Batata Séries – Jornada nas Estrelas Discovery (Episódio 8 Temporada 1) – Si Vis Pacem, Para Bellum. Deu Rebu no Saru

Um Saru atormentadíssimo…

Chegamos ao oitavo episódio de “Jornada nas Estrelas, Discovery”, “Si Vis Pacem, Para Bellum”, uma frase do latim que significa, segundo se diz por aí, “Se quer a Paz, prepara-te para a Guerra”. E o que podemos falar aqui logo de cara? Esse é uma espécie de episódio híbrido. Em que sentido? Se assumirmos que os cinco primeiros episódios estavam naquele soturno arco de guerra contra os klingons, onde a tripulação da Discovery, seu capitão e a própria Federação em si tinham atitudes consideradas pouco ortodoxas e que violavam o cânone abertamente, o sexto e sétimo episódios saíram um pouco do contexto da guerra e contaram histórias mais ao nível do que é “Jornada nas Estrelas”, além de se preocupar mais com o desenvolvimento de alguns personagens. O problema é que a Almirante Cornwell ficou sequestrada e esquecida por dois episódios e até uma festa rolou na Discovery. Era mais do que hora de se retornar ao arco da guerra, até por uma questão de coesão da série como um todo. E o oitavo episódio foi isso. Entretanto, a questão do desenvolvimento dos personagens não foi abandonada, assim como o contato com outras espécies e a tentativa de entendê-las, seguindo o espírito mais tradicional de “Jornada nas Estrelas”. Daí o hibridismo desse episódio. E a coisa ficou boa? Bem… podemos dizer que ficou um tanto regular. E por que isso? Porque, na questão do desenvolvimento do personagem, a bola da vez foi Saru, o mesmo personagem que já tinha sido muito mexido com o passar dos primeiros episódios. Ele até é um bom personagem. Entretanto, parece que produtores e roteiristas não sabem muito bem o que fazer dele. E aí, a coisa degringola um pouco. Senão, vejamos: ele já foi taxado de covarde, de compreensivo com a Burnham, de ter raiva e inveja da Burnham, de ser um capitão inseguro que precisa tomar decisões desagradáveis à la Lorca. Volto a repetir que um personagem complexo sempre é mais rico. Entretanto, a complexidade de Saru tem sido exagerada, uma verdadeira montanha russa.

Primeira descida a um planeta, feita por uma equipe da Discovery na série

E creio que essas oscilações chegaram ao seu ápice neste episódio, em que ele é meio que seduzido pela espécie alienígena nativa, depois da mesma aliviar o incômodo que ele sente com as frequências sonoras que a espécie, em simbiose com o planeta, emite (é a primeira vez que a tripulação da Discovery desce a um planeta!). E Saru acaba tomando atitudes violentas e destemperadas. Ou seja, a presa passa a ter os seus dias de predador, descaracterizando por completo o pouco de caracterização que o personagem tinha, o que é uma pena, já que parece que a galera que assiste à série tem gostado dele. A forma destemperada com a qual ele passou a se comportar até foi justificada, pois ele se deixou tentar pela paz e harmonia do povo do planeta Pahvo,  já que isso o tirava do estado de medo constante em que ele ficava. Mas, mesmo com toda essa justificativa, Saru acaba sendo um personagem muito inconstante em seu comportamento, o que é uma pena. E o que mais decepciona aqui é que a escritora desse episódio, Kirsten Beyer, é uma conhecida escritora de bons livros de “Jornada nas Estrelas”. Por isso, se esperava uma coisa boa desse episódio.

Stamets e Tilly. Provável acordo…

Uma questão que ficou em aberto se refere à espécie alienígena do planeta azulzinho Pahvo. Que formas de vida são aquelas? Suas intenções são tão pacíficas como vimos no episódio, a ponto de melar tudo e colocar a Discovery cara a cara com os klingons? Ou tem algo de mais estranho aí, até em virtude da experiência pela qual Saru passou? Seria interessante essa espécie ser mais detalhadamente explicada nos próximos episódios, já que foi montada uma potente antena nesse planeta.

