato”, o filme que dá desfecho a toda uma série de películas do MCU. Desde o clima mórbido imposto por “Guerra Infinita”, havia uma grande expectativa sobre o que aconteceria na película derradeira. Aparentemente, a solução seria bem simples: “só” tomar de Thanos a sua manopla com as joias do infinito e desfazer todo o estrago malthusiano do vilão. O problema seria como tirar essa manopla dele. O detalhe é que o filme não foi por essa solução óbvia e inovou. Vamos falar agora dessa película, lembrando sempre que os spoilers estão liberados aqui.

Um Capitão América amargurado…

O Homem de Ferro foi resgatado pela  Capitã Marvel. Ao retornar à Terra, ele encontra um grupo de heróis sobreviventes muito abalados, mas que precisam de qualquer jeito fazer alguma coisa para reverter a situação provocada por Thanos. Stark não estava em condições emocionais para isso e fica na Terra. Quando os Vingadores chegam ao planeta onde Thanos goza da sua aposentadoria, descobrem que ele destruiu todas as joias do infinito, pois elas tinham se tornado desnecessárias.

Viúva Negra. Sacrifício…

No processo, Thanos ficou seriamente comprometido, tornando-se uma presa fácil para Thor, que decapita o vilão. Entretanto, o gosto de derrota é inevitável, pois era impossível reverter tudo o que havia acontecido. Cinco anos depois, os heróis continuam sua existência vazia num mundo completamente degradado. Entretanto, o Homem Formiga sai de sua espécie de clausura  quântica e ele procura os Vingadores depois de descobrir toda a catástrofe.

O inimigo a ser batido…

Será o Homem Formiga que lançará a ideia de se usar o mundo quântico para realizar a viagem no tempo, pegando as joias do infinito nas épocas pretéritas onde davam o ar de sua graça. Mas a pessoa mais qualificada para empreender a viagem no tempo, Tony Stark, tem agora uma vida prosaica de casado com Pepper e sua filhinha, não querendo muito salvar metade da vida no Universo. É claro que tudo será apenas um charminho e ele ajudará Bruce Banner a criar uma “máquina do tempo”. Bruce Banner, aliás, que apresenta uma versão mais calma e resolvida do Hulk. A partir daí, os Vingadores se reúnem em grupos para buscar as joias. Entretanto, o Thanos do passado descobre o plano e novamente há o risco dele pegar todas as joias do infinito.

Homem de Ferro. Outro sacrifício…

Esse é um filme de praticamente três horas que é diferente dos demais filmes da Marvel. Como essa película tinha o objetivo de dar um desfecho a toda a saga, tivemos uma grande preocupação com a construção de personagens, sobretudo Steve Rogers e Tony Stark. E isso deu um sabor todo especial ao filme. Geralmente um filme de heróis do naipe de Vingadores tem como vedete principal as emocionantes cenas de ação com muitos CGIs. É claro que teremos uma cena épica desse naipe, dando uma solução para toda a crise. Entretanto, o que chama a atenção é que essa sequência de ação está inserida no meio de  duas partes mais lentas e dramáticas que funcionam muito bem. A primeira parte mostra como os heróis ficaram psicologicamente abalados com a derrota, tal como se eles fossem os verdadeiros culpados por metade da população viva do Universo ter perecido. E fica uma tremenda sensação de impotência por não haver o que fazer, até que aparece a segunda chance com a viagem no tempo. Já o segundo e último momento mais dramático, que começa com o funeral de Stark, dará um desfecho a vários personagens e resolve a perda sofrida pelo Capitão América.  Essas duas partes mais lentas prendem demais a atenção do espectador, funcionando maravilhosamente bem, pois temos personagens muito envolventes.

Um pacto de confiança…

Esse é também um filme que optou pelo “happy end”, entretanto de forma relativa, já que três heróis morreram. Ou seja, “Vingadores Ultimato” é também um filme de perdas, muito sentidas ao final. Além do sacrifício de Tony Stark, tivemos, também, o sacrifício da Viúva Negra e a confirmação da morte do Visão, que não retorna neste filme, já que uma das joias estava incrustada em sua cabeça e foi violentamente arrancada por Thanos. Dada toda a querela em torno das joias, infelizmente a volta do Visão acaba sendo mais problemática e terminou descartada. Uma dúvida aqui: o que teria acontecido com Loki, que conseguiu ter acesso a uma das joias do infinito, desaparecendo lá no passado???

