Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas. Radiografando Um Longa. O Filme (Segunda Parte).

 

Wise, Rodenberry, Shatner, Kelley e Nimoy. Pérola de bastidor.

Quais são as grandes virtudes de “Jornada nas Estrelas, o Filme”? Em primeiro lugar, o filme se aproxima de uma das propostas da série, que é a de fazer uma ficção científica intelectualizada. Víamos alguns episódios que acompanhavam esse esquema. Era colocado um problema inicial, que geralmente ameaçava a integridade da nave e da tripulação, e quebrando muito a cabeça, nossos personagens buscavam a solução para sair daquela enrascada que o desconhecido colocava à sua frente. Eu me lembro de um episódio em que era encontrado um buraco no espaço e, ao entrar para investigar, eles se depararam com um enorme ser vivo em formato de ameba gigante, que sugava toda a energia à sua volta, inclusive da Enterprise. A partir daí, a tripulação passava o resto do episódio procurando uma forma de sair dali. Nesses momentos, a série se aproxima da ficção científica da melhor qualidade.

Um elo mental que revela inquietações.

Ainda seguindo a linha de ficção científica requintada, a insistência em Kirk de colocar a nave em dobra, com o seu reator de dobra ainda defeituoso, enfiou a Enterprise num buraco de minhoca (forte distorção espaço-temporal provocada por um intenso campo gravitacional, ou no caso do filme, pelo reator de dobra em mau funcionamento), onde a velocidade aumentava de forma descontrolada, criando uma violenta distorção espaço-temporal que impossibilitava a reversão da dobra. Quanto maior a velocidade, mais lentamente a tripulação se comportava. Por que isso?

Vulcano na versão original de 1979.

Na Teoria da Relatividade Especial de Einstein, existe o chamado “paradoxo dos gêmeos”, onde dois irmãos gêmeos (Ulisses e Homero) participam de uma experiência. Ulisses fica sentadinho na sua cadeira no planeta Terra, enquanto que Homero pega uma nave espacial e viaja a velocidade da luz. Para Homero, que viaja a altíssima velocidade, o tempo passa mais lentamente, ao passo que, para Ulisses, o tempo passa normalmente. Assim, quando Homero retorna à Terra, a viagem para ele passou, digamos, poucos dias. E para Ulisses, que ficou sentadinho aqui na Terra, a viagem durou muitos anos. Dessa forma, Homero ainda está jovem e Ulisses está velhinho. Já que há esse paradoxo, como seria a visão que Ulisses teria de Homero dentro da nave quando ela estivesse à velocidade da luz? Ulisses veria Homero se mexendo muito lentamente. É o que vemos dentro da Enterprise, quando ela está em altíssima velocidade num buraco de minhoca. Agora, no filme esse paradoxo só ocorre quando o sistema de dobra está com defeito, é claro!

Vulcano digitalizado na versão do diretor: seguindo os storyboards originais.

E adivinhe quem o conserta? Lógico, meu caro, é o Spock, que toma o lugar de Decker como oficial de ciências sem que o já rebaixado personagem reclame, ao contrário do que ele fez com Kirk. Como disse um dos produtores do filme, “Jornada nas Estrelas sem Spock (e Nimoy) é a mesma coisa que um carro sem rodas”.

Enterprise no buraco de minhoca. Paradoxo dos gêmeos na materialidade das imagens.

Falando em Spock, é o momento oportuno de falar de sua cena de choro na “versão do diretor” do longa. A lágrima do Vulcano por V’Ger tem grande carga simbólica, pois é o reconhecimento de seu dilema razão X emoção que aparecia na série clássica, jamais confirmado por ele. Por ser meio humano, meio vulcano, reconhecer suas emoções era visto como um sinal de fraqueza pelo oficial de ciências, que sempre lançava mão de argumentos lógicos para dissimular suas manifestações emocionais. Essa característica, aliada à sua retórica altamente refinada, sincera e irônica tornaram, a meu ver, o personagem Spock um dos mais amados de todos os tempos. É comovente ver o sentimento de compaixão de Spock por V’Ger, exatamente pelo fato do vulcano se identificar com a máquina, cuja lógica e raciocínio não são suficientes para completar sua essência. O vazio de emoções e a falta de respostas a questões tão metafísicas como “O que eu faço no mundo?”, ou “Qual é a razão de minha existência?” tornam a vida de V’Ger incompleta e desalentadora e parece que Spock passa pelos mesmos dilemas, assim como todos nós, que também buscamos respostas para essas perguntas e, volta e meia, também passamos por momentos de instabilidade emocional.

McCoy dando uma bronca em Kirk, após ele forçar a barra com a tripulação exigindo o sistema de dobra.