Uma klingon com novos planos…

E com relação ao arco da guerra? Tivemos mais uma das poucas batalhas dessa guerra que quase não aparece na série e foi legal ver a forma como a Discovery protegia a Gagarin, se colocando até à frente do fogo cruzado para isso. Essa batalha pareceu boa para voltarmos a ver Lorca, que ficou meio que desaparecido nos dois últimos episódios, o que é uma pena, pois se trata de um personagem muito interessante. Outro fator importante é a coisa de Kol estar fornecendo tecnologia de camuflagem para vários aliados, o que faz importante a missão no tal planeta azul, Pahvo, que tem uma antena cristalina natural que a Federação quer usar como um sonar para detectar as naves klingons camufladas. Agora, a grande questão está na relação entre L’Rell e a Almirante Cornwell. Será que a klingon quer mesmo desertar do Império? Ou tudo não passa de uma artimanha para obter mais vantagem? Seu argumento parece ser convincente, o de que Kol não tem qualquer honra na sua escalada pelo poder (finalmente alguém disse que um klingon não tem honra nesta série, até eles violam o cânone) e os que pensavam como ela foram banidos, ela estava sozinha, T’Kuvma e seu legado foram desrespeitados, etc. Mas…

Mais bichinhos misteriosos

Outro mistério ficou por conta de Stamets, que voltou a ficar ranzinza depois de ser conectado ao motor de esporos. Será que a hipótese do Universo Espelho pode estar caindo por terra? Pelo menos, ele foi um pouco mais compreensivo ao conversar com Tilly e perceber que a moça tinha reais intenções em ajudá-lo, como se ele quisesse voltar ao seu estágio mais “maluco beleza”, outra argumentação que pode estar derrubando a história do Universo Espelho. Tyler, por sua vez, deu uma derrapada feia ao não saber direito sobre as conhecidas ordens gerais que víamos na série clássica, o que deu um fôlego à hipótese que circula por aí de que ele seria um espião klingon. Já o romance entre Burnham e Tyler parece que se resolveu bem rápido. Aqui fica uma questão: parece que tudo aqui está se resolvendo rápido, em virtude do formato enxuto de streaming de quinze episódios. Será que uma série do naipe de “Jornada nas Estrelas” se adapta a esse novo formato? Ainda mais com fãs que gostam de desfrutar de arcos bem escritos e personagens bem desenvolvidos? Pois pode ser que simplesmente não haja tempo hábil para se colocar a série no padrão de exigência de seu público específico. Ou simplesmente será que a série está sendo mal escrita e conduzida mesmo e poderíamos ter um bom produto de “Jornada nas Estrelas” adequado às exigências dos fãs mais tradicionais no formato de streaming? Fica aberta a questão. Assim como não podemos nos esquecer de que há uma nova geração de fãs que vê a série com outras referências e parâmetros na cabeça.

A volta da almirante esquecida

De qualquer forma, apesar dos problemas, esse episódio pareceu tentar conciliar os dois arcos que vimos até agora nessa temporada: o previamente proposto arco da guerra com os klingons e o arco  mais “Jornada nas Estrelas”, onde a guerra é colocada de lado e o desenvolvimento dos personagens entra na ordem do dia. Confesso que essa primeira tentativa de interação não foi muito bem sucedida, em virtude dos deslizes contínuos que produtores e roteiristas têm tido com Saru e pela forma mal explicada que as coisas têm se apresentado, indo desde a nova atitude de L’Rell, passando pelas oscilações de Stamets e chegando às intenções dos serezinhos do planeta da gigantesca antena. Cabe aqui torcer que as coisas sejam mais bem explicadas no futuro. Por outro lado, já estamos na metade da temporada e começa a haver um temor de que não se tenha um tempo hábil para se explicar tudo, até pelo formato mais curto do streaming. Volto a terminar mais um artigo com mais um “vamos ver”.

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Batata Antiqualhas – Capitães. Relatos Comoventes.

             Cartaz do Filme

William Shatner brindou todos os fãs de “Jornada nas Estrelas” com o bom documentário “Capitães” no ano de 2011. Esse documentário teve como objetivo principal entrevistar todos os atores que interpretaram capitães nas então cinco séries de “Jornada nas Estrelas”, mais os longas de J. J. Abrams. O resultado foi um rosário de relatos comoventes e marcantes para todos os protagonistas, mas também para os fãs.