Ele está de volta…

A película também teve momentos muito interessantes nas viagens no tempo pela busca das joias. Os heróis retornaram à época de vários filmes da Marvel e cabia ao espectador identificá-los, confiando no conhecimento que o público tinha do cânone. Foi marcante, por exemplo, os encontros de Tony Stark com seu pai e de Steve Rogers com sua amada da década de 40, mesmo que atrás de uma persiana. A luta entre dois capitães América de épocas diferentes trouxe uma marca registrada da Marvel, que é o seu humor de sempre, tendo o seu espaço mesmo num filme de dimensões apocalípticas como esse. Talvez a situação mais tragicômica tenha ocorrido justamente com um Thor beberrão e barrigudo, com uma tremenda cara de Lebovsky, como o próprio Stark atestou.

Capitã Marvel mais poderosa que nunca…

No mais, fica um destaque para os créditos finais, onde os atores principais de todos os filmes da Marvel apareceram. Uau, se essa fosse apenas uma película, teria um megaelenco superestelar!!! Ah, e sim, como é o último filme dessa fase da franquia, não houve cenas pós -créditos.

É o Homem Formiga que dá a sugestão para salvar o dia…

Dessa forma, “Vingadores Ultimato” vem confirmar tudo aquilo que já sabemos da Marvel, ou seja, a sua grande competência para fazer histórias. Algumas análises do filme apontaram para alguns furos de roteiro. Entretanto, quem os não tem? E mais: tais furos são, a meu ver, até perdoáveis, pois a história é tão envolvente que a gente acaba não ligando muito para isso. É a seguinte coisa: viagem no tempo gera uma história que pode ter um alto grau de complexidade, sendo um prato cheio para imprecisões e furos. Nada disso impede que a película tenha grande brilho. Definitivamente, um programa imperdível.

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Voyager (Temporada 6, Episódio 16) Coletividade. Creche Borg.

Janeway e Sete de Nove com uma batata quente e adolescente na mão…

E depois da maratona de análises de episódios de  “Jornada nas Estrelas Discovery”, voltemos a analisar episódios da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”. Hoje vamos falar de um episódio um tanto inusitado. “Coletividade” vai levantar a seguinte questão: e se um cubo borg fosse controlado por… adolescentes? A ameaça seria maior? Menor? Parece que os roteiristas Andrew Price e Mark Gaberman estavam com problemas com as crianças em casa (se é que eles as têm).

Fetos borgs!!!

