Batata Movies 2. Mulher Maravilha 1984. Cuidado Com O Que Você Deseja, Você Pode Conseguir.

Mulher-Maravilha 1984 - Filme 2020 - AdoroCinema
Cartaz do Filme…

Depois de sua estreia em dezembro do ano passado, finalmente consegui ver “Mulher Maravilha 1984”. Infelizmente os dias difíceis pelos quais estamos passando tolheram um dos grandes prazeres da vida (pelo menos para a minha pessoa), que é estar numa sala de cinema para assistir a um filminho. Restou a mim ver os vídeos na internet que analisavam o filme com spoilers ou não e as opiniões até eram boas, mas com algumas ressalvas. Ficou a impressão de que a coisa não tinha sido totalmente satisfatória. Também pudera, a DC e a Warner metem os pés pelas mãos na hora de fazer seus filmes, é o que conta o senso comum para a gente nos últimos tempos. Pois bem. Finalmente tive acesso a “Mulher Maravilha 1984” e busquei assistir ao filme sem qualquer pré-julgamento, bem ao estilo do “vamos ver primeiro para a gente verificar depois se concordamos ou não com o que a galera achou”.

Mulher-Maravilha 1984 vê data de estreia adiada por causa do COVID-19 |  Magazine.HD
Ela está de volta…

E qual foi a minha impressão? Foi a melhor possível. Eu simplesmente adorei o filme de cima a baixo! E por que isso? Porque ele foge ao convencional dos filmes de heróis: mocinhos contra bandidos, com os primeiros vencendo e os segundos sendo severamente punidos. “Mulher Maravilha 1984” é um filme de personagens bem humanizados e complexificados, com virtudes e defeitos, sejam os heróis, sejam os vilões. Creio que é necessária uma certa coragem para se fazer isso nesse gênero de filme, que tem um público muito exigente (há sempre a questão da comparação com os quadrinhos) e uma visão de mundo talvez um pouco mais polarizada entre bem e mal. Vamos conversar um pouco sobre isso, sempre lembrando que os spoilers estão liberados.

Pedro Pascal e Kristen Wiig em um papo sobre Mulher-Maravilha 1984 - Vogue  | celebridade
“Vilões” humanizados…

Mas, qual é o plot? A coisa gira em torno de uma espécie de artefato antigo que realiza os desejos das pessoas, mas em troca, acaba tomando algo delas. É um artefato um tanto amaldiçoado por deuses malignos que já destruíram culturas no passado. O objeto vai parar no instituto onde Diana Prince trabalha como antropóloga no ano de 1984 e é estudado por Barbara Minerva (interpretada por Kristen Wiig), uma pesquisadora que ninguém dá bola, sendo uma verdadeira outsider que se ressente demais com isso. Sem saber do perigo do artefato, Diana deseja a volta de Steve Trevor, o que acaba acontecendo, ao passo que Barbara quer ser tão poderosa e descolada quanto Diana, o que lhe dá superpoderes. Diana e Steve reengatam o relacionamento enquanto que Barbara fica muito popular em seu emprego. Entretanto, há outro personagem, Max Lord (interpretado por Pedro Pascal), que quer levar uma empresa de produção de petróleo adiante, mas os poços estão secos. Ele está com a corda no pescoço, mas não perde a pose, visitando o instituto de pesquisa de Diana e Barbara com a intenção de patrociná-lo, quando descobre o tal artefato e o rouba. Será aí que os problemas vão começar, pois ele deseja que ele mesmo se torne o artefato e começa a fazer os desejos de outras pessoas, sempre exigindo algo em troca, o que aumenta ainda mais o seu poder de influência entre as pessoas. Depois de uns estudos arqueológicos, Diana descobre que precisa deter os planos de Max de dominar o mundo, mas Barbara não vai querer perder sua influência popular sobre os seus. Cabe dizer aqui que a maldição do artefato somente é desfeita se as pessoas renunciarem a seus desejos. E nossa heroína vai passar por uma provação nisso, pois significa que ela deve também renunciar ao amor de Steve Trevor.

Resenha: Mulher-Maravilha 1984 (com alguns spoilers) - Meio Bit
Uma armadura e tanto…

O roteiro do filme tem uma reflexão principal, onde as histórias dos personagens interagem e se apóiam: nem sempre tudo acontece em nossa vida de acordo com nossos desejos. E a gente não deve viver num mundo de ilusão e mentira por causa disso, encarando a realidade e a verdade de frente, se adaptando à vida como ela é da melhor forma possível, não se encucando se tudo o que almejamos não vem. Tal reflexão tira um peso danado de nossas costas e faz a gente levar a vida melhor, com menos espaço para as frustrações. Se todos no mundo acabassem tendo os seus desejos realizados facilmente, tudo seria um grande caos, pois o espaço do desejo de uma pessoa poderia violar o espaço do desejo do outro. Ao vivermos em sociedade, temos a nossa liberdade sim, mas esta liberdade tem um limite, que é a liberdade de outro indivíduo, algo que John Locke falava ao estabelecer as bases do liberalismo político lá no longínquo século XVIII, e que se materializa na famosa frase: “A Minha Liberdade Termina Aonde Começa A Sua”. Vemos, no filme, pessoas lidando com essa reflexão de formas diferentes. Diana, a heroína, resiste à ideia da perda de Steve Trevor, mas acaba se resignando e se desapegando do seu passado para ir em frente. Já Barbara não quer se desfazer de sua popularidade tão facilmente, tornando-se agressiva e violenta. O mesmo acontece com Max, que não quer se desvencilhar de sua busca por poder. Ambos tiveram uma vida pregressa muito sofrida, com Barbara sendo desprezada por meio mundo, assim como Max, que teve uma infância muito difícil. É nessa hora que me lembro de Chaplin em seu discurso do Grande Ditador: “Só os que não são amados e não naturais que odeiam”. Ou seja, a falta de amor que algumas pessoas sofrem acaba levando-as para o caminho do ódio. Tais palavras nos fazem refletir sobre o que é ser humano e como devemos tratar os que nos cercam. Cá para nós, trabalhar tais ideias num filme de super-herói é algo, no mínimo, ousado. Assim, esse é um filme onde não há o vilão, já que todos são vítimas de traumas do passado em maior ou menor grau. Ou seja, personagens humanos e complexos, com virtudes e defeitos. Toda essa conversa sempre me lembra de Dora, a personagem de Fernanda Montenegro em “Central do Brasil”, que era fria e rude, passando por um processo de humanização ao longo do desenrolar do filme, até se redimir em seu final. Ou seja, um personagem nem 100% bom, nem 100% ruim. Os mocinhos totalmente bons e vilões totalmente ruins são uma marca de uma narrativa lá do cinema mudo, até que esses personagens começam a se tornar mais complexos, onde um dos primeiros exemplos foi Ricky, de “Casablanca”, um mocinho com toque um pouco canalha. Nem Darth Vader, o exemplo do mal por excelência, escapou desse processo de complexificação.