Conversas emocionantes com Patrick Stewart…

Shatner (Capitão Kirk, série clássica) entrevistou os seguintes “capitães”: Patrick Stewart (Capitão Picard, Nova Geração), Avery Brooks (Capitão Sisko, Deep Space Nine), Kate Mulgrew (Capitã Janeway, Voyager), Scott Bakula (Capitão Archer, Enterprise) e Chris Pine (o “novo” Capitão Kirk, da Kelvin Time Line de J. J. Abrams). Os devidos capitães foram apresentados e, depois, as entrevistas eram alternadas, de forma que nenhum capitão tivesse uma posição privilegiada com relação ao outro. Como o próprio Shatner era capitão e entrevistador ao mesmo tempo, parte do documentário foi usada para que o ator desse um relato de suas impressões pessoais e profissionais. Ainda, com relação à parte de Shatner, foi muito legal ver a entrevista que ele fez com Christopher Plummer, canadense como Shatner, e que foi substituído pelo nosso Capitão Kirk quando os dois trabalhavam juntos no teatro, antes ainda de “Jornada nas Estrelas” e Plummer ficou doente. Não é à toa que Plummer foi chamado para ser o general klingon Chang em “Jornada nas Estrelas 6, A Terra Desconhecida”.

                             … e Kate Mulgrew

O documentário teve outros lances interessantes. Falou-se da severa rotina de gravações dos episódios e de como isso afetou a vida pessoal dos atores. Isso, por exemplo, acabou com o casamento de Shatner e provocou uma turbulência na relação de Mulgrew com os filhos, que detestam “Jornada nas Estrelas” por esses problemas. Em outro momento muito curioso, Stewart, um ator shakespeariano, disse como levou a produção de uma série de TV como “Jornada nas Estrelas” a sério e criticava muito a falta de organização da produção na primeira temporada.

                                  Queda de braço com Chris Pine!!!

Shatner declarou, por sua vez que, depois de todo o sucesso de Spock, ele se sentiu secundário na série e se sentia magoado com o tom de galhofa com que era tratado em virtude disso. Isso fez com que ele renegasse um pouco o personagem Kirk. Só que, com as convenções, todos os chamavam de Kirk, algo que o irritava, pois ele era Shatner. O ator somente percebeu a força de seu personagem quando, ao pegar um jatinho para ir a Londres entrevistar Stewart, o presidente da companhia aérea Bombardier foi recebê-lo em pessoa no aeroporto para lhe dizer que começou a carreira de engenharia aeroespacial em virtude de Kirk e de “Jornada nas Estrelas”. Stewart, por sua vez, disse que aceita com naturalidade o fato de ser chamado de Picard, algo que soou como uma espécie de alívio para Shatner, já que ambos os atores têm uma identificação, pois começaram no teatro interpretando Shakespeare.

                               Brooks, o pianista

Se pudéssemos colocar uma espécie de ranking entre as entrevistas, eu diria que as conversas com Stewart e Mulgrew foram as mais emotivas e intimistas; a conversa com Bakula foi a que teve mais trocas de experiências pessoais; a conversa com Pine foi uma espécie de passagem de bastão do mestre para o discípulo, onde Shatner se derrete em elogios a Pine, e a conversa com Brooks foi a mais musical e um tanto estranha, até porque a personalidade de Brooks é um tanto excêntrica. De qualquer forma, foi legal ver Sisko ao piano cantando um jazz.

Boa conversa com Bakula. Troca de experiências…

Assim, o documentário “Capitães” é simplesmente um programa obrigatório para todos os trekkers de plantão. Ele está lá à disposição no Netflix. Se você já viu, reveja. Se ainda não viu, está intimado a ver, se divertir e se emocionar.

 

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade Que Se Completa (Parte 1)

Um grande ícone da cultura ocidental de todos os tempos!!!

