Batata Literária – As Pedras e o Mar

Eu estava no Arpoador.
Eram seis da tarde.
Minha alma em profunda dor,
apesar da flor da idade.
Vivia em traiçoeiro torpor.
Não me acompanhava a serenidade.
Tal como no shakesperiano ator,
me perseguia a brutalidade.
Súbito, olho lá embaixo as pedras
atacadas pelas águas irrequietas.
Uma luta insignificante,
pois a violência do mar não é o bastante
para derrotar a dureza das rochas
que resistem bravamente às vagas insólitas.
Mar burro, assim penso.
Luta em vão, todo tenso.
Mas percebo coisas surpreendentes.
As pedras, que parecem tão resistentes,
na verdade não são perenes
e, lentamente, são destruídas pelas águas insolentes.
A rocha esquerda tem um buraco,
a rocha direita tem um vão.
Mesmo espraguejando como um velhaco,
os sólidos contra os líquidos não têm superação.
Que lição tiro disso tudo?
A vida é luta e persistência!
Não é só a teoria do estudo,
mas também do empirismo sua eficiência.
A depressão me traz o lirismo.
Mas devo buscar também o pragmatismo.
Por isso, não posso mais tempo perder!
Tenho mais é que criar vergonha na cara, lutar e parar de sofrer!

Batata Literária – Um Brasileiro Chamado Silva (à Ayrton Senna).

Ele adorava correr
desde menino.
Sem a velocidade temer,
esquecia que era franzino.
E pensava nos grandes campeões,
que tinham dado a vida e suas ilusões.
Pelo simples prazer da audácia,
ele subia no seu kart sem falácia.
Logo, o menino Silva cresceu.
Foi à Europa em busca de mais perigos.
Apesar das dificuldades, seu coração não esmoreceu
e fez aliados e inimigos.
Ao ingressar na Fórmula Três,
muito sucesso ele fez.
Seu talento e sobrenome
mudaram até o nome de Silverstone.
Finalmente, ele chega à Fórmula Um.
Mundo sem afeto algum.
Todos os pilotos querem ganhar,
mesmo que um ao outro tenham que prejudicar.
Em seu primeiro ano, o brasileiro foi tripudiado
em favor do francês laureado.
Mas ele assimilou a frieza
e ganhou três campeonatos mundiais com destreza.
Já era herói nacional
quando se deparou com Imola.
Na Tamburello, o acidente fatal.
Mais uma vítima fazia a curva facínora.
Uma pátria inteira chorou sua morte
e a ele cantou uma ode.
Era o tema da vitória,
que, na manhã dos domingos, entrou para a história.

Batata Literária – A Prostituta da Noite

Era noite.
Andava eu em maio ao cais, desolado.
Ao fundo, o mar pouco se mexia
no negro aveludado.
Ratazanas agitadas desafiavam minha humana hierarquia.
Madeiras podres
exalavam fortes odores.
A decadência total sem prévios rumores.
Mas, ao fundo do cais
surgiu uma figura translúcida, quase opaca.
Barbarizada pelos ventos de sais,
a prostituta se revelava quebradiça e fraca.
Lançava para mim um sorriso sedutor,
dizendo que me daria prazer, jamais dor.
Queria dinheiro e não compromisso.
“Aproveite! Entre minhas pernas, há um portal para o paraíso!”
Olhei no fundo de seus olhos
e vi toda uma história de vida:
infância sofrida,
violada pelo pai,
sem poder dizer ai,
trabalhando para ajudar
a mãe a família a sustentar,
usada e abusada por homens que não vão pagar.
Não aguentei, uma lágrima saiu
e o sorriso da prostituta sumiu.
“Babaca!”, ela me chamou
e no véu noturno ela se embrenhou,
enxugando outra lágrima,
a lágrima que nos torna humanos,
que nos tira da loucura máxima
e desperta sentimentos não profanos.

Batata Literária -A Autopiedade (Série Obscura)

Encerro hoje a minha série obscura de quatro poesias sobre os defeitos humanos. Falemos hoje da autopiedade…

Pobre de mim!
Sou um coitado!
A vida é uma crueldade sem fim!
E sou sempre vitimado!
Sou perseguido por todos!
Vejo conspiração em toda a parte!
Minha existência nada tem de arte.
É apenas um fluxo interminável de enjoos.
Por que o mundo me odeia?
O que fiz de mal contra quem me cerceia?
Assim que vi a perseguição, apenas fugi
e aí mais atrás de mim correram, nunca vi.
Dando explicações injustificadas,
falando coisas erradas.
Eu juntava um pouco de coragem e, grosseiro, retrucava,
e a pessoa fechava a cara e se afastava.
Desde então, a mim próximo fica
em estado de revolta explícita.
Será que falei algo de errado?
Por que todo esse estado?
A vítima aqui sou eu!
Ninguém sabe quem mais sofreu.
Portanto, tenho o direito de temer
e a quem eu quiser desmerecer.
Concluindo essas linhas, continuo sem uma coisa entender:
por que não gostam de minha pessoa e me fazem padecer.
Será que é verdade aquele negócio
de que o medo gera a mentira e o ódio?
Será que a culpa não é minha,
dessa trajetória tão sem linha?
Não, isso ser não pode,
pois a autopiedade é a minha ode.

Batata Literária – O Desprezo (Série Obscura).