A viagem solitária de Spock num traje espacial com força de propulsão ao longo da nave de V’Ger é curiosa, pois o vulcano encontrava todas as informações acumuladas pela nave ao longo de sua viagem. Ao presenciar uma imagem de Ilia, que foi absorvida por V’Ger e que enviou uma sonda em formato de Ilia para interagir com a tripulação da Enterprise, Spock tenta fazer um elo mental. Mas a sobrecarga de informação é tanta que ele fica inconsciente. Durante o elo mental, vemos o rosto em agonia de Spock com várias imagens sobrepostas passando muito rapidamente por sua face. A solução do filme está lá (quem é V’Ger). Se colocarmos o aparelho de DVD quadro a quadro, vemos imagens da Voyager e das figuras humanas desenhadas em seu disco de ouro preso à fuselagem da nave. Típica mensagem subliminar.

Spock e sua viagem insólita pela nave de V’Ger.

Por fim, o primeiro longa de “Jornada nas Estrelas” é altamente kubrickiano, tanto do ponto de vista estético quanto do ponto de vista do enredo. Esteticamente, o interior da nave de V’Ger se aproxima em alguns momentos do caleidoscópio da viagem warp de David Bowman ao se aproximar do monólito. Do ponto de vista do enredo, assim como Bowman interage com a espécie alienígena para criar um novo ser híbrido, a mesclagem final de Decker, Ilia e V’Ger cria também um novo ser, onde essa fusão se manifesta de forma até mais profunda do que em Kubrick, pois liga com total harmonia o racionalismo exacerbado de V’Ger com a emoção e amor de Decker e Ilia.

Fusão de Decker e Ilia com V’Ger. Nova espécie, assim como em Kubrick.

Concluindo estas linhas, volto a confirmar que “Jornada nas Estrelas, o Filme” é um longa a altura de todo o carisma e sucesso dessa série que é um verdadeiro fenômeno cultural, pois aliou ação, humor e entretenimento a um aguçado debate intelectual. E tudo isso na TV e numa cultura de massa taxada de burra pela escola de Frankfurt, composta de pensadores como Adorno e Walter Benjamin. Que bom que toda regra tem sua exceção!

Nave de V’Ger. Outra manifestação kubrickiana.

E não deixem de rever abaixo a antológica abertura do filme onde três cruzadores klingons enfrentam a nuvem de V’Ger. Só lembrando que o capitão klingon é Mark Lenard, o ator que interpreta Sarek, o pai de Spock.

Batata Antiqualhas – Jornada nas Estrelas, O Filme (Parte 1)

            Cartaz do Filme: a velha tripulação de volta.

“Jornada nas Estrelas, o Filme”. O primeiro longa da série que havia feito muito sucesso na segunda metade da década de 1960 e suas reprises na década de 1970, foi dirigido pelo consagrado diretor Robert Wise, responsável por obras como “O Dia em que a Terra Parou”, “Noviça Rebelde” e “O Dirigível Hindenburg”. Nome à altura da tão esperada ressurreição da franquia, após o fracasso de se tentar levar a série “Jornada nas Estrelas, Fase II” ao ar nas tvs. Reza a lenda que o sucesso de “Guerra nas Estrelas” levou a Paramount a optar por fazer um longa.

                  Antigos rostos, alguns novos. Figurino a desejar…

Dos seis longas-metragens da tripulação da série clássica, esse talvez tenha sido o mais cerebral e artístico de todos. Para relembrarmos seu enredo, uma imensa nuvem desconhecida, que consome tudo à sua frente, vai em direção a Terra.

Uma maquete de três metros de comprimento para ser melhor filmada, com a câmera fazendo um travelling ao longo de sua carcaça.

O agora almirante James Tiberius Kirk mexe seus pauzinhos para retomar o controle da Enterprise, que passou por dezoito meses de reforma. Para isso, ele terá que rebaixar Decker (interpretado por Stephen Collins), o atual capitão da Enterprise, a primeiro oficial e oficial de ciências, o que provoca conflitos entre os dois.

                       Ilia e Decker: envolvimento amoroso.

Enquanto isso, em Vulcano, Spock atinge o Kolinahr, o expurgo total de suas emoções e o alcance à lógica total, mas ao receber a honraria, ele a recusa, pois sentiu uma poderosíssima consciência totalmente lógica em busca de perguntas. Ele se unirá à tripulação da Enterprise, que irá em direção à misteriosa nuvem e desvendar seus segredos.

Persis Khambatta raspando a cabeça para interpretar Ilia. Choro com a perda dos longos cabelos negros.