A perda do grande ator Leonard Nimoy, no dia 27 de fevereiro  de 2015, deixou órfãos os fãs da série de tv americana “Jornada nas Estrelas” em todo o mundo. Nimoy interpretava Spock, o oficial de ciências vulcano, que era o personagem mais amado e cultuado da franquia e foi um dos ícones mais adorados da cultura ocidental. Houve muita dor naqueles dias e fica a saudade hoje. Infelizmente, os anos de cigarro causaram uma doença pulmonar que, com a idade, ficou irreversível. A morte de Nimoy provocou, na época, manifestações de vários setores. O então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse que Nimoy era um “defensor das artes e das humanidades, um defensor das ciências, generoso com o seu talento. E, claro, Leonard foi Spock. ‘Cool’, lógico, de orelhas grandes e sangue frio, o centro da visão otimista e inclusiva de ‘Jornada nas Estrelas’ sobre o futuro da humanidade”. William Shatner lamentou a perda do amigo: “Eu o amava como a um irmão. Sentimos falta de seu humor, seu talento e sua capacidade para amar”. A NASA (Agência Espacial Americana) emitiu uma nota dizendo que “muitos de nós da NASA fomos inspirados em ‘Jornada nas Estrelas’” e o executivo-chefe da Fundação Espacial, Elliot Pulham disse em comunicado que “Leonard Nimoy criou um modelo positivo que inspirou inúmeros telespectadores a aprender mais sobre o Universo. Hoje, muitas pessoas são entusiastas do espaço e líderes da indústria”. Nimoy, em seu último tuíte, deixou uma mensagem um tanto nostálgica: “A vida é como um jardim. Momentos perfeitos podem ter acontecido, mas não preservados, exceto na memória”.

Em 2015, já muito debilitado…

Por que Spock marcou tanta presença e foi tão importante na vida de tanta gente? Como Nimoy lidou com isso? Onde terminava o artista e começava o vulcano? A morte de Nimoy e a participação em uma mesa num evento do finado site “Abacaxi Voador” me estimularam, na época, a reler o livro “Eu Sou Spock”, de Nimoy, a fim de ter em mãos a voz do próprio ator. Infelizmente, não pude participar do debate, pois naquele dia 14 de março de 2015, eu havia perdido a minha mãe, vítima de uma embolia pulmonar, duas semanas depois da morte do grande ator. Dois eventos muitos dolorosos. Momentos de muita tristeza e resignação. Resolvi lidar com isso escrevendo. Não quis desperdiçar minhas leituras e anotações. E, portanto, decidi escrever alguns artigos para o “Abacaxi Voador” baseados na leitura de “Eu Sou Spock”. Uma forma de homenagear não só o ator que deu vida a um personagem que muito admirei, mas também de homenagear a pessoa mais importante de minha vida. Decidi reproduzir esses 21 artigos agora em meu site Batata Espacial, cerca de dois anos e meio depois. Assim, espero que essa coletânea de artigos ajude a apresentar mais Leonard Nimoy e Spock aos não iniciados em “Jornada nas Estrelas” e, para os iniciados, que os artigos tragam boas recordações. Afinal, recordar é viver.

                 Muitas homenagens em vida…

O texto de “Eu Sou Spock” nos ajuda muito a entender o fenômeno do vulcano e a carreira desse grande ator que, ao contrário do que muitos podem imaginar, não se limitou apenas ao personagem Spock. Vamos agora fazer uma compilação das ideias principais do livro.

Em primeiro lugar, devemos falar de um vacilo publicamente reconhecido por Nimoy: seu livro “Eu Não Sou Spock”, que tinha como objetivo não falar somente do personagem, mas também do ator Leonard Nimoy e de sua carreira, num esforço de se lembrar às pessoas que Nimoy não é um “ator de um personagem só”. Ele teve a ideia de escrever para seu livro um capítulo intitulado “Eu Não Sou Spock” (que logo se tornaria o título do próprio livro) depois que uma criança no aeroporto não o reconheceu como o vulcano ao ser interpelada pela mãe, já que o ator não estava maquiado como tal. Os editores do livro diziam que as pessoas não gostam de títulos negativos, ao que Nimoy, sabichão como ele só (como ele mesmo disse!) retrucou: “E o que acham de ‘E O Vento Levou’?”. O livro foi editado com o título de “Eu Não Sou Spock”, e foi um fracasso, já que as reprises de “Jornada nas Estrelas” em meados da década de 1970 popularizaram demais a série e as pessoas queriam novos seriados. O título do livro veio em péssima hora. E Nimoy foi acusado de não gostar de “Jornada nas Estrelas” sendo, inclusive, odiado por isso. Quando Nimoy escreve “Eu Sou Spock”, é justamente para desmentir as acusações de que ele não gosta da série e, principalmente, do vulcano.

No próximo artigo, continuaremos destrinchando a vida do ator e do vulcano, que merecem longas homenagens. Até lá!

                     Eu sou Spock… ou não???