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Não se pode trapacear…

Talvez o grande vilão aqui seja as divindades maléficas que deram poder ao artefato que semeou discórdia e destruição. Mas não dá para punir algo tão abstrato. A única punição é deter os atos maléficos das mesmas, através da renúncia aos desejos e a aceitação da verdade, preconizados por Diana na sequência em que Max procura dominar o mundo e que se liga com o início do filme, onde uma jovem Diana escuta da mãe que ela trapaceou numa competição e que a verdade é o que mais importa, sobrepujando a mentira.

Mulher-Maravilha 1984 ganha teaser internacional com cenas inéditas
Diana terá que renunciar ao seu amor Steve Trevor…

Nos pós-créditos, uma surpresa. Lynda Carter aparece como Asteria, a lendária amazona dona da armadura dourada que a Mulher Maravilha usa nesse filme. É impressionante como o tempo não parece passar para nossa eterna Mulher Maravilha lá da década de 70, vinda diretamente da Ilha do Paraíso.

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Making of. Com a diretora Patty Jenkins…

Dessa forma, “Mulher Maravilha 1984” é um filme que pode até não corresponder aos anseios dos fãs de filmes de super-heróis, mas ainda assim traz uma bela reflexão sobre como devemos encarar a vida e aos outros que nos cercam. Jamais devemos deixar a frustração de projetos e ambições não concretizados nos abater e devemos levar a vida com mais suavidade, aceitando e se adaptando ao mundo à nossa volta, assim como devemos ser mais zelosos com outras pessoas, que também têm seus medos, inseguranças e frustrações.

Batata Movies 2 (Especial Oscar 2021). Tenet. Presepada Temporal.

Tenet - Filme 2020 - AdoroCinema
Cartaz do Filme…

Vamos falar hoje de mais um filme que concorreu ao Oscar desse ano de 2021. “Tenet”, escrito e dirigido por Christopher Nolan, concorre a duas estatuetas: Melhores Efeitos Visuais e Melhor Design de Produção. Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.

Tenet' tem ótimas cenas de ação em um dos piores roteiros de Christopher  Nolan; G1 já viu | Cinema | G1
Um protagonista literalmente chamado de protagonista…

O filme fala de um agente da CIA conhecido apenas como “O Protagonista” (interpretado por John David Washington), que faz parte de uma organização secreta chamada Tenet. Ele vai lutar contra um poderoso empresário russo, Sator (interpretado por Kenneth Branagh), que tem uma geringonça atômica que permite que se façam viagens do futuro para o presente e vice-versa. Sator, uma mente diabólica, criou toda uma condição de que, se ele morrer, o mundo vai acabar. Mas o grande detalhe é que ele é paciente terminal de câncer. Assim, o protagonista terá que fazer viagens no tempo, para o futuro, o presente e o passado, para evitar os planos malignos do grande vilão do filme e ainda salvar a esposa do vilão, que é tratada de forma muito violenta por ele.

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A culpa é do Nolan…

O filme é uma presepada só. E temporal. Ou seja, a gente vê nosso protagonista lutando contra ferozes inimigos que se movem às avessas, como se a gente visse um flashback dando ré (ou visões do futuro dando ré, sei lá). Por causa dessa história de viagens e inversões no tempo, o roteiro fica muito confuso e difícil de acompanhar (parece até que o Nolan estava sob o efeito de um goró muito legal ao escrever essa porcaria). Por incrível que pareça, o filme ainda se salva (um pouco só) pelas atuações de Robert Pattinson (que é mais que um vampiro de “Crepúsculo” ou um Batman que todo mundo gosta de esculachar sem sequer estrear) e, principalmente, Kenneth Branagh, que não sei o que foi fazer nesse filme (Nolan deve ter uma lábia desgraçada de boa para ter convencido Branagh a participar dessa afronta à boa vontade do espectador, muito melhor do que a capacidade que ele teve de escrever esse roteiro altamente sofrível). Para coroar tantos disparates com a cereja do bolo, ainda temos uma operação militar ao final da película para se recuperar as geringonças atômicas do vilão do filme, com direito a soldados correndo para frente e de ré e explosões ao contrário. Me senti num vaudeville vendo as trucagens de câmara dos filmes de Melliès lá no início do século passado. E pensar que esse filme recebeu a indicação para Melhores Efeitos Visuais. Realmente dar duas indicações ao Oscar para esse filme lamentável é a prova de que nem sempre o Oscar se preocupa em premiar o bom cinema. E só dá mais razoes para aqueles que cobram mais diversidade do Oscar.

Tenet' tem ótimas cenas de ação em um dos piores roteiros de Christopher  Nolan; G1 já viu | Cinema | G1
Branagh, o pouco que se salva do filme…

Dessa forma, “Tenet” é um grande e deprimente erro. Muitas explicações floreadas para se abordar a velha questão da viagem no tempo que tornam o roteiro maçante e cansativo. E, mais lamentável ainda, é saber que Nolan foi o autor de tamanha presepada, pois ele assina o roteiro e a direção, não havendo qualquer desculpa ou atenuante.