Mas, o que é essa nuvem? Nela existe uma grande nave espacial, comandada por V’Ger, uma máquina que busca respostas para sua existência. V’Ger busca seu criador e quer transformar as unidades carbono que infestam a Enterprise e a Terra (os humanos) em meros bancos de dados, por serem consideradas mais uma praga do que formas de vida.

                                        Ilia na Fase II.

Kirk e seus comandados descobrirão que V’Ger é na verdade a Voyager 6, uma sonda enviada pela NASA ao espaço mais de trezentos anos antes, que tinha a missão de coletar dados e enviá-los à Terra (ao seu criador). Por coletar uma quantidade enorme de informações e acumular conhecimentos, a Voyager 6 acabou desenvolvendo consciência. Mas a nave entrou num buraco negro, saindo do outro lado da galáxia, caindo num planeta de máquinas vivas que construiu a nave gigante para que a intrépida Voyager cumprisse sua missão.

                    David Galtreaux como o vulcano Xon em Fase II.

E ela retornou a Terra em busca de uma integração (física, inclusive) com seu criador. Como não recebia respostas de seu criador, já que o sinal era antigo demais e não entendido por seus criadores terrestres, a Voyager resolve acabar com todas as unidades carbono que infestam o planeta, entendidas por ela como a causa da obstrução do encontro da nave com seu criador. Nossa tripulação então tentará fazer esse contato.

                           E sua ponta no longa…

Essa história foi escrita para ser utilizada em “Jornada nas Estrelas, Fase II”, e enredo semelhante já havia sido utilizado no episódio “Nômade”. O longa quase teve um desfalque grave, pois Leonard Nimoy não queria participar do filme, mas depois de muitos apelos desesperados, ele aceitou. Em contrapartida, a bela Persis Khambatta, que havia interpretado a personagem Ilia na Fase II, participa do filme, assim como o ator David Gautreaux faz uma ponta como comandante da estação Epsilon 9, que foi sugada pela nuvem. Gautreaux seria o novo vulcano da Fase II, Xon, pois Nimoy não se incorporou ao cast da nova série. Xon seria totalmente vulcano e recém-saído da Academia de Ciências de Vulcano, sendo mais um fator para ressaltar o lamento pelo fracasso da Fase II.

                                  Enterprise e a misteriosa nuvem.

Após esse pequeno inventário de informações sobre o primeiro longa de “Jornada nas Estrelas”, eu falarei, no próximo artigo, quais são as principais virtudes desse memorável filme. Até lá!

Batata Comics – Cidade À Beira Da Eternidade. O Roteiro Original.

 

Capa da Edição em Inglês

A Editora Mythos Books traz uma verdadeira joia para os fãs de “Jornada nas Estrelas”. Todo mundo conhece a história do episódio da série clássica “Cidade à Beira da Eternidade”, onde Kirk e Spock voltam ao passado da Terra para resgatar o Dr. McCoy que, acidentalmente injetou um remédio em si e pirou na batatinha. Ele foi para o teletransporte e desceu à superfície de um planeta onde estava o “Guardião do Tempo”, uma espécie de passagem temporal, indo para a década de 30, em plenos dias da “Grande Depressão”. Ao chegarem ao passado, Kirk e Spock conhecem Edith Keller, uma irmã pacifista que cuida das pessoas mais necessitadas e tem uma mente muito à frente de seu tempo. Kirk instantaneamente se apaixona por ela, mas Spock descobre, através de uma versão rudimentar de um tricorder que ele construiu, que Edith vai morrer e que se ela viver, assumirá uma postura pacifista que vai atrasar a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra e que permitirá aos nazistas desenvolverem sua bomba atômica. Assim, Kirk sabe que vai perdê-la e sofre muito com isso. Essa é uma das melhores histórias da série clássica, que ganhou os prêmios Hugo e Nebula de ficção científica.

Um trecho q não faz parte da hístória veiculada na TV

Mas… você sabia que a história que foi veiculada no episódio não era a original, escrita por Harlan Ellison? Ela sofreu mudanças, segundo os produtores, porque o roteiro original não teria condições de ser filmado à época, algo com que Ellison discordou veementemente. E agora, a Mythos Books traz essa versão original do roteiro em quadrinhos, numa edição bem acabada e luxuosa em capa dura, que tem um precinho salgado, é verdade, mas vale muito a pena ter, principalmente se você ama “Jornada nas Estrelas” ou simplesmente ama quadrinhos. Na versão original, quem viaja para o passado é um tripulante camisa vermelha típico (aquele tripulante desconhecido que sempre morria nos episódios da série clássica na tv). Seu nome era Beckwith e ele era uma espécie de traficante de alucinógenos alienígenas dentro da Enterprise. Quando é descoberto, foge da nave e atravessa o portal do guardião do tempo. Imediatamente, o presente da Enterprise é alterado e a nave deixa de existir, entrando uma nave cheia de mercenários em seu lugar. Kirk, ao voltar com o grupo avançado para a nave, percebe que houve uma alteração e consegue se trancar na sala de teletransporte com sua tripulação. Ele volta ao planeta para atravessar o guardião do tempo com Spock, enquanto a ordenança Rand (que recebeu um papel mais destacado nessa história) fica com os demais tripulantes da Enterprise na sala de transporte, segurando a porta para os mercenários não entrarem. A partir daí, a história toma rumos parecidos com os do episódio veiculado na tv, mas com algumas pequenas alterações que não vou contar aqui (chega de spoilers!).