Bom, vamos ao plot. Chakotay, Kim, Paris e Neelix jogavam uma partida de pôquer na Delta Flyer quando foram atacados por um cubo borg. Eles são capturados. Kim desaparece e os demais tripulantes estão numa câmara de assimilação. Entretanto, tem alguma coisa de errado. O cubo parece sem tripulação e ninguém foi assimilado. Um corpo com traços errôneos de assimilação paira na câmara. A Voyager, por sua vez, percebe que o cubo tem um comportamento altamente errático e identifica somente cinco assinaturas de drones em toda a nave, que geralmente abriga cinco mil tripulantes. Os borgs entram em contato com a nave e há uma negociação: em troca dos tripulantes da Voyager, eles querem o defletor navegacional da nave. Mas a Voyager ficaria impossibilitada de entrar em dobra. Sete de Nove acredita que os borgs querem o defletor para entrarem em contato com a coletividade. Janeway envia Sete para o cubo e ela descobre que as cinco assinaturas são de borgs adolescentes que ainda não atingiram o estado de maturação total, vindo daí o comportamento errático, típico dos adolescentes. Esses adolescentes perderam o link com a coletividade e buscam recuperá-lo. Sete retorna a Voyager com o corpo de um drone adulto para análises e o Doutor descobre que os borgs foram mortos por um vírus. Os borgs adolescentes não morreram pois estavam nas câmaras de maturação protegidos. As câmaras abriram previamente devido a falhas no sistema provocadas pela morte dos borgs. O Doutor também isolou o vírus, que ficou como uma alternativa para matar os adolescentes, pois eles se revelavam muito perigosos. Janeway deixa isso como uma opção na manga, à despeito do olhar de reprovação do Doutor depois que Sete, friamente, fala a uma capitã em dúvida de que os jovens borgs matariam sem hesitar. Já o acordo com a Voyager é mudado: ao invés do defletor, a nave dará aos borgs a oportunidade de Sete consertar as avarias do cubo. O líder dos adolescentes diz que as avarias precisam ser consertadas em duas horas, caso contrário os reféns da Voyager serão mortos. Kim está na Delta Flyer, recobra a consciência e tenta contato com a Voyager. Já Sete busca relembrar aos adolescentes a vida antes da assimilação para tentar evitar o link com a coletividade. Sete, ao analisar os sistemas do cubo, descobre que os borgs desistiram do cubo e dos adolescentes, pois eles estão avariados, mas os adolescentes não conseguem entender isso. Kim é capturado e tem implantes colocados no corpo, numa assimilação mal feita. O líder dos adolescentes perde a paciência e exige novamente o defletor enquanto Sete tenta convencer os demais borgs de que a coletividade não mais os procura. A Voyager emite um pulso de energia sobre o cubo e consegue transportar Neelix, Chakotay e Paris. Mas Sete e Kim permanecem no cubo. O líder, num acesso de fúria, ataca Sete mas o segundo borg em comando contra ataca. O core transwarp do cubo sobre uma instabilidade e Sete diz que o cubo precisa ser evacuado. O líder não aceita isso e, ao tentar consertar o cubo, é atingido por uma descarga, morrendo nos braços de Sete. Com todos de volta à Voyager, Kim é tratado pelo Doutor, que também retira os implantes das crianças, com elas voltando a ser o que eram antes da assimilação.

Borgs adolescentes

O plot do episódio não deixa de ser interessante, apesar de ser uma alegoria de um problema altamente cotidiano: como lidar com a chatice dos adolescentes. Ficou bem claro no episódio que um cubo borg com cinco adolescentes pode ser muito mais perigoso que um cubo com cinco mil drones adultos, pois o primeiro é altamente instável da mesma forma que os adolescentes são. Será que temos um preconceito implícito aí? A gente pode realmente colocar todos os adolescentes nesse patamar de rebeldia e imprevisibilidade? É o tal negócio. Se fosse qualquer outra série de TV, esse tema passaria batido e seria aceito numa boa. Mas em Jornada nas Estrelas há todo um discurso de diversidade e respeito às diferenças. E aqui pareceu que os adolescentes não tiveram esse privilégio de terem a sua diversidade respeitada. Eles foram rotulados como problemáticos e ponto. Logo, esse episódio acaba ficando datado com os preconceitos da época em que foi realizado. A gente percebe que nem a coletividade queria mais os garotos por estarem “com defeito”.

Janeway busca a diplomacia…

Outra coisa que incomoda é o desfecho. Sete de Nove é o único drone (fora Locutus) que voltou da assimilação para seu estado anterior. Isso a tornava muito especial na série. De repente, quatro dos cinco adolescentes voltam ao estágio anterior também, tirando de Sete seu destaque. Confesso que preferia um final mais “triste”, com os borgs adolescentes sendo não só desprezados pela coletividade, mas também sendo sacrificados no cubo (essa alternativa ficou apenas para o líder). Creio que seria muito mais impactante os adolescentes morrerem, pois, desprezados por sua cultura borg, não teriam mais onde se encaixar e dariam fim a si mesmos. Isso também seria uma alegoria de um problema atual, onde muitos adolescentes sentem a falta de apoio em suas famílias e meio que piram na batatinha por isso. Ou seja, por serem rotulados de “chatos” são tratados como párias, onde alguns chegam até à situação extrema da depressão profunda e do suicídio. Já que o episódio decidiu meter sua colher nesse problema cotidiano, que fosse até o fim com ele, ao invés de enveredar pelo fácil e previsível caminho do “happy end”.