Batata Movies 2 (Especial Oscar 2021). Feeling Through. A Solidariedade De Onde Menos Se Espera.

Feeling Through - 2019 | Filmow
Cartaz do Filme…

Dentre nossas análises de filmes que concorrem ao Oscar desse ano de 2021, falemos hoje de “Feeling Through”, que concorreu à estatueta de Melhor Curta Metragem. Para podermos falar desse filme, vamos precisar de spoilers.

2021 Oscar-Nominated Shorts: Live Action - Movie Review - The Austin  Chronicle
Um rapaz ajuda um cego e surdo…

A história é bem simples. Um rapaz de periferia nos Estados Unidos se recusa a dar esmola para um mendigo, sendo bem ríspido com ele. Logo depois, ele se depara com outra pessoa que precisa de um tipo diferente de ajuda: ele precisa ser levado a um ponto de ônibus para pegar determinada linha. Detalhe: o homem é cego e surdo, se comunicando com as pessoas escrevendo frases num caderninho e recebendo respostas com toques de mão. O rapaz o leva para o ponto, mas o homem quer beber algo, pois está com muita sede. Eles compram algo numa loja de conveniência e o rapaz, na hora de pagar a bebida, tira um pouco de dinheiro da carteira do homem para ele. Os dois voltam ao ponto de ônibus e continuam conversando, quando ele percebe que o cego e surdo tem uma vida bem ativa, impressão que somente aumenta quando ele lê as frases que o cego usa para se comunicar quando ele consegue pegar seu caderninho num momento em que o homem cochila. Ao fim das contas, o ônibus chega e, extremamente zeloso, o rapaz fala ao motorista onde o homem vai descer e pede que não se esqueça do cego no ônibus, arrancando a promessa do motorista de que ele cuidará do cego. Ao se despedir, o homem diz que o rapaz ficará bem, como se o cego soubesse que o rapaz não estava com sua vida, digamos, totalmente feliz. Os dois se abraçam e se despedem. Sensibilizado, o rapaz volta ao mendigo que lhe pediu dinheiro, que agora dormia, e deixa em seu copo o dinheiro que ele pegou do cego.

Feeling Through | Drama Short Film | Omeleto
No ponto de ônibus, surgirá uma amizade efêmera mas fraterna…

Esse curta de cerca de dezoito minutos mostra como a solidariedade pode vir de onde menos se espera. Um rapaz com sua visão e audição perfeitas, mas que não está totalmente bem com sua alma, encontra um cego e surdo que, apesar de todas as suas limitações, curte a vida muito bem e consegue ser feliz. Os dois desenvolvem uma efêmera mas terna relação. O rapaz acaba se mostrando pouco virtuoso ao roubar dinheiro do homem cego e surdo, mas a candura e carinho deste último o faz reparar outro erro, que foi o de rechaçar até de forma um pouco agressiva o pedido de um mendigo por dinheiro. Uma história bem simples, mas muito humana e tocante, mostrando que, mesmo sendo um curta metragem, uma ideia e uma mensagem podem sempre ser exibidos em sua plenitude.

Feeling Through (2020) Movie Review from Eye for Film
A solidariedade pode vir de onde menos se espera…

Dessa forma, “Feeling Through” é mais uma curiosidade que está presente nos candidatos ao Oscar. Um curta simples, que mostra uma mensagem de solidariedade altamente humanizante, que pode vir de onde menos se espera.   E veja o curta no link abaixo, acionando as legendas.

Batata Movies 2 (Especial Oscar 2021). Pinóquio. Seguindo Fielmente Uma História.

Pinóquio': Live-action com Roberto Benigni ganha pôster nacional e data de  estreia; Confira! | CinePOP
Cartaz do filme…

Dentre as nossas análises de filmes que concorreram ao Oscar nesse ano de 2021 falemos hoje de “Pinóquio”, que concorreu a duas estatuetas: Melhor Figurino e Melhor Maquiagem e Cabelo. Para podermos falar do filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.

Pinóquio: porquê o garoto mentiroso deve ser uma das estrelas das telas em  2021 | Midiorama
Ele está de volta…

O filme fala da historinha do Pinóquio, de origem italiana (é a primeira vez que vejo a história do Pinóquio contada por italianos). A coisa não fugiu muito do convencional, com todas as passagens que conhecemos: Pinóquio como um garoto que não gosta de ir a escola, que tem o nariz que cresce quando mente, que é enganado seguidamente pela raposa e o gato, que vira um burro, pois não gosta de estudar, que encontra seu pai Geppetto na barriga de uma baleia (ou peixe cão), etc., etc., ou seja, nada fora do que já conhecemos, sem qualquer voo mais diferente ou ousado. Temos a presença de Roberto Benigni como Geppetto, que pôde mostrar um pouco de seu humor na história, principalmente ao seu início, além de um Geppetto bem emotivo, sendo a melhor coisa que vimos no filme. Dentre as indicações, podemos falar que a de Maquiagem e Cabelo me pareceu muito mais merecida que a de figurino, já que os personagens tinham características de animais, tal como um Grilo Falante, médicos que são aves ou uma criada que é um caracol. O figurino também estava bom, mas chamava bem menos atenção do que a maquiagem, essa sim muito mais elaborada. Fora esses detalhes, não há muito mais o que dizer sobre esse filme, exceto pelo fato de que a gente sente que foi feito com muito carinho e zelo pelos verdadeiros donos da história, que são os italianos.

Pinóquio: A verdade sombria chega ao Brasil em 2021 - MeuGamer
Boa presença de Roberto Benigni…

Dessa forma, “Pinóquio” vale mais pela curiosidade do que por qualquer outra coisa, pois optou-se por contar a história tradicional, sem qualquer arroubo mais inédito ou ousado. Uma produção feita com muito cuidado e carinho, que conta com a boa presença de Roberto Benigni, que fez um Geppetto bem terno e humanizado, sem perder a veia cômica do ator italiano. Um entretenimento para distrair a cabeça e voltar à uma infância há muito perdida. Sem falar no ótimo intensivão de idioma italiano que a gente faz ao assistir ao filme.