A bela Edith Keller

É uma experiência muito legal você ver a mesma história contada de forma diferente, tal como quando vemos um filme com o “corte do diretor”, mas um corte que realmente altere o produto final, como foi visto em “Superman II”, o estrelado por Christopher Reeve.  Embora haja algumas incongruências, como, por exemplo, por que a tripulação da Enterprise também não foi alterada quando Beckwith atravessou o portal ou por que Rand teve que ficar com os tripulantes na sala de transporte segurando as portas que os mercenários queriam derrubar e não foi para a superfície do planeta com Kirk e Spock (talvez o único motivo para isso fosse forçar Kirk e Spock lutarem contra o tempo enquanto estavam no passado da Terra), temos aqui uma ótima história, bem ao espírito dos episódios da série clássica, com a vantagem de que, com os quadrinhos, pode-se deixar a imaginação fluir ainda mais, com o produto final chegando bem próximo da imaginação do autor. Por isso, não podemos deixar de mencionar a adaptação para os quadrinhos do roteiro original por Scott e David Tipton e também a arte de J. K. Woodward. Inclusive, temos ao final dos quadrinhos uma exibição de todo o processo de produção da revista e um texto falando das inúmeras referências ao autor da história e outras que aparecem ao longo dos quadrinhos, que são uma verdadeira obra de arte.

Assim, a versão em quadrinhos do roteiro original de “Cidade À Beira Da Eternidade”, é uma leitura obrigatória para qualquer fã que se diga trekker e uma peça de coleção valiosa para quem gosta de quadrinhos. Não deixem de comprar, pois vale a pena o dinheiro investido nela.

Uma arte e tanto!!!

Carrie Fisher. Uma Homenagem.

A eterna Princesa de Alderaan.

Todo dia 26 de dezembro (meu dia de aniversário), vou ao Cemitério São João Batista para fazer uma pequena homenagem a algumas pessoas. Visito as sepulturas de Luís Carlos Prestes (considerado “O Cavaleiro da Esperança” por uns, um bandido comunista para outros), Tom Jobim (um músico que foi importante demais para nosso país e nem temos a ideia disso), Santos Dumont (que dispensa apresentações), o casal Vicente Celestino e Gilda de Abreu (um grande cantor antigo e uma grande atriz e diretora de cinema). Mas, principalmente, visito minhas duas Carmens, a Miranda e a Santos, que tentaram elevar o nome de nosso país e de nosso cinema. Carmen Miranda ainda teve um reconhecimento do público, embora tenha sido criticada pela imprensa brasileira por se “vender” aos Estados Unidos. Carmen Santos, essa ninguém fala mais, apesar de todos os sacrifícios feitos por ela para realizar bons filmes no Brasil, numa época em que nosso país ainda era assolado pelo complexo de vira-latas. Minhas visitas anuais ao cemitério são para diminuir um pouco o impacto da injustiça provocada pela falta de reconhecimento. Colocar rosas vermelhas em seus túmulos ajudam a minimizar um pouquinho tais dores. 

