Batata Literária – Mudo e Falado (Debate Interminável)

Filme mudo ou falado,
filme falado ou mudo,
eis um debate acalorado,
eis um debate que explica tudo.
Os amantes da tecnologia preferem o falado,
os amantes do cinema preferem o mudo.
O som! Atrapalha ou ajuda a imagem?
Que dúvida paira nessa nossa viagem!
Nos primórdios não havia o som.
A pantomima era uma constante,
a linguagem se baseava na imagem
de forma elaborada e nada pedante.
Em terras tropicais houve uma tentativa
de se levar o som à nova arte imaginativa
atores e atrizes de revista ficavam atrás da tela
cantando em plenos pulmões uma melodia singela.
Anos depois, chegou o vitaphone.
Grava-se o som no disco
e coloca-o no gramofone.
Pronto! O som chegou ao cinema!
Mas a sincronia ainda não era um estratagema!
Tal problema só foi resolvido
quando o sistema movietone os técnicos haviam conseguido
e finalmente o som foi estabelecido.
Desde então o debate começou.
Criticam o som Vinícius e Charlot.
Cinema falado como teatro filmado
só podia dar errado.
Mas o som conquistou o seu espaço,
a tecnologia entra fria como aço,
o som explica a materialidade visual
e o cinema nunca mais foi igual.

Batata Literária – O Expressionista

Minha função é expressar emoções,
da forma mais intensa e aguda possível.
Sofro muito!
Quero gritar!
Sinto dores!
Grito!
Choro!
A agonia me corrói!
Minha angústia existencial
distorce o mundo à minha volta.
Não enxergo a realidade objetivamente.
Tenho alucinações.
De repente, me lembro de meus amigos,
mortos no campo de batalha.
Mortos por uma máquina de Estado,
minha arte luta contra os poderosos!
O Expressionismo oscila, portanto,
entre o pessoal e o social,
entre o subjetivo e o objetivo,
entre o claro e o escuro,
antíteses postas,
herdadas do Barroco e do Romantismo,
colocadas de forma extremamente anti-natural,
para expressar fortes sentimentos interiores.
Meus quadros são feitos com tintas fortes.
Minhas poesias com exclamações agudas.
Minhas peças teatrais com fortes maquiagens.
Meus filmes com fortes contrastes.
Caligari foi minha inspiração.
Nosferatu foi meu pai.
Fausto foi meu filho.
Metrópolis é minha alma!
grito

Batata Literária – O Herege

Eu não creio em Deus,
repudio todas as religiões.
Repudio a fé.
Nego o sacrifício de Cristo.
Não vejo diferença entre o Salvador e Lúcifer.
Abomino o clero e sua ostentação.
Me revolto com a pompa dos cardeais
e o ouro dos papas ancestrais.

Por que todo o meu ódio contra a fé?
Porque a fé emburrece.
A fé reprime!
A fé diminui!
A fé aliena!
Vejam, meus caros, que paradoxo!
Como o fato de se acreditar em algo tão amplo
estreita a visão de mundo dos mortais desde Eudoxo!

A vida delimitada por regras rígidas,
por dogmas frios e irracionais,
por homens de batina que dizem o que você deve fazer,
a quem você deve obedecer,
a quem você deve desmerecer.
A palavra religião não significa religar?
Por que, então, semeia tanta discórdia?
Tanta intolerância que não se pode suportar?

Por isso, sou o herege.
Odeio do fundo do meu coração os fiéis e os crentes,
cegos e intolerantes,
espalham a violência com fortes ditos entre os dentes.
Dizem que amam o próximo,
mas desde que o próximo concorde com suas palavras eternas,
pois, caso contrário,
condenam o pobre indivíduo às trevas.

herege

Batata Literária – O Guerreiro

Eu sou o guerreiro.
Luto por minha pátria.
Tudo o que importa é a minha terra,
minha cultura e meu povo.
O inimigo quer nos destruir.
Mas não vou deixar.
Quero destruir! Quero matar!
Aqueles que nos querem um fim dar.
Vou de cabeça erguida
ao campo de batalha.
Com um ímpeto de combate,
olhando nos olhos do inimigo,
para dar-lhe medo.
Mas também estou com medo.
Entretanto, não posso arrefecer!
O inimigo é que tem que me temer!
A batalha começa!
Mato um, dois, três, dez, mil!
Com minha metralhadora!
Não deixo um em pé!
Mas, de repente,
sinto falta de minha mãe,
de meu pai, de meus irmãos,
de minha amada…
Súbito, sinto uma pancada.
Caio ao chão.
Estou mortalmente ferido.
Não me resta muito tempo.
Olho para o céu negro.
Nunca mais verei minha mãe, meu pai, meus irmãos!
E minha amada não terá mais o casamento que queria comigo.
Ela se casará com outro homem e me esquecerá.
Esse é o preço de se defender a pátria…
Minha amada pátria!!!!!
guerreiro