Batata Movies 2 (Especial Oscar 2021). Wolfwalkers. Liberdade E Preservação Do Meio Ambiente.

Wolfwalkers
Cartaz do Filme

Dentre as nossas análises de filmes que concorrem ao Oscar nesse ano de 2021, falemos hoje de “Wolfwalkers”, que concorreu à estatueta de Melhor Animação. Para podermos falar desse filme, uma co-produção Irlanda/Luxemburgo, vamos precisar dos spoilers de sempre.

Entre lobos e homens | carmattos
Robyn, uma menina que vai conhecer um mundo todo novo…

O filme fala da história de Robyn, uma menininha inglesa que gosta de caçar lobos e vive com seu pai numa cidadezinha irlandesa dominada pelos ingleses. O povo irlandês é hostil aos invasores ingleses. Estamos no ano de 1650. O pai de Robyn, Bill, quer que a menina fique em casa em virtude da hostilidade dos irlandeses para com os ingleses e ele não quer que a menina o acompanhe na sua tarefa de caçar lobos numa floresta próxima. O temido Lorde Protetor da cidade quer destruir a floresta em que os lobos vivem para afugentá-los, já que os lobos atacam as criações de ovelhas. Quando Robyn segue o pai às escondidas, ela acaba descobrindo todo um mundo novo dentro da floresta, onde conhece Mebh, uma menininha que vive lá e é uma Wolfwalker, ou seja, uma espécie de menina lobo que, quando adormece, se transforma num lobo. Aliás, Robyn vai conhecê-la quando ela está transformada em lobo, mordendo acidentalmente o braço de Roobyn, que também a transforma numa wolfwalker. A mãe de Mebh, sabendo dos perigos do ser humano com relação à floresta, saiu para procurar um novo lugar para os lobos, mas nunca mais voltou, pois ela foi aprisionada pelo Lorde Protetor. Caberá à Robyn e a Mebh salvar os lobos da destruição da floresta, assim como tirar a mãe de Mebh do cativeiro.

Wolfwalkers - filme de animação com meninas e lobos - trailer – Lugar Nenhum
Robin irá encontrar Mebh e se tornar amiga dela…

Essa animação é surpreendente em vários aspectos. Em primeiro lugar, por ser algo de época, se passando numa época em que os ingleses subjugavam os irlandeses, com toda essa animosidade ficando bem clara na animação. Em segundo lugar, vemos aqui uma lenda que lembra demais as histórias de lobisomem, mas não com o wolfwalker sendo uma criatura monstruosa (ele até o era para os citadinos que eram vistos pelo Lorde Protetor como supersticiosos por causa disso), mas sim como um ser da floresta que deve ser preservada juntamente com sua fauna. Os lobos, vistos no início do filme como criaturas selvagens e perigosas, se tornam cachorrinhos muito fofinhos e amáveis quando entramos no mundo da floresta e conhecemos Mebh e sua mãe. E aí, os seres humanos, principalmente os ingleses, são vistos como os grandes vilões da história. É interessante perceber que, tanto dentro dos ingleses quanto dentro dos irlandeses, vemos pouquíssimas pessoas virtuosas. Além de Robyn, temos o seu pai Bill e um citadino que foi “para o tronco” por ordem do Lorde Protetor, que era alimentado às escondidas por Robyn. Os demais ingleses eram vistos como os opressores do povo irlandês, e estes últimos eram retratados de uma forma rústica e caricata.

Wolfwalkers”: animadora brasileira conta detalhes sobre a produção do  filme, indicado ao Oscar | Super
Tornando-se uma wolfwalker…

Essa também é uma animação que fala de liberdade. O pai de Robyn era subordinado a um Lorde Protetor que exigia obediência de seus subordinados, não dando a eles qualquer liberdade. A vida da floresta, em contrapartida, era o espaço da liberdade por excelência, onde o contato prosaico com a natureza era a sua maior manifestação, contra as rígidas regras das convenções sociais, além da liberdade de todo um povo (no caso, o irlandês) tolhida pela dominação inglesa.

filme wolfwalkers Archives - Mundo Cultura
Lobos muito bacanas…

Dessa forma, “Wolfwalkers” é uma animação que concorre ao Oscar que tem um sabor um pouco diferente das demais animações que concorrem à estatueta. Apesar de se assemelhar às demais animações quanto a algo de mágico e fantasioso, “Wolfwalkers” se diferencia pelo seu conteúdo histórico e pela mensagem ecológica de preservação do meio ambiente, onde os humanos são os verdadeiros vilões da história e figuras mitológicas como lobisomens são esvaziados de seus conteúdos aterrorizantes e se tornam criaturas virtuosas que defendem a floresta em que vivem, sendo a sua casa. Vale muito a pena dar uma conferida.    

Batata Movies 2 (Especial Oscar 2021). A Noite De Premiação.

Oscar 2021: veja como foi a noite de premiação
“Nomadland”, de Frances McDormand e Chloé Zhao, foi o grande vencedor da noite…

Uma cerimônia mais intimista e humana, laureada pela diversidade. Assim foi a festa do 93º Oscar esse ano. A pandemia trouxe várias consequências para a festa do cinema. A primeira foi o atraso das produções dos grandes estúdios que acabou dando mais chance a produções menores e mais independentes deixando uma marca da diversidade entre os indicados. A segunda foi a abertura dada à exibição dos indicados no streaming em virtude dos cinemas fechados, o que deu um acesso maior ao grande público aos indicados (confesso que vi muito mais filmes na poltrona do meu sofá este ano do que nos cinemas nos anos anteriores). Em terceiro, a cerimônia, com um número menor de pessoas, lembrou muito as primeiras cerimônias ainda na década de 20, quando os prêmios eram entregues num jantar para convidados. O espaço da cerimônia – a Estação de Trem Union Station em Los Angeles – também chamou a atenção por sua elegância, singeleza e charme, longe dos teatros opulentos que sempre vimos. Como os atores indicados não puderam levar muitos acompanhantes (na verdade somente um por indicado), os atores estavam “livres” de seus managers e muito mais livres, leves e soltos no tapete vermelho, para a alegria dos jornalistas que os entrevistavam. Cada bloco da cerimônia tinha um mestre de cerimônias diferente, e quando eles falavam dos indicados, geralmente eles se dirigiam aos mesmos, dando um tom muito intimista à noite. A cerimônia também teve outros indicados sendo mostrados em outras localidades na Europa. O que chamou a atenção foi a ordem das premiações, com a estatueta de Melhor Filme não sendo o último Oscar a ser entregue, mas sim a estatueta de Melhor Ator.