Postura desafiadora com os inimigos

Carmen Miranda faleceu em 1955, e Carmen Santos, em 1952. Essas mortes doem até tempos presentes. E o que não falar de uma morte que aconteceu hoje? Carrie Fisher, a eterna Princesa Leia, nos deixou. Filha da atriz americana Debbie Reynolds e do cantor e apresentador Ed Fisher, Carrie Fisher viveu desde cedo próxima ao showbiz. Em 1977 ela encantou o mundo, ao estrelar “Guerra nas Estrelas” como a Princesa Leia, com apenas 19 anos. Fez noventa filmes e era escritora. Ela nunca teve medo de expor sua vida pessoal na mídia e divulgou que sofria de transtorno bipolar. Outras fontes diziam que ela tinha problemas com drogas. Mas nenhuma dessas informações abalavam a adoração que os fãs de “Guerra nas Estrelas” tinham por Leia e por Fisher. A atriz e a personagem às vezes pareciam ser uma coisa só. Da mulher forte que peitava o grão moff Tarkin com tiradas cínicas e atrevidas, passando pelo tom debochado com os subalternos do Império (“Você não é pequeno demais para ser um stormtrooper?”, dizia para um Luke disfarçado), trocando rusgas com o “canalha” Han Solo, mostrando que não era mulher de entrar em qualquer conversa e que para ter seu coração, era preciso conquistá-la, chegando até a sua carinhosa afeição por Luke, uma afeição a princípio inexplicável por ela não saber que se tratava de seu irmão. A atriz Carrie Fisher deu essa natureza multifacetada à Princesa Leia de forma extremamente convincente. Se em Jornada nas Estrelas, havia a tríade Spock – Kirk – McCoy com o vulcano representando a razão, o médico representando a emoção e o capitão representando a conciliação entre pólos aparentemente tão antagônicos, em “Guerra nas Estrelas” também havia outra tríade. Han Solo é a impetuosidade masculina em pessoa, o aventureiro que age pelo impulso. Luke Skywalker é o jovem e ingênuo aprendiz que inicia timidamente seus passos no ofício da batalha. E no centro, cimentando e alicerçando esses dois pólos, estava Leia, com o espírito libertário feminino, que luta contra milênios de opressão machista (isso nessa galáxia aqui mesmo), botando o machismo do contrabandista em seu devido lugar e, ao mesmo tempo, tratando com extremo carinho o órfão padawan tardio, manifestando um amor que mais se aproxima dos ancestrais instintos maternos que ajudaram a preservar nossa espécie.

Leia e Han Solo. Um amor surgido depois de muitos conflitos

Um símbolo da mulher pós década de 60, que é dura ao lutar por seus direitos frente a uma cultura que a oprime, mas que não perde a ternura ao mostrar seu lado mãe. Mas uma mulher também que atua como a verdadeira fêmea fatal, ao reagir violentamente contra as investidas do pérfido Hutt, que queria transformá-la num objeto sexual e periodicamente a enforcava com uma coleira presa a uma corrente. Ao melhor estilo “olho por olho”, ela ceifa a vida do gângster estrangulando-o com a própria corrente que estava presa em seu pescoço. Ainda, uma mulher que consegue pensar racionalmente, mesmo em situações de extrema tensão, quando o contrabandista e o jovem agricultor tentam libertá-la da prisão, mas não têm um plano de fuga, e a herdeira do trono da destruída Alderaan toma as armas e improvisa um caminho para a calha de lixo, arrancando até uma admiração do machão Solo.

Leia e Luke. Relacionamento pautado na afeição

Essa é Carrie Fisher. Essa é a Princesa Leia. Essa jamais irá embora de nossas memórias. Mesmo que eu não possa visitar seu jazigo, como faço todos os anos com minhas Carmens, ela estará sempre presente em nossos pensamentos. Dizem que uma pessoa morre mais de uma vez. E a última vez em que uma pessoa morre é quando param de falar o nome dela. Se depender dos fãs, Carrie Fisher e Leia jamais terão essa morte derradeira. Mais do que uma princesa que luta contra um fictício Império Galáctico do Mal, Leia se tornou um símbolo das mulheres que lutam aqui em nosso planeta por mais direitos e igualdades. Luta que não necessariamente faz a mulher bruta e a afasta de suas doces características femininas. Leia, portanto, se tornou também um símbolo da afeição feminina, sabendo ser carinhosa e materna nos momentos certos. Agressiva, sem perder o racionalismo. Racional, sem perder a emoção. Agora ela realmente é a Força. Agora, ela nos envolve. E jamais ficaremos distantes dela. 

E, para uma pequena homenagem, fiquem com o inesquecível final do Episódio IV, que jamais sairá de nossos corações…

Batata Antiqualhas – Anakin Skywalker. Vilão Ou Vítima? (Parte 2)

Um jovem Anakin, ainda sem as marcas da crueza da vida…

Qual seria o grande mérito de “Guerra nas Estrelas”? O maniqueísmo clássico bem X mal protagoniza um conflito violento justamente dentro do personagem mais maligno da saga. Anakin Skywalker, como todo mundo sabe, teve uma infância difícil, sendo escravo num povoado paupérrimo de um planeta desértico com dois sóis (quantos Anakins encontramos nos morros cobertos de barracos à nossa volta?).

