Batata Literária – O Andarilho

Todo dia eu caminho.
Caminho, caminho…
Vendo o mundo passar por meus olhos…
Desde a menina pobre na porta de casa,
até o rei em seu trono de ouro
Esse mundo é tão cheio de nuances,
justiças e injustiças,
que nada me impressiona mais…

Certo dia, passava eu à beira do rio,
Havia um coração enterrado em sua margem,
‘Deve estar seco’, pensei eu,
Será que um dia foi cheio de vida?
Ou sempre foi daquele jeito, distante e frio?
Ah, nada mais importa!!!!
Seu tempo já passou,
e ninguém pensa mais nele…

Meus pés doem…
Meus sapatos já estão furados…
Não tenho mais forças…
E desmorono só de pensar
que ainda nem cheguei a metade de minha jornada
Ela é praticamente infinita…
Mas, quanto é metade do infinito?
Oh, céus, devo estar delirando…

Por que o andarilho anda?
Por que minha jornada é infinita?
Porque ando pela mais rara das coisas
Prometi não parar de andar
Todo dia caminhando
Incessantemente…
Ininterruptamente…
Enquanto não houver a paz mundial…

E você? Quer me ajudar a parar de andar???
Estou exausto…

Batata Literária – As Conchinhas

Eu estava na praia
de areia branca infinita.
Além dos ovos de arraia,
tinha o azul do mar, de candura bonita.
Outros detalhes interessantes
nesta vasta marina
são as conchinhas, fulgurantes
cujas superfícies o branco ilumina.
É impressionante o universo de cores
que as conchinhas abrigam.
Todos os tons e matizes elas possuem sem pudores.
Grande variedade elas indicam.
Eu prefiro as negras,
pois do branco elas destoam.
Mas há as amarelas, transparentes, lilases e vermelhas
e o som do mar nelas ressoam.
Esses pedaços de calcário
refletem a vida no meu imaginário.
Pois abrigam seres vivos
e, agora, lentamente viram pó.
As muitas cores mostram a diversidade e seus mitos.
Espelhos de um passado que pode dar dó.
Finalmente, na minha inconsequente comparação,
assim como os humanos, vejo as conchinhas fitando as vagas em contemplação.
Todos esses pensamentos me vêm à mente
enquanto caminho à beira do oceano.
O vento úmido e salgado corta a minha fronte impiedosamente
com a agressividade do antigo Cirano.
Já as conchinhas permanecem sobre a areia
enquanto o horizonte o Sol permeia.
Logo, virá a noite e suas vias estreladas,
conchinhas no firmamento entronadas.
O autor e suas conchinhas

Batata Literária – Espírito de Ano Novo

Mais um ano começa!
Será que ele vai me pregar mais uma peça?
Ou dessa vez ficarei feliz à beça?
Só espero sair da inércia
e cumprir as famosas resoluções!
Cuidar da saúde, emagrecer, enriquecer são minhas intenções.
As mesmas dos anos passados
e, por mim, esquecidas sem abalos.
Confesso que, às vezes tenho medo
do que está por vir.
Será que a morte virá cedo?
Será que da tristeza não poderei fugir?
O futuro incerto
é um tormento, decerto.
Sinto que, para não agonizar,
tenho que fazer o tempo parar.
Mas os tempos vindouros
também podem trazer louros:
o carinho dos amigos,
a distância dos inimigos,
a brisa das mudanças,
que traz novas esperanças.
A realização das almas,
para a intelectualidade, muitas palmas.
Após tantas relfexões
tiro algumas conclusões.
Não é o futuro que nos define.
Não é o destino que nos restringe.
Nossos próprios atos
é que devem ser sensatos
para as mudanças buscar
e dos fantasmas do passado escapar.

Batata Literária – Numa Churrascaria da Zona Sul

Copacabana, vinte horas.
Estou na churrascaria.
Espero minha amada sem demora
voltar de seu emprego na galeria.
No restaurante, um mar de pessoas inconstantes.
Alguns falam a língua pátria.
Outros idiomas de terras distantes,
turistas até das terras ádrias.
Muito estranhos, esses estrangeiros!
Negros americanos, rindo cheios de trejeitos.
Nórdicos gordos e de bochechas vermelhas.
Francesas formosas e faceiras,
mas obsoletas perto da beleza das brasileiras,
que também povoam o local,
desfilando sua graça natural,
perfumando o ambiente com o seu floral.
E os funcionários?
Ah, esses trabalham de dar pena,
pois recebem baixos salários
e ainda labutam até muito depois da novena.
Desfilam carnes saborosas
mas têm vidas nada suntuosas.
Definitivamente, o sotaque não é de Trieste.
São eles quase todos do Nordeste.
Pois é.
É interessante como a injustiça do mundo
se expressa cheia de fé
nesse sítio profundo.
Uns muito comem e pouco pagam.
Outros muito trabalham e pouco recebem.
Os ricos têm luxos que se destacam
e os pobres, uma vida em que quase perecem.