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Melhor Atriz Coadjuvante para Yuh-Jung Youn. Diversidade em cena…

E as premiações em si? Podemos dizer que “Nomadland” saiu como o grande vencedor da noite, ganhando as estatuetas de Melhor Filme, Direção e Atriz para Frances McDormand, superando a forte presença de Viola Davis e a jovialidade de Carey Mulligan. É o terceiro Oscar de McDormand, que, apesar de ser mais do que merecido, soou um pouco como um Oscar inesperado, já que ela havia sido premiada mais recentemente. Mas seu trabalho foi realmente arrebatador. Outro Oscar um tanto inesperado dentro dessa linha, mas muito merecido foi o de Melhor Ator para Anthony Hopkins. Riz Ahmed e Chadwick Boseman, com a oportunidade de ser o segundo Oscar póstumo da História, vinham fortes. Mas o talento de Hopkins superou as barreiras da idade e do fato dele já ter ganho um Oscar, embora isso já tenha sido há muito tempo com “O Silêncio dos Inocentes”. “Meu Pai” também teve uma merecida premiação de roteiro adaptado. O roteiro original também foi merecido para “Bela Vingança”, a história que teve um interessante plot twist ao seu final.

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Anthony Hopkins, o melhor ator, não foi a cerimônia…

A noite de premiação teve alguns indicados previsíveis confirmados. Um deles foi “Druk”, que ganhou o Oscar de Melhor Filme Internacional. Seu diretor, Thomas Vinterberg, emocionou a plateia quando disse que sua filha iria trabalhar no filme, mas morreu dias antes num acidente de carro, onde o motorista que provocou o acidente passava mensagens no celular. Ele fez questão de rodar o filme na escola em que a filha estudava e com seus colegas reais. “Soul” também levou a marca de obviedade, ganhando as estatuetas de Animação e Trilha Sonora. Já Daniel Kaluuya era o favorito para o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, confirmando o prêmio para “Judas e o Messias Negro”, embora eu preferisse a atuação de Lakeith Stanfield no mesmo filme. Kaluuya deixou a mãe, que assistia a cerimônia de Londres, numa saia justa quando ele agradeceu a ela por ter transado com seu pai para ele nascer e poder vivenciar aquele momento. A anciã não sabia onde meter a cara. “A Voz Suprema do Blues” ganhou dois prêmios bem merecidos: figurino e maquiagem e cabelo, onde Viola Davis foi “enfeiada” para fazer sua personagem (eu gostaria de ver Maquiagem e Cabelo para “Era Uma Vez Um Sonho” e figurinos para “Mulan”, mas…). “O Som do Silêncio” ganhou a óbvia estatueta de som e a não tão óbvia estatueta de montagem (acho que “Meu Pai” seria mais merecedor dessa categoria).

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Daniel Kaluuya, o Melhor Ator Coadjuvante…

E Mank? O campeão de indicações (dez ao todo) somente levou duas estatuetas técnicas: fotografia (onde o preto e branco foi fenomenal) e design de produção, ambas merecidíssimas (embora o Oscar de design de produção para “Meu Pai” também seria muito justo, com tantas mudanças no mesmo cenário para expressar o Alzheimer do protagonista).

Thomas Vinterberg, diretor dinarmaquês, vence o Oscar de Melhor Filme Internacional com 'Druk' — Foto: Reprodução/Oscar
O discurso de Vinterberg sobre a morte da filha muito emocionou…

O prêmio para Melhor Atriz Coadjuvante foi sintomático dos novos tempos do cinema e da Academia, pois foi vencido por Yuh-Jung Youn, numa mostra de que a renovação dos membros da Academia está mundializando a premiação, não ficando apenas no terreno da premiação de indústria, com o objetivo de se fazer mais dinheiro. Como foi dito ontem na TV por Arthur Xexéo, essa nova visão de mundo do Oscar poderia muito bem dar a premiação à Fernanda Montenegro se “Central do Brasil” estivesse concorrendo hoje. O discurso de Youn foi um dos pontos altos da noite, onde ela brincou muito com a plateia, arrancando risadas. Ela disse que foi um prazer ver Brad Pitt, um dos produtores de “Minari”, pela primeira vez, e perguntou por que ele não apareceu nas filmagens. Disse que não estava lá para concorrer, pois não é melhor que Glenn Close (que disputava sua oitava estatueta e perdeu novamente) e que teve mais sorte que as demais. Disse que sempre viu o Oscar como um programa de TV na Coreia e que, finalmente, estava lá com eles.

Mia Neal vence Oscar de melhor maquiagem pelo trabalho em "A Voz Suprema do Blues" — Foto: AP Photo/Chris Pizzello
Mia Neal, a Melhor Maquiagem e Cabelo para “A Voz Suprema do Blues”…

As demais premiações: o curta de animação foi para “Se Alguma Coisa Acontecer, Te Amo”, um alerta para as mortes por armas nos Estados Unidos; “Two Distant Strangers” ganhou para Melhor Curta, um filme que mostra um afroamericano sendo morto pela polícia, com isso acontecendo recorrentemente (ao estilo de “Feitiço do Tempo”), com nosso protagonista sempre evitando morrer pela polícia, sem sucesso; “Collete”, um filme sobre uma ex-prisioneira de um campo de concentração voltando ao seu cativeiro depois de muitos anos ganhou o prêmio para curta documentário; “Professor Polvo” ganhou para Documentário longa (embora eu preferisse “Crip Camp”); o sofrível “Tenet” ganhou para efeitos visuais (embora eu preferisse “O Céu da Meia Noite”); e a canção ficou com “Fight For You”, para “Judas e o Messias Negro”.