Rejeitado pelos Jedis, Anakin encontrou amparo em Qui-gon Jim

Ao ser amparado por dois cavaleiros jedis, foi visto com repúdio pelo Conselho dos nobres cavaleiros, como se ele tivesse uma essência ruim congênita. Mas, como diria o iluminista Rousseau, o homem é bom por natureza, é a sociedade que o corrompe. Ou, trocando em miúdos, o homem é produto do meio em que vive. Qui-gon Jim e Obi-Wan Kenobi investiram no jovem Anakin, mesmo a contragosto dos jedis. Logo, a visão iluminista se concretizaria. A infância difícil em Tatooine tornou Anakin um rapaz altamente impetuoso e destemido, que nem sempre Obi-Wan conseguia segurar. Logo ele descobriria o amor ao conhecer Padmé.

E Obi Wan Kenobi.

E com ela Anakin teve o único momento idílico em sua vida, sempre permeada por muito treinamento, disciplina e batalhas violentas. Houve um grande trauma, que foi a morte da mãe e a reação violentíssima contra os algozes, numa fúria impetuosa. Depois, o arrependimento nos braços da amada ao lembrar que massacrou crianças e inocentes. Definitivamente, não foi uma juventude fácil.

Perda da mãe…

Mas o divisor de águas na vida de Anakin viria no episódio três. E aí entra a grande questão. O que o impeliu a escolher o caminho do mal? O medo, um sentimento que todos nós temos e escondemos em nosso íntimo. Todo mundo tem medo de alguma coisa. Quem fala que não tem medo de nada está mentindo. E qual foi o grande medo de Anakin? De perder seu ente mais querido, Padmé.

Um violento trauma

Mestre Yoda lhe dizia que o medo traz raiva e ódio, que ele, Anakin, devia se despir do medo, como se houvesse um outro mundo onde sua querida Padmé poderia estar caso ela morresse. Entretanto, como um jovem que havia passado tantas dificuldades na vida e sofrido um trauma tão violento como a morte da mãe poderia se resignar com a perda da única pessoa que o amava? A severa disciplina jedi não foi tão eficiente em lidar com os problemas psicológicos tão profundos de Anakin e ele acabou se tornando totalmente manipulável nas mãos do senador Palpatine (esse sim, um personagem clássico do mal) para a sua conversão para o lado sombrio.

O medo de perder Padmé…

Filmes de mocinhos totalmente bons e bandidos totalmente maus com o tempo se tornaram cansativos e incoerentes, embora até hoje a fórmula se repita na indústria cinematográfica americana. Por isso, quando o personagem se torna complexo, com o mal e o bem em fusão e conflito, há uma atração maior por parte do público, pois é apresentado algo diferente dessa dicotomia bem X mal tão bem definida e clássica.

… o empurrou para as mãos do senador Palpatine.

Exemplos disso não faltam. Lembro-me do Rick, interpretado por Humphrey Bogart, em “Casablanca”, um mocinho com atraente canalhice e cinismo, e os personagens HQ Batman e Venom, que são classificados por alguns fãs de vigilantes, ou seja, justiceiros violentos que espreitam os malfeitores pelas ruas. Darth Vader seria um exemplo desse personagem complexo onde bem e mal estão em conflito.

Momento mais dramático do episódio 3. Anakin chora após optar pelo mal e sujar suas mãos com sangue. Conflito evidente.

Ou seja, Anakin Skywalker é, acima de tudo, um personagem humano, com virtudes e defeitos, amores e fraquezas, coragens e medos. Um personagem que, na segunda trilogia (episódios um, dois e três), se aproxima mais de seus espectadores, humanos como ele, com seus sonhos, com suas virtudes, com seus defeitos, com seus temores. Nunca me esqueço das palavras de meu irmão Cláudio, sobre o episódio três: “quando a gente fica sabendo da história de Anakin dá até pena, né?”. Pena definitivamente não é um sentimento bom. É um sinal do fracasso do indivíduo. Mas também uma comoção e solidariedade com o sofrimento alheio.

Libertação somente com a morte.

Vocês podem até me criticar e dizer que, mesmo com todos os problemas, Anakin ainda poderia ter escolhido o lado de luz da força, pois pessoas que tiveram uma vida de sofrimento conseguiram dar a volta por cima. Mas também quanta gente por aí não enveredou também para o “dark side” por ser mal amada, por ser tripudiada, por ser desrespeitada? Essas pessoas são as únicas culpadas por seus atos? Na minha modesta  opinião, não… Charlie Chaplin já dizia em seu discurso de “O Grande Ditador”: “Só quem não é amado que tem a capacidade de odiar”.

Ectoplásmico Anakin com Yoda e Obi-Wan envelhecidos. Redenção.