Mas adolescentes podem ser muito imprevisíveis…

Dessa forma, “Coletividade” é um episódio de “Jornada nas Estrelas Voyager” que foge um pouco da ficção científica por retratar um problema cotidiano que é o difícil problema de relacionamento com adolescentes. O episódio caiu no erro de reproduzir preconceitos (o que é complicado numa série que se vende como respeitando as diferenças) e perdeu a oportunidade de falar da questão do abandono que alguns adolescentes sofrem, por optar por um final feliz. Um episódio que merece uma revisita, desde que visto sob um aspecto mais crítico.

Batata Movies – Border. O Surreal Do Surreal.

Belo Cartaz do Filme

Um filme sueco para lá de perturbador. “Border” pode ser qualificado inicialmente como uma obra altamente surreal. Mas ela possui algo nas entrelinhas. Ou seja, é um filme altamente complexo que não pode ser julgado logo de primeira. Até porque ficamos com um baita nó na cabeça ao assistir. Vamos lançar mão dos spoilers aqui.

A menina da floresta…

O plot fala de Tina (interpretada por Eva Melander), uma funcionária da alfândega de um aeroporto que consegue descobrir uma série de irregularidades somente pelo faro. Sentimentos como vergonha, culpa e raiva passam por suas narinas, sendo a policial perfeita. Mas essa característica peculiar também lhe dá uma aparência grotesca, praticamente não humana. Um belo dia, passa pelo aeroporto Vore (interpretado por Eero Milonoff), um cara da mesma “espécie” que ela. Os dois começam a estabelecer um relacionamento. Vore come larvinhas que colhe na natureza e revela a Tina que eles são de uma espécie chamada Trol e que existem mais deles. Ainda, os humanos sempre querem destruir aquilo que não conhecem. Trol tem, então, uma espécie de complexo de magneto e quer fazer de tudo para prejudicar a humanidade, colocando em conflito toda a ética e retidão de Tina, que vai precisar tomar uma decisão entre seu amigo trol e seus princípios inerentes à humanidade.

Um dia, ela encontra um de sua espécie…

Falando dessa forma resumida, o plot parece demasiado simples. Mas o detalhe aqui é que a espécie trol foi pensada com o intuito de causar a maior estranheza possível no espectador. Quando quero dizer isso, é da forma mais repugnante possível mesmo, como se a narrativa provocasse o público de forma hiperexagerada para atestar até onde ele tolera as diferenças. Além de colocar os trols feios demais, a experiência sexual dos dois foi concebida para ser a mais perturbadora possível, sendo extremamente animalesco, com direito a muitos urros, além dos dois terem sexos trocados (isso mesmo, era a Tina que era a detentora do pênis aqui). Para arrematar, ambos tinham uma marca de cirurgia nas costas, pois tiveram a sua cauda cortada quando eram bebês, da mesma forma que se corta a cauda de cachorrinhos. Mas o que chama mesmo a atenção é a decisão que Tina tem que tomar ao ver o comportamento destrutivo de seu par. Ela se agarra a sua ética e ao seu jeito humano de ser. Ou seja, mesmo com todo o preconceito que sofre, o trol não tem o direito de assumir um comportamento agressivo e covarde com humanos indefesos (não me estenderei mais com os spoilers), pois isso viola os princípios de Tina.

Filme tem momentos idílicos…

O filme, por ser muito surreal, transita entre vários campos. Além da óbvia questão da discussão do respeito à diferença, assim como o forte clima de estranhamento imposto, temos um clima de romance bucólico, com o casal trol em idílio totalmente nu pela floresta (provavelmente seu habitat natural) assim como até um leve arremedo de terror, quando as intenções macabras de Vore se manifestam.

Filme é surreal até para a protagonista…

Assim, “Border” é um programa obrigatório, pois, pelo seu grau de surrealismo, consegue suscitar muitas reflexões e até a presença de mais de um gênero. Não podemos nos esquecer de que esse filme é de um diretor iraniano radicado na Suécia, Ali Abassi, que assina o roteiro baseado no conto de John Ajvide Lindqvist, o mesmo que escreveu a história de “Deixa Ela Entrar”, sobre um romance pré-adolescente entre um garotinho e uma sanguinária vampirinha, que também chegou às telonas há alguns anos. Ou seja, o exotismo aqui transpira, tornando esse filme imperdível.

Batata Movies – O Mau Exemplo De Cameron Post. Necessário, Apesar Do Clichê.