Batata Literária – As Pedras e o Mar

Eu estava no Arpoador.
Eram seis da tarde.
Minha alma em profunda dor,
apesar da flor da idade.
Vivia em traiçoeiro torpor.
Não me acompanhava a serenidade.
Tal como no shakesperiano ator,
me perseguia a brutalidade.
Súbito, olho lá embaixo as pedras
atacadas pelas águas irrequietas.
Uma luta insignificante,
pois a violência do mar não é o bastante
para derrotar a dureza das rochas
que resistem bravamente às vagas insólitas.
Mar burro, assim penso.
Luta em vão, todo tenso.
Mas percebo coisas surpreendentes.
As pedras, que parecem tão resistentes,
na verdade não são perenes
e, lentamente, são destruídas pelas águas insolentes.
A rocha esquerda tem um buraco,
a rocha direita tem um vão.
Mesmo espraguejando como um velhaco,
os sólidos contra os líquidos não têm superação.
Que lição tiro disso tudo?
A vida é luta e persistência!
Não é só a teoria do estudo,
mas também do empirismo sua eficiência.
A depressão me traz o lirismo.
Mas devo buscar também o pragmatismo.
Por isso, não posso mais tempo perder!
Tenho mais é que criar vergonha na cara, lutar e parar de sofrer!

Batata Literária – Um Brasileiro Chamado Silva (à Ayrton Senna).

Ele adorava correr
desde menino.
Sem a velocidade temer,
esquecia que era franzino.
E pensava nos grandes campeões,
que tinham dado a vida e suas ilusões.
Pelo simples prazer da audácia,
ele subia no seu kart sem falácia.
Logo, o menino Silva cresceu.
Foi à Europa em busca de mais perigos.
Apesar das dificuldades, seu coração não esmoreceu
e fez aliados e inimigos.
Ao ingressar na Fórmula Três,
muito sucesso ele fez.
Seu talento e sobrenome
mudaram até o nome de Silverstone.
Finalmente, ele chega à Fórmula Um.
Mundo sem afeto algum.
Todos os pilotos querem ganhar,
mesmo que um ao outro tenham que prejudicar.
Em seu primeiro ano, o brasileiro foi tripudiado
em favor do francês laureado.
Mas ele assimilou a frieza
e ganhou três campeonatos mundiais com destreza.
Já era herói nacional
quando se deparou com Imola.
Na Tamburello, o acidente fatal.
Mais uma vítima fazia a curva facínora.
Uma pátria inteira chorou sua morte
e a ele cantou uma ode.
Era o tema da vitória,
que, na manhã dos domingos, entrou para a história.

Batata Literária – A Prostituta da Noite

Era noite.
Andava eu em maio ao cais, desolado.
Ao fundo, o mar pouco se mexia
no negro aveludado.
Ratazanas agitadas desafiavam minha humana hierarquia.
Madeiras podres
exalavam fortes odores.
A decadência total sem prévios rumores.
Mas, ao fundo do cais
surgiu uma figura translúcida, quase opaca.
Barbarizada pelos ventos de sais,
a prostituta se revelava quebradiça e fraca.
Lançava para mim um sorriso sedutor,
dizendo que me daria prazer, jamais dor.
Queria dinheiro e não compromisso.
“Aproveite! Entre minhas pernas, há um portal para o paraíso!”
Olhei no fundo de seus olhos
e vi toda uma história de vida:
infância sofrida,
violada pelo pai,
sem poder dizer ai,
trabalhando para ajudar
a mãe a família a sustentar,
usada e abusada por homens que não vão pagar.
Não aguentei, uma lágrima saiu
e o sorriso da prostituta sumiu.
“Babaca!”, ela me chamou
e no véu noturno ela se embrenhou,
enxugando outra lágrima,
a lágrima que nos torna humanos,
que nos tira da loucura máxima
e desperta sentimentos não profanos.

Batata Literária -A Autopiedade (Série Obscura)

Encerro hoje a minha série obscura de quatro poesias sobre os defeitos humanos. Falemos hoje da autopiedade…

Pobre de mim!
Sou um coitado!
A vida é uma crueldade sem fim!
E sou sempre vitimado!
Sou perseguido por todos!
Vejo conspiração em toda a parte!
Minha existência nada tem de arte.
É apenas um fluxo interminável de enjoos.
Por que o mundo me odeia?
O que fiz de mal contra quem me cerceia?
Assim que vi a perseguição, apenas fugi
e aí mais atrás de mim correram, nunca vi.
Dando explicações injustificadas,
falando coisas erradas.
Eu juntava um pouco de coragem e, grosseiro, retrucava,
e a pessoa fechava a cara e se afastava.
Desde então, a mim próximo fica
em estado de revolta explícita.
Será que falei algo de errado?
Por que todo esse estado?
A vítima aqui sou eu!
Ninguém sabe quem mais sofreu.
Portanto, tenho o direito de temer
e a quem eu quiser desmerecer.
Concluindo essas linhas, continuo sem uma coisa entender:
por que não gostam de minha pessoa e me fazem padecer.
Será que é verdade aquele negócio
de que o medo gera a mentira e o ódio?
Será que a culpa não é minha,
dessa trajetória tão sem linha?
Não, isso ser não pode,
pois a autopiedade é a minha ode.