Batata Literária – O Fugitivo

Por Carlos Lohse

Lamentamos informar, mas não conseguimos a foto do fugitivo. Ele foi mais rápido que nós…
Eu sou o fugitivo.
Vivo fugindo.
Fujo de meus temores,
fujo de minhas angústias,
fujo de meus pavores,
fujo de meus desesperos,
fujo de minhas ânsias.
Minha covardia é pequena.
Fujo, também, de minhas responsabilidades,
fujo de meus riscos,
fujo de minhas paixões,
fujo de minhas tentativas,
fujo de minhas esperanças,
fujo daquilo que eu poderia ser
mas que jamais serei.
Minha covardia cresce.
Essa é a vida do homem em fuga.
O medo o congela,
o medo não o impele a ir adiante,
o medo o desgraça.
O único impulso que o medo dá
é o impulso que leva o homem a fugir
para cada vez mais longe, mais distante.
Minha covardia é grande.
Por isso, fujo. Apenas fujo.
Corro até ao infinito,
até a muito longe de todos
por medo e por vergonha.
Fujo, fujo e fujo.
Minha alma está em frangalhos.
Sou totalmente dominado pelo medo.
Minha covardia é infinita.

Batata Literária – Poesia de Rodoviária

Por Carlos Lohse

As pessoas vêm, as pessoas vão.
As pessoas vêm, as pessoas vão.
Quantos sonhos,
quantas desilusões,
quantas mágoas e frustrações.
Quantas esperanças,
quantas sabedorias,
passam à minha frente, numa torrente de emoções.
Quantas histórias de vida!
Bons exemplos e maus exemplos
fechados dentro de cada ser.
Para onde vão?
De onde vêm?
À trabalho, diversão?
Para sempre ou pendularmente?
Tudo isso me dá aflição.
É, a vida é assim,
milhares de pessoas aqui passam todos os dias,
todas juntas mas, ao mesmo tempo,
todas separadas.
Por mais estranho que isso possa parecer,
quanto mais gente há,
mais indiferente o ser fica
mais egoísta o humano se torna.
Por isso que eles apenas caminham,
compenetrados, fechados em si mesmos,
pensando em suas vidas, em seus problemas,
sem olhar para o próximo ao lado.
E eu, que daqui a pouco
também entrarei nessa torrente
tiro, numa rima pobre, apenas uma conclusão:
as pessoas vêm, as pessoas vão.
rodoviaria

Batata Literária – Mário (à Mário Peixoto)

Era um menino muito franzino,

muito recluso, muito fechado.

Muito ligado à avó,

que, na adolescência foi estudar na Inglaterra.

Lá, teve contato íntimo com o cinema.

Se apaixonou pelos filmes alemães.

Mas sofria muito com a frieza do povo inglês

e, por isso, teve como amigos filhos do Império japonês.

De volta ao Brasil,

tinha como amigos estudiosos do cinema

que fundaram um periódico

cuja função era estudar o cinema teoricamente.

Ele via tudo à distância,

mas buscava um enredo para um scenario

do fundo de sua alma

onde a teoria vinha apenas como um apoio.

Logo escreveu o scenario.

Entregou-o para um diretor de cinema

e para outro.

Qual foi a conclusão dos dois?

O próprio menino franzino deveria dirigi-lo.

O scenario era complicado demais.

E todos aqueles que militavam pelo cinema

logo começaram a ajudá-lo.

De todo esse esforço

saiu um filme único, maravilhoso.

Um filme que explorava

a limitação da condição humana

perante o Universo.

Onde toda a angústia do ser

era exposta de forma fria e crua,

uma reflexão de até onde nós podemos ir em nossas vidas.

Mário Peixoto, um dos grandes cineastas brasileiros, que escreveu um roteiro e dirigiu aos 16 anos.
Mário Peixoto, um dos grandes cineastas brasileiros, que escreveu um roteiro aos 16 anos, e dirigiu “Limite”, considerado por muitos especialistas o maior filme brasileiro de todos os tempos.

Batata Literária – Penumbra

Eu sou a penumbra.
Aquela que está entre o claro e o escuro,
entre o amor e o ódio,
entre a alegria e a tristeza,
entre a tolerância e a intolerância,
entre a afeição e o desprezo.
Sou a linha tênue que une as dicotomias.
Estou espremida entre forças opostas.
Eu sou muito desfocada
e tento separar coisas bem definidas,
ou tento unir coisas bem definidas?
Essa indefinição me angustia,
essa indefinição me indefine.
Sou o sim ou sou o não?
O mais ou menos não me satisfaz.
De que lado estou?
Ou será que tenho uma função mediadora?
Tenho aversão aos extremos?
Tenho aversão aos exageros?
Serei, então, um ponto de equilíbrio?
Tenho função de acalmar forças tão opostas?
Oh, que tarefa ingrata
dada a alguém tão delicada, fina e tênue como eu!
Por que me foi dado tão pesado fardo?

Talvez eu tenha recebido esse malfadado trabalho
justamente por ser tão frágil
para que todos se lembrem
que os equilíbrios são muito instáveis
à medida que os extremos se tornam tão violentos.
Por isso, sou tão fina,
tão quebradiça e tão delicada,
sucumbindo à ignorância dos exageros.

penumbra