Todos para mim são insignificantes.
Pessoas com pensamentos irritantes.
Criaturas sem maneiras
que só falam baboseiras.
Não reconheço virtudes em outrem.
Só em mim e em mais ninguém.
Não, não é falta de humildade!
É o reconhecimento nos outros de total incapacidade.
Mas minha perversidade tem outra faceta:
quando quero atingir a quem me corteja,
passo a ignorar totalmente a vítima.
Nunca mais ela tem a minha estima.
Eu rio com o seu desespero.
Me delicio com o seu destempero.
E, quando a graça passa,
me esqueço de tudo de foma devassa.
Já me reconheceram?
Isso mesmo! Sou o desprezo!
O pior jeito de tratar aqueles que comigo se meteram,
como para alguém que fica surpreso
de se deparar com um ser indesejável
e, por isso, toma uma atitude odiável
que é a de machucar, de ser o algoz
de seu alvo, de jeito tão atroz!
Depois que passo pela vida de uma pessoa,
pouco sobra, ela deixa de ser boa.
O inferno se instaura
com o simples objetivo de corroer a aura.
É assim que você acaba com o seu inimigo.
Primeiro finge ser amigo,
depois, para você, ele nem existe,
acabando com ele, deixando-o todo triste.

Batata Literária – O Medo (Série Obscura)

Oh, Deus, eu tenho medo!
Muito medo!
Sinto o perigo me espreitando!
A adrenalina me desesperando!
Não é um sentimento fugaz,
jamais tenho paz!
O pavor faz parte da minha vida
e  a insegurança por mim é sentida.
Por que todo esse terror?
Não sei, é a minha dor!
Às vezes, acho que vejo demais.
Mas logo volto aos meus sentimentos banais.
Minha coragem está estagnada.
Minha impetuosidade desligada.
A sensação mais forte
é o frio na espinha sem sorte.
Já pensei em lutar contra isso
mas rapidamente desisto sem aviso.
Pois sinto que esse medo faz parte de mim
e tirá-lo agora não dá mais assim.
Na verdade, ele é meu parceiro inseparável.
Viver sem esse calafrio é algo refutável.
Aliás, como poderei sem esse estado justificar
o papel de vítima que quero aparentar?
Por isso, abraço o pavor.
Ele é o meu guia, o meu mentor.
Nada mais me importa
se meu coração não palpita nem emborca.
Isso já está no meu sangue.
Não é um sentimento estanque.
Portanto, só há uma grande verdade:
sou um tremendo de um covarde!

Batata Literária – A Ingratidão (Série Obscura)

Nota do autor: Farei uma pequena série de poesias conhecida como “obscura”, que abordará alguns defeitos humanos. Serão quatro poesias. Não tenho uma intenção inicial de ampliar essa série, embora ninguém sabe o que nos reserva o amanhã. A primeira poesia vai falar de um dos piores defeitos humanos, a ingratidão…
Eu gosto de tudo dos meus amigos ganhar
para nada em troca dar.
Sou mesquinha, egoísta e insensível.
A ternura eu acho algo risível.
A afeição é uma dama horrível.
O carinho é coisa de bobinho.
O companheirismo eu vejo com cinismo.
Minha virtude é só pensar em minha atitude.
Alguns vão me condenar.
Mas eu não estou nem aí para quem quer me criticar.
Faço pouco daqueles que pensam em mim.
Que idiotas! Penso eu, como quem manipula um arlequim.
Minha intenção é eu me aproveitar das pessoas.
Tirar mais delas quanto mais forem tolas.
Porque o mundo é dos espertos
e não de quem comete atos incertos.
Qual é a minha estratégia?
Fingir-me de boazinha e te conquistar, para a tua miséria.
Então, tu cais como um patinho.
Me presenteias com todo o seu carinho.
Finalmente, quando estou farta de ti,
te descarto como algo que nunca vi.
Sem qualquer peso na minha alma,
a ruindade é o meu amálgama.
Esse é o meu estilo de vida.
Não me importo com a mente sofrida.
Só penso em mim mesmo.
Escolho minhas vítimas a esmo.
Para não parecer que tenho alvos escolhidos.
Você sabe, dissimulada eu sou para cobrir indícios.
Dos imbecis, tudo tirarei
e com remorso jamais ficarei.

Batata Literária – Metrópolis

Nota do autor: esse filme foi o começo de meu interesse por toda a arte desse mundo. Ele provocou uma guinada completa em minha vida, onde eu descobri novas experiências e pessoas. Devo minha vida a ele, que ficou bem mais interessante após eu conhecê-lo. As linhas desta poesia são apenas uma pequena retribuição a tudo que esse filme me deu…

 

O ano era dois mil e vinte e seis.
O melhor e o pior dos tempos do escritor inglês
conviviam de uma vez
numa gigantesca cidade em sua altivez.
Metrópolis! Símbolo da engenhosidade e inteligência humanas!
Sessenta milhões de pessoas abrigava em suas entranhas.
Mas nem tudo eram flores nesse templo do capitalismo,
com uma horda de pobres morando no fundo do abismo.

Lá, uma pequena líder dos trabalhadores
pregava o amor entre explorados e seus empregadores.
O filho do grande patrão por ela se apaixonou
e um submundo encontrou,
descobrindo a miséria com indignação.
Logo, começou a lutar contra tal maldição.
Mas um antigo cientista bruxo
criou uma mulher mecânica para satisfazer seu luxo.
Entretanto, o patrão ordenou ao inventor
que, à máquina fosse dada num estupor
a forma da líder operária
para o grande chefe manipular os subordinados de forma ordinária.
Mas a robô saiu de seu controle infame
e pregou o ódio e a revolta como uma pusilânime.
Os operários destruíram as máquinas da maldade
sem saber que, com isso, inundavam sua própria cidade.

Mas a sagrada líder e o filho do patrão
salvaram os filhos dos trabalhadores da inundação.
Confundida com o robô maligno,
a líder quase foi queimada num fogo indigno.
Destino dado ao ser mecânico malogrado
enquanto que, da catedral, caía o cientista tresloucado.
Ao final, o filho do grande patrão
une capital e trabalho com um aperto de mão.