Cartaz do Filme


O filme “O Mau Exemplo De Cameron Post” provocou um enorme burburinho há tempos atrás por não ter sido exibido por aqui. Como se tratava de uma história de uma moça lésbica que foi submetida a uma espécie de clínica de reabilitação evangélica, aplicando uma suposta cura gay, o fato do filme não ter a sua exibição prevista no Brasil acabou soando como censura. Mas aí logo foi tudo desmentido e a exibição foi prevista para acontecer. Agora, tivemos a estreia recentemente. Vamos lançar mão dos spoilers aqui.

Uma menina que é vítima de intolerância…


E o que podemos dizer dessa película? A primeira impressão é a de que foi muito barulho por nada. É um filme bem simplório, cheio de clichês, com um desfecho bobinho e sem conflitos, ao contrário do que se poderia esperar de uma película que trabalha um tema tão espinhoso. Entretanto, dada a dificuldade retumbante dos tempos que passamos, qualquer contribuição que traga uma reflexão em direção à tolerância é bem válida. A Cameron em questão (interpretada pela bela Chloë Grace Moretz) tem cenas de amor com sua namoradinha relativamente tórridas, mas a coisa fica por aí, fora um eventual amasso com sua companheira de quarto na clínica.

No início tudo, tudo era prosaico…

O que mais chama a atenção é a forma como todo o contexto de sua internação a deixa num estado de dúvida com relação a si mesmo, embora essa dúvida logo se disperse quando ela encontra dois companheiros de clínica, digamos mais descolados, que não aceitam passivamente o estabelecido, e que representam as minorias (a mocinha é latina cheia de dreads e o rapaz é um indígena cabeludo, mais clichê impossível). Esses amiguinhos salvarão a protagonista Wasp das loucuras de meu Deus (licença Hermes e Renato). E eles fogem calmamente numa picape ao final da película com um adesivo da campanha Clinton Gore no vidro traseiro (eu disse que o filme era muito clichê).

Rolava até algo mais tórrido…


Bom, não vamos somente falar da parte simplória do filme. Há também um mérito a ser falado aqui. Há toda uma variedade de pacientes na clínica, desde os mais submissos, passando por uma espécie de estado intermediário, onde aceitam o tratamento mas com uma série de questionamentos, chegando aos totalmente rebeldes, que são da patota de Cameron. O relacionamento entre esses três grupos foi algo interessante de se ver, até o momento em que há uma espécie de implosão de tudo, na tentativa de suicídio de um dos internos, onde fica bem claro que os responsáveis pela clínica não sabem muito bem o que fazer com seus pacientes (Mais um clichê).

Mas, na clínica, só havia dúvidas…


Confesso que gostei dos atores pós adolescentes. Eles conseguiram passar bem os tormentos pelos quais passavam, uns em maior e outros em menor grau. A boa atuação ajudou a aturar um pouco mais a obviedade dos clichês.

No fim, a fuga, sob a proteção de Clinton e Gore…


Dessa forma, “O Mau Exemplo De Cameron Post” é uma película da qual não se pode esperar muito, ainda mais depois de todo o alarde feito. Mas ainda assim, e apesar de todos os clichês, dá para tirar algumas coisas boas, se a gente espremer bastante. Vale mais pela curiosidade do que por qualquer outra coisa.

Batata Movies – O Gênio E O Louco. Qual É O Sentido Do Perdão?

Cartaz do Filme

Um filme muito tocante. “O Gênio e o Louco” é uma história sobre a construção de um dicionário. Mas, acima de tudo, é uma história sobre perdão. Até onde vai a sua coragem de perdoar o imperdoável? Como você pode se desvencilhar de mágoas profundas e reconstruir um futuro a partir de sua dor? Dá para perceber que este é um filme que suscita uma reflexão bem pertinente. E isso já é o indicativo de que o filme é bom. Vamos lançar mão dos spoilers aqui.