Pelo menos no mundo da fantasia de “Guerra nas Estrelas”, Anakin teve um fim reconfortante. A cópia de “Retorno de Jedi” restaurada, com a imagem ectoplásmica de Anakin jovem ao lado de um Yoda e um Obi-Wan envelhecidos pode parecer incoerente. Mas também é libertadora, pois vimos todo o sofrimento nas costas do Anakin jovem nos três primeiros episódios. Assim, nada mais justo do que o jovem Anakin desfrutar de dias melhores em sua outra vida num plano mais etéreo. Só a lamentar todo o mal provocado por ele, consequência de males também sofridos por Anakin…

Na imagem original, um Anakin mais envelhecido.

Batata Antiqualhas – Anakin Skywalker. Vilão Ou Vítima? (Parte 1)

Um dos ícones mais amados de todos os tempos.

 

Na esteira da estreia de Rogue One (aguardem resenha em breve), vamos falar de um ícone de Guerra nas Estrelas. Nas minhas andanças por eventos organizados pelo Conselho Jedi e o Abacaxi Voador, um detalhe me chamou muito a atenção. Quando o assunto é “Guerra Nas Estrelas” (Star Wars é coisa para os mais novos), impressiona muito a quantidade de camisas e imagens referentes a Darth Vader. Aquela carinha preta, cheia de grades no lugar da boca e sem qualquer expressão facial, totalmente fria, exerce um profundo fascínio nos fãs do filme e foi além, se tornou um verdadeiro ícone cultural. Mas Darth Vader é a encarnação do mal, o cara é ruim toda a vida. Mata seus subordinados com a força do pensamento, persegue impiedosamente um grupo de insurgentes, quer levar o seu próprio filho para as forças do mal estimulando seu ódio. Tais atitudes são consideradas repugnantes para a esmagadora maioria das pessoas em várias sociedades e culturas diferentes. Mesmo assim, sua imagem é exaltada em convenções, filmes, mídias em geral. O que aconteceu? A grande maioria das pessoas pirou? Por que tanta exaltação a uma figura tão venal? Por que Luke Skywalker, Han Solo ou a Princesa Léia, que são os mocinhos, ficam numa posição tão secundária?

Sufocos à distância…

Uma das hipóteses principais que buscam explicar a fascinação humana pelos vilões é que eles são os transgressores, não respeitam a lei, não estão nem aí para os valores morais de uma sociedade, ou seja, são totalmente avessos a regras, como se isso significasse uma espécie de liberdade. Nós, os pobres mortais, submetidos às leis e convenções da sociedade, muitas vezes somos obrigados a engolir sapos no nosso dia-a-dia e, ao entrar numa sala de cinema para ver um filme, presenciar o vilão chutando o pau da barraca seria uma espécie de catarse. Nos projetamos para aquele indivíduo mau que não tem freios nem limites e aliviamos nossas frustrações provocadas por situações cotidianas mal resolvidas, pois a lei nos impõe um freio. O que quero dizer aqui? Que devemos pegar uma arma e resolver tudo à nossa maneira? Claro que não! Quando as pessoas vivem juntas, ninguém pode fazer o que bem entender, pois caso isso aconteça, tudo vira uma bagunça e todos saem prejudicados. Mas também é fato de que, às vezes as leis não respeitam a vontade da maioria dos cidadãos e até privilegiam uma minoria em detrimento de uma maioria. Daí um vilão e seus maus atos tornarem-se uma catarse para o indivíduo.

Mais mau que o pica-pau.

Mas, e o nosso Darth Vader? A hipótese acima é suficiente para entender toda exaltação ao mais fiel discípulo do Imperador? Se considerarmos a primeira trilogia (os episódios quatro, cinco e seis) talvez sim, pois o lado humano do personagem só foi brevemente pincelado na segunda metade de “Retorno de Jedi”. Entretanto, a segunda trilogia (os episódios um, dois e três, que nem todo mundo gosta) teve o grande mérito de construir o personagem Anakin Skywalker. E aí, a discussão se torna muito mais complexa. Dessa forma, a saga que aconteceu há muito tempo numa galáxia muito distante deixa de ser uma espécie de conto de fadas espacial e atinge questões muito mais profundas, tornando-se um produto cultural altamente reflexivo. Mas essa discussão precisa ser feita numa segunda parte deste artigo. Até lá!

Em guerra contra o próprio filho.

Batata Antiqualhas – Jiraiya, O Incrível Ninja (Parte 2)

Espada Olímpica!!!

Vamos hoje continuar a falar de um dos mais populares seriados japoneses da década de 1980, “Jiraiya, O Incrível Ninja”.