Roteirista de 'Meu Pai' no Oscar — Foto: Reprodução
“Meu Pai” levou a premiação de Roteiro Adaptado…

Fazendo um balanço das premiações, repetiu-se a tendência dos últimos anos de não dar muitos Oscars a somente um filme. A já citada renovação da Academia está humanizando cada vez mais o Oscar, deixando de ser uma premiação americana de indústria para ser uma premiação que tem um enfoque muito maior na mundialização e na arte, o que aproxima o Oscar dos festivais europeus, mais conhecidos por premiar o talento e a arte. Ou seja, podemos terminar essas linhas com a frase batida de que “Há males que vêm para bem”, ou seja, a transformação profunda que a pandemia provocou em nossas vidas mudou também o Oscar, mas para melhor. Que a diversidade e a arte continuem a dar as cartas. E fiquem agora com a lista dos vencedores do Oscar abaixo, junto com os demais indicados.

Tiara Thomas, H.E.R. e Dernst Emile II levam Oscar de melhor canção original por "Fight For You", no filme de "Judas e o Messias Negro" — Foto: AP Photo/Chris Pizzello
Tiara Thomas, H.E.R. e Dernst Emile II ganharam o Oscar de melhor canção original por “Fight For You”, para o filme filme de “Judas e o Messias Negro”

Veja, abaixo, os vencedores do Oscar 2021 em negrito e grifados:

Melhor filme

  • “Meu pai”
  • ‘”Judas e o messias negro”
  • “Mank”
  • “Minari”
  • “Nomadland” (vencedor)
  • “Bela vingança”
  • “O som do silêncio”
  • “Os 7 de Chicago”

Melhor atriz

  • Viola Davis – “A voz suprema do blues”
  • Andra Day – “Estados Unidos Vs Billie Holiday”
  • Vanessa Kirby – “Pieces of a woman”
  • Frances McDormand – “Nomadland” (vencedora)
  • Carey Mulligan – “Bela vingança”

Melhor ator

  • Riz Ahmed – “O som do silêncio”
  • Chadwick Boseman – “A voz suprema do blues”
  • Anthony Hopkins – “Meu pai” (vencedor)
  • Gary Oldman – “Mank”
  • Steve Yeun – “Minari”

Melhor direção

  • Thomas Vinterberg – “Druk – Mais uma rodada”
  • David Fincher – “Mank”
  • Lee Isaac Chung – “Minari”
  • Chloé Zhao – “Nomadland” (vencedora)
  • Emerald Fennell – “Bela vingança”

Melhor atriz coadjuvante

  • Maria Bakalova – “Borat: fita de cinema seguinte”
  • Glenn Close – “Era uma vez um sonho”
  • Olivia Colman – “Meu pai”
  • Amanda Seyfried – “Mank”
  • Youn Yuh-jung – “Minari” (vencedora)

Melhor ator coadjuvante

  • Sacha Baron Cohen – “Os 7 de Chicago”
  • Daniel Kaluuya – “Judas e o messias negro” (vencedor)
  • Leslie Odom Jr. – “Uma noite em Miami”
  • Paul Raci – “O som do silêncio”
  • Lakeith Stanfield – “Judas e o messias negro”

Melhor filme internacional

  • “Druk – Mais uma rodada” (Dinamarca) (vencedor)
  • “Shaonian de ni” (Hong Kong)
  • “Collective” (Romênia)
  • “O homem que vendeu sua pele” (Tunísia)
  • “Quo vadis, Aida?” (Bósnia e Herzegovina)

Melhor roteiro adaptado

  • “Borat: fita de cinema seguinte”
  • “Meu pai” (vencedor)
  • “Nomadland”
  • “Uma noite em Miami”
  • “O tigre branco”

Melhor roteiro original

  • “Judas e o Messias negro”
  • “Minari”
  • “Bela vingança” (vencedor)
  • “O som do silêncio”
  • “Os 7 de Chicago”

Melhor figurino

  • “Emma”
  • “A voz suprema do blues” (vencedor)
  •  
  • “Mank”
  • “Mulan”
  • “Pinóquio”

Melhor trilha sonora

  • “Destacamento blood”
  • “Mank”
  • “Minari”
  • “Relatos do mundo”
  • “Soul” (vencedor)

Melhor animação

  • “Dois irmãos: Uma jornada fantástica”
  • “A caminho da lua”
  • “Shaun, o Carneiro: O Filme – A fazenda contra-ataca”
  • “Soul” (vencedor)
  • “Wolfwalkers”

Melhor curta de animação

  • “Burrow”
  • “Genius Loci”
  • “If anything happens I love you” (vencedor)
  •  
  • “Opera”
  • “Yes people”

Melhor curta-metragem em live action

  • “Feeling through”
  • “The letter room'”
  • “The present”
  • “Two distant strangers” (vencedor)
  • “White Eye”

Melhor documentário

  • “Collective”
  • “Crip camp”
  • “The mole agent”
  • “My octopus teacher” (vencedor)
  • “Time”

Melhor documentário de curta-metragem

  • “Colette” (vencedor)
  • “A concerto is a conversation”
  • “Do not split”
  • “Hunger ward”
  • “A love song for Natasha”

Melhor som

  • “Greyhound: Na mira do inimigo”
  • “Mank”
  • “Relatos do mundo”
  • “Soul”
  • “O som do silêncio” (vencedor)

Canção original

  • “Fight for you” – “Judas e o messias negro” (vencedor)
  • “Hear my voice” – “Os 7 de Chicago”
  • “Husa’vik” – “Festival Eurovision da Canção: A saga de Sigrit e Lars”
  • “Io sì” – “Rosa e Momo”
  • “Speak now” – “Uma noite em Miami”

Maquiagem e cabelo

  • “Emma”
  • “Era uma vez um sonho”
  • “A voz suprema do blues” (vencedor)
  • “Mank”
  • “Pinóquio”