Um médico perturbado por um trauma de guerra…

O plot é o seguinte. Doutor Minor (interpretado por Sean Penn) é um homem profundamente atormentado. Ele é um veterano da Guerra de Secessão e vive na Inglaterra de perto da virada do século. O doutor teve que, durante a guerra, marcar com ferro quente o rosto de um desertor. Mas nosso médico tem esquizofrenia e passou a ter visões do tal desertor o perseguindo. Por causa disso, ele mata um inocente, pai de seis filhos, e acaba internado num manicômio judiciário. Enquanto isso, o autodidata James Murray (interpretado por Mel Gibson) busca convencer o rígido meio acadêmico de Oxford a empreender a produção do mais ambicioso Dicionário da Língua Inglesa. Para isso, seria necessário fazer uma pesquisa minuciosa da produção literária do idioma em todo o mundo. Murray teve a ideia de pedir que as pessoas enviassem palavras e seus significados em determinadas obras literárias pelo correio. Esse apelo chega aos ouvidos de Minor no manicômio e ele começa a produzir freneticamente, ajudando em muito o trabalho de Murray e levando a uma grande amizade entre os dois. Por outro lado, Minor tenta se redimir do seu crime, ajudando financeiramente a viúva do homem que matou, o que leva a uma aproximação entre os dois que provocará fortes conflitos na mente perturbada do médico e será um empecilho na confecção do dicionário.

Um autodidata com uma missão quase impossível…

Como dito acima, é um filme sobre perdão. O Grande barato aqui é a difícil aproximação entre o doutor e a viúva, que despertou os momentos mais ternos e angustiantes do filme, provocando uma verdadeira montanha russa de emoções no espectador. A coisa foi tratada com uma delicadeza extrema e envolvia demais o público, o que fazia a gente se colocar no lugar do doutor e experimentar com muita intensidade todo o seu sofrimento e sentimento de culpa. Poucas vezes um filme contemporâneo se aproximou tanto dos paroxismos típicos do expressionismo. E, por se tratar de uma história real, o espaço para o happy and não existe aqui, dando um grande tom de legitimidade a todo o conjunto.

O que podemos falar dos atores? Esse é um filme de Sean Penn. Sua atuação foi tão maravilhosa que me arrisco a dizer que Mel Gibson chegou a ser um coadjuvante de luxo. Como ele nos envolvia com sua inigualável competência dramática! Definitivamente, Penn é um ator que precisa estar mais presente em nossas telonas. Já Gibson não comprometeu com um personagem que tinha um imenso obstáculo pela frente, que era o de fazer um trabalho altamente exaustivo (ao fim das contas ele durou décadas) perante um meio acadêmico extremamente arrogante. Ele executou com eficiência todas as nuances emocionais de otimismo e desânimo, também nos envolvendo. Não podemos deixar de dizer aqui que esse também é um filme de fortes personagens femininas. Natalie Dormer fez Eliza Merrett, a viúva, tendo uma enorme química com Penn. Sua personagem era muito forte, inicialmente não aceitando as tentativas de reparação de Minor, mas pouco a pouco se aproximando dele e aceitando seu perdão. Minor a ensina a ler e ela desbrava todo um mundo novo através das palavras cujo acesso é dado pelo algoz de seu marido. Nesse momento, nossa cabeça, tão acostumada a um mundo de ódio, fica a mil, despertando sentimentos muito conflitantes. A outra personagem feminina, Ada Murray (interpretada por Jennifer Ehle), a esposa de James Murray, fez uma mulher que apoiava integralmente o marido em suas ambições e desejos, a ponto de aceitar que ele abandonasse uma carreira segura para embarcar na arriscada jornada do dicionário. Ada ainda teve a coragem de interceder a favor do marido junto ao arrogante meio acadêmico de Oxford. Eliza e Ada se mostram verdadeiras mulheres à frente de seu tempo.

Uma amizade vinda de um dicionário…

Por fim, ainda podemos assinalar mais uma virtude do filme. Ele acaba concluindo que a confecção de um dicionário definitivo é impossível, já que a língua é viva e palavras são inventadas constantemente, como foi demonstrado na conversa entre crianças que aparece ao final do filme.

Qual é o verdadeiro sentido do perdão?

Dessa forma, “O Gênio e o Louco” é um programa obrigatório, pois nos mostra uma incrível história real que fala sobre temas humanos tão caros quanto o perdão, assim como tem uma interpretação memorável de Sean Penn, além de fortes personagens femininas, sem falar que lembra que o idioma é vivo e em constante mutação. Um filme que nos faz muito refletir, o que atesta a sua grande qualidade. Imperdível.