Outro elemento muito atraente em “Jiraiya” era o seu grande humor, o que acontecia também nas outras séries. Key e Manabu zoavam Toha o tempo todo, e Toha também não ficava atrás. Existe um episódio onde a família está em treinamento e, durante um intervalo, Toha conversa com Tetsuzan. Manabu vem por trás de Toha e dá uma paulada na cabeça dele, que estava desprevenido. Toha bota Manabu para correr e Tetsuzan só fala, desanimado: “assim não dá para continuar”. Os efeitos especiais eram também às vezes, um tanto toscos, que fariam Georges Meliès esconder o rosto de vergonha. Mas nos matavam de tanto rir. A fauna do Império dos Ninjas, com guerreiros de todas as matizes e cores, abusando do metálico, eram igualmente hilárias.

Os amigos do Jiraiya!!!

Tinha um defeito na série. Ela era um tanto violenta. Além de Jiraiya pulverizar seus inimigos com a poderosa espada olímpica, uma espada ninja que ficava laser somente nas mãos do protagonista (originalmente conhecida como Jikô Shinku Ken), muitos dos capangas de Dokusai, os ninjas corvinhos que voavam e tudo, sofriam às vezes mortes violentas, tomando estreladas, flechadas, ou despedaçados em grandes explosões. Me lembro de um episódio em que Tetsuzan, desarmado, sofre um ataque de espada de um dos corvinhos e o mata, tomando a espada do coitado, dando-lhe uma chave de braço e cortando a nuca do bichinho com a própria espada dele. Meio pesado para uma série infanto-juvenil na minha modestíssima opinião.

Família de Feiticeiros. Os inimigos do Jiraiya

Mas, qual era o eixo principal da história, que conduziu todos os cinquenta capítulos que tinham uma duração média de 22 a 24 minutos? Existia um grande tesouro alienígena, Pako, uma espécie de cápsula do tempo enviada há séculos por uma civilização muito mais avançada que a Terra. Ao chegar ao nosso planeta, os japoneses medievais acharam que ela era uma dádiva divina, que ficaria guardada até que um mensageiro chegasse para levá-la. Mas Pako foi soterrada por um terremoto. Lamentando a perda, o povo deixou para as futuras gerações uma tábua de barro gravada com a localização de Pako. Ao desvendar todo o mistério, o príncipe Taishi desenterrou Pako e a enterrou novamente, ordenando ao ninja Shinobi a guarda da tábua de barro. A tábua de barro ficou posteriormente sob a guarda da família Togakuri e foi passada de geração a geração, com Tetsuzan sendo o representante da 34ª geração. Metade da tábua está com Tetsuzan. A outra metade está nas mãos de Dokusai, chefe da família dos feiticeiros, um antigo companheiro de treinamento de Tetsuzan e que quer usar o tesouro para o mal. Dokusai, inclusive, matou a esposa de Tetsuzan, na luta pela tábua de barro que localiza Pako. Mas a disputa por Pako não ficará só entre os Togakuri e os feiticeiros.

Kinin Reiha, do serviço secreto japonês, a protetora de Jiraiya. Era tão magrinha que até a roupa de malha que ela usava ficava frouxa.

O Império dos Ninjas também vai querer colocar a mão no tesouro e irá em sua busca. Alguns ninjas do Império se tornarão aliados de Jiraiya, como o inglês cristão Barão Olm, que quer usar Pako para o bem, mas outros serão poderosos inimigos. O serviço secreto japonês também ajudará Jiraiya, nas figuras de Kinin Reiha, incumbida de proteger Toha, e Yannin Spiker. Há também o americano, Dr. Smith, um ocidental com um barbão que o torna a cara do Karl Marx, sendo o primeiro discípulo de Tetsuzan, e que quer aliar a arte ninja a tecnologia. Ele conserta a armadura de Jiraiya num episódio, e insere um monte de componentes tecnológicos no carro de nosso herói, transformando o automóvel no Black Storm, uma espécie de Supermáquina nipônica. Num episódio, Jiraiya ia ser derrotado por seu oponente e o Dr. Smith deu uma ajudinha com uma caneta que paralisava o inimigo, e ai, o nosso herói teve tempo para se recuperar e derrotar seu adversário. Trapaça? Espírito de equipe? Tirem suas próprias conclusões.

Os corvinhos!!!

Dessa forma, “Jiraiya, O Incrível Ninja” é uma série que nos deixa muitas saudades, talvez a melhor de todas dentre a vasta fauna de seriados japoneses da década de 1980. Um herói sem grandes poderes, que se baseia em seu treinamento, que não se “transforma”, mas sim veste sua própria armadura. Ah, e faz comida, lava e passa. E não deixe de ver abaixo a entrevista com o próprio Jiraiya no programa The Noite, do Danilo Gentili, no ano de 2014.