Efeitos visuais

  • “Problemas monstruosos”
  • “O céu da meia-noite”
  • “Mulan”
  • “O grande Ivan”
  • “Tenet” (vencedor)

Melhor fotografia

  • “Judas e o messias negro”
  • “Mank” (vencedor)
  • “Relatos do mundo”
  • “Nomadland”
  • “Os 7 de Chicago”

Melhor edição

  • “Meu pai”
  • “Nomadland”
  • “Bela vingança”
  • “O som do silêncio” (vencedor)
  • “Os 7 de Chicago”

Melhor design de produção

  • “Meu pai”
  • “A voz suprema do blues”
  • “Mank” (vencedor)
  • “Relatos do mundo”
  • “Tenet”
Oscar 2021: veja como foi a noite de premiação
Uma turma da pesada…

Batata Movies 2 (Especial Oscar 2021). O Homem Que Vendeu Sua Pele. Humano No Valor De Mercado.

O Homem que Vendeu sua Pele - Filme 2019 - AdoroCinema
Cartaz do Filme

Dentre as nossas análises de filmes que concorrem ao Oscar desse ano de 2021, vamos falar hoje de “O Homem Que Vendeu Sua Pele”, que concorre à estatueta de Melhor Filme Internacional (ou a antiga categoria de Melhor Filme Estrangeiro), representando a Tunísia. Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.

O Homem que Vendeu Sua Pele e a mulher que não negocia sua visão – Persona  | Crítica Cultural
Ali vai se tornar literalmente uma obra de arte…

O filme narra a história de Sam Ali (interpretado por Yahya Mahayni), um cara que é apaixonado por sua namorada Abeer (interpretada pela deslumbrante Dea Liane). Mas a moça vai conhecer um homem mais rico por meio de sua mãe, que quer arrumar um casamento para ela. Ali, quando estava com Abeer num trem, foi tomado pelo impulso e disse em voz alta para todos os passageiros que faria uma revolução se casando com Abeer. Infelizmente as autoridades encararam isso como uma atitude subversiva (o casal vive na Síria pré-guerra civil) e Ali é preso. Por sorte, o policial que o interroga é seu parente e facilita a sua fuga. Ali terá que fugir para o Líbano e ficar longe de sua amada Abeer. Para piorar a situação, a moça se casa com o tal homem rico, já que a guerra civil explodiu na Síria e ela precisava também sair do país. Enquanto isso, Ali vai com um amigo para vernissages somente para fazer uma boquinha. Numa delas, ele conhece Soraya (interpretada por uma Monica Bellucci loura), que percebe que Ali é um refugiado sírio e não está na lista de convidados, o que leva a um conflito entre os dois. Mas o artista da vernissage fica interessado na condição de refugiado de Ali e lhe faz uma proposta: ele quer fazer uma tatuagem nas costas do moço e transformá-lo numa obra de arte, para mostrar ao mundo que um refugiado não tem livre trânsito pelo mundo, sendo visto de forma preconceituosa e sem valor, ao passo de que uma obra de arte, pelo seu valor de mercado, tem muito mais liberdade de acesso, viajando pelo mundo inteiro, mesmo que sendo apenas um objeto. Ali topa a oferta de emprego, onde ele vai ter que, em troca de um salário e uma moradia em Bruxelas (onde Abeer vive com seu marido), “ficar em exposição” em museus e centros culturais. O que parecia ser uma boa oferta de emprego e uma liberdade vai se transformar num verdadeiro inferno para Ali, pois ele será tratado como um objeto, não tendo uma liberdade como indivíduo ao fim das contas.

Pandora filmes | 'O Homem que Vendeu sua Pele': Oscar 2021! - Pandora filmes
Uma valiosa mercadoria perante os olhos das elites…

O filme é muito instigante, pois ele faz um provocante convite à reflexão, onde o valor de mercado é mais importante que a vida humana. Enquanto que obras de arte podem custar milhões de euros, em virtude de quem as produz, e viajam pelo mundo para ficarem em exposição, muitos refugiados de guerra são proibidos de permanecer em países nos quais buscam asilo político, sendo obrigados a voltar para os países de origem, sendo praticamente uma sentença de morte. Um problema que surgiu em virtude da expansão imperialista do século XIX que mergulhou muitas nações na pobreza e na instabilidade política que leva a guerras somente para enriquecer os países capitalistas desenvolvidos. O valor de mercado de um objeto ser maior que o valor de vidas humanas de continentes periféricos para o capitalismo mundial é só uma prova de como o poder do dinheiro dá as cartas desde sempre. Nosso Ali, num primeiro momento, acha que está tomando uma posição de emancipação, pois o corpo é dele e ele o vende para quem quiser. Entretanto, à medida que a obra de arte em suas costas ficava cada vez mais famosa, mais objetificado seu corpo ficava, a ponto dele ser literalmente vendido para um colecionador e, tempos depois, ser leiloado, perdendo completamente a sua liberdade como indivíduo.

Homem que Vendeu sua Pele, O (2020) | Cineplayers
Uma Monica Bellucci loura…

O filme, apesar de enfocar um tema altamente polêmico, não deixa de ter um bom gosto de comédia, em virtude da irreverência de Ali. E aí, muitos pontos para a atuação de Yahya Mahayni que provocou muitas risadas, inclusive fazendo uma troça com os preconceitos e rótulos. Por exemplo, depois que ele foi leiloado, ele desce do palco e anda em meio à elite rica, causando medo por sua origem muçulmana e, sabendo disso, finge que vai se explodir em meio à multidão, provocando um enorme pânico, para depois cair no chão em gargalhadas. Era a sua catarse e movimento de libertação frente à objetificação de seu corpo. Quando o seu visto de permanência vence na Europa e ele é expulso do continente, ele vê tal situação muito mais como libertadora e de alívio, pois vai voltar à sua terra natal, mesmo que ela esteja dominada pelo Estado Islâmico. O filme ainda tem um interessante plot twist no final, onde há uma história um tanto mal contada, mas nada disso tira a excelência do filme que é muito bom. Eu creio que, talvez uma das categorias do Oscar que mostre a melhor qualidade de filmes é a de Melhor Filme Internacional, já que filmes de todo o mundo concorrem com o que eles têm de melhor e o funil para os cinco finalistas é bem seletivo. Em tempos anteriores à pandemia, a gente podia ver em circuito de cinemas alternativos os candidatos a Oscar de Melhor Filme Internacional de vários países que almejavam uma vaga nos cinco finalistas. E geralmente são filmes de muita qualidade. Druk, que tem duas indicações, parece ser o favorito, já que o Oscar de Melhor Diretor (ao qual o diretor de Druk, Thomas Vinterberg também concorre) deve ir ou para “Bela Vingança” ou “Nomadland”, dando prêmio para uma das diretoras, que, cá para nós, também merecem. Mas a categoria de Melhor Filme Internacional sempre tem excelentes películas que sempre devem ser vistas.

Foto de O Homem que Vendeu sua Pele - Foto 6 - AdoroCinema
Ali vai lutar para reconquistar sua Abeer…

Dessa forma, “O Homem Que Vendeu Sua Pele” é mais uma grande produção que concorre ao Oscar de Melhor Filme Internacional, uma categoria que tem a tradição de sempre mostrar excelentes películas. É um filme que traz uma reflexão interessante sobre a importância dos valores de mercado sobre a vida humana e o faz com um humor que está todo em volta do protagonista, interpretado com muita eficiência.

Batata Movies 2 (Especial Oscar 2021). Quo Vadis, Aida? Mais Uma Vez, A Dura Realidade Da Guerra.

Quo Vadis, Aida ? poster - Foto 2 - AdoroCinema
Cartaz do Filme…

Dentre as nossas análises de filmes que concorrem ao Oscar nesse ano de 2021, vamos falar hoje de “Quo Vadis, Aida?”, que concorre à estatueta de Melhor Filme Internacional (a antiga categoria de Melhor Filme Estrangeiro). Esse filme representa a Bósnia-Herzegovina. Para podermos falar desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.

Quo Vadis, Aida?" revive um crime de guerra brutal - Folha PE
Aida, mais uma pessoa atormentada pela guerra…

O filme fala da história de Aida (interpretada por Jasna Djuricic), uma intérprete que trabalha para a ONU durante o conflito na antiga Iugoslávia na década de 90. Ela é de origem bósnia muçulmana e as tropas sérvias estão prestes a tomar a cidade de Srebrenica. Os moradores pedem que a ONU defenda a cidade e seu comandante promete que, se os sérvios invadirem, aviões irão bombardeá-los. Mas nada acontece e os sérvios tomam a cidade, provocando a fuga dos seus moradores que vão se refugiar numa base das Nações Unidas. Entretanto, a base não tem tamanho suficiente para todos e uma multidão fica do lado de fora. O comandante sérvio diz que quer conversar com representantes bósnios e acerta com eles uma evacuação para cidades bósnias, tudo sob o olhar complacente da ONU, que não recebe qualquer ajuda de fora para regular a situação. Homens e mulheres são separados nessa evacuação, com os homens sendo massacrados pelos sérvios. No meio de tudo isso, Aida procura esconder seu marido e seus dois filhos do massacre certo. Mas a letargia das Nações Unidas, que nada faz para conter o avanço dos sérvios, é um obstáculo praticamente intransponível.

Quo Vadis, Aida?', no Oscar, não é só denúncia de um massacre terrível -  19/04/2021 - Ilustrada - Folha
Trabalhando como intérprete das Nações Unidas…

É um filme muito desesperador e uma espécie de viagem no tempo, quando o conflito da Iugoslávia era diariamente relatado na TV, assim como os casos de genocídio. As imagens chocavam o mundo e a pergunta era sempre a mesma: por que a ONU e a OTAN nada faziam perante o massacre de muçulmanos no caso da Bósnia? Isso quando a gente se lembra que esses massacres não aconteceram somente na Bósnia, mas também na Croácia e em Kosovo, sempre sob o olhar complacente da ONU. Os bósnios somente vão ter alguma voz em tudo isso justamente com esse filme que comentamos agora, décadas depois de tudo ocorrido.

Quo Vadis, Aida?': um drama de tirar o fôlego sobre guerra na Bósnia | VEJA
Uma ONU letárgica…

O que é muito complicado nessa guerra em específico é que todas essas nações que se digladiaram na década de 90 eram um país unificado, a Iugoslávia, com essa situação perdurando por décadas. Se a diversidade cultural foi um elemento explosivo na detonação do conflito, isso não impediu que essas pessoas interagissem e se conhecessem, cujos desentendimentos as fizeram inimigas posteriormente. É emblemático o caso do soldado sérvio que foi aluno de Aida, que era professora antes de ser intérprete na guerra. E, mesmo depois do fim do conflito, esses povos continuaram a viver juntos, com Aida retornando a seu lar, que tinha sido ocupado por outra família. Os apartamentos vazios eram um indício de que todos os seus moradores haviam sido mortos na guerra, sendo ocupados por outras pessoas. Aida irá retornar à sua função de professora depois da guerra e o desfecho do filme é muito emblemático: sérvios e bósnios juntos vendo as crianças no teatrinho da escola que cobrem e descobrem seus olhos, como se fizessem vista grossa para todos os massacres e horrores do passado. Ou seja, as disputas e limpezas étnicas (outro termo muito em voga na década de 90 quando se referia ao conflito) não impediram que esses povos continuassem a viver juntos. Mas que fica um gosto muito amargo em tudo isso, ah isso fica.

Foto de Quo Vadis, Aida ? - Foto 4 - AdoroCinema
Sérvios faziam o que queriam…

Dessa forma, “Quo Vadis, Aida” é um forte concorrente ao Oscar de Melhor Filme Internacional, embora Druk pareça o favorito. Pode ser mais um filme convencional de guerra, mas pelo menos dá voz a um povo que foi derrotado e massacrado, algo que é muito importante, pois vai um pouco na contramão da regra geral de que a História é escrita pelos vencedores.