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Discovery (Episódio 7, Temporada 1) – Magia Para Fazer O Homem Mais São Ficar Louco – Cinquenta Tons De Se Matar Lorca.

Tudo começa numa festa

E chegamos ao sétimo episódio de “Jornada nas Estrelas, Discovery”, dessa vez com um título quilométrico (“Magia Para Fazer O Homem Mais São Ficar Louco”). Esse foi mais um episódio que, assim como o último, destoou dos cinco primeiros. Parece cada vez mais que os cinco primeiros episódios foram escritos numa vibe que estava, como vimos, muito fora do que estamos acostumados a ver em “Jornada nas Estrelas” e que, de repente, decidiu-se fazer uma espécie de mudança radical na série, voltando ao espírito original de “Jornada nas Estrelas”. Só que, para podermos ter certeza disso, precisamos ver os próximos episódios, até porque algumas questões ficaram mal resolvidas nos episódios anteriores, tal como a guerra contra os klingons, colocada um pouco de lado nos dois últimos episódios, e o sequestro da Almirante Cornwell (esqueceram a mulher lá com os klingons e ninguém está movendo uma palha nem mencionando o nome dela nos dois últimos episódios!!! Muito estranho, não?).

Stamets fala do loop temporal

Mas, o que aconteceu em linhas gerais nesse sétimo episódio? Ele começa com Burnham refletindo sobre a sua adaptação com a nave e a tripulação. Ela passará por mais uma prova de fogo: socializar numa festa. Quando Tyler pede a palavra e se lembra dos dez mil mortos na guerra com os klingons, Tyler e Burnham são chamados à ponte. Eles se esbarram nos corredores com um Stamets completamente doidão. O engenheiro está assim desde que se voluntariou para integrar seu DNA com o do tardígrado e ser o navegador do motor de esporos. Ao chegarem à ponte, Lorca mostra aos dois que uma gormagander, uma espécie de baleia espacial (algo que incomoda, pois o espaço sideral é um meio totalmente inóspito para a vida, seja para gormaganders, seja para esporos), vaga pelo espaço e, por se tratar de uma espécie em extinção, ela deve ser conduzida para o interior da nave para estudos. Ao ser transportada para a nave, a gormagander expele pela boca um alienígena vestido de Kamin Rider atirando para todos os lados. Qual não é a surpresa quando sabemos que o alienígena é o Mudd sinistrão de episódios anteriores? Ele quer o segredo da Discovery para vendê-lo aos klingons. Mas, como foi descoberto, decide usar um explosivo que destruiu toda a nave.

Mudd e um plano brilhante

Voltamos à festa. Ué, como? Isso mesmo, caro leitor, o episódio é daqueles do tipo de loop temporal, onde vemos seguidamente o que aconteceu nos últimos trinta minutos e Mudd tentará, a cada loop, aprender mais sobre a nave até encontrar o segredo da Discovery a ser vendido para os klingons. Ele só não contava que Stamets, em virtude de sua condição toda especial, perceber que os loops ocorrem e ter a memória deles. Será Stamets que alertará Burnham dos loops e do plano de Mudd, onde esses tripulantes, a cada loop, tentarão sabotar os planos do vigarista e aqui assassino.

Matando Lorca várias vezes…

Esse foi mais um episódio de desenvolvimento de personagens pois, a cada loop, Burnham e Tyler tinham que ficar mais próximos para executar o plano que impediria Mudd de tomar a nave e Stamets meio que fazia as vezes de cupido do casalzinho. Não que isso não torne a série mais simpática, até porque, em Jornada nas Estrelas, os trekkers sempre têm afinidades com os personagens, mas confesso que acho um pouco maçante essa campanha em torno de Burnham e Tyler fazerem um par romântico. Enfim… O mais curioso é que, por causa dos loops, Burnham e Tyler não se lembram de seu envolvimento amoroso. Mas eles sabem que o envolvimento existiu e fica aquele clima no ar entre os dois de que algo acontecerá no futuro.

Burnham. Jogo de xadrez com Mudd a cada loop

A ideia do loop temporal, apesar de um pouco desgastada, é boa. Parece que foi seguida aquela máxima do futebol: em time que se está ganhando, não se mexe. Ou seja, é mais seguro usar fórmulas que já deram certo no passado do que correr o risco de se ficar metendo os pés pelas mãos e inventar. É claro que tudo isso depende muito de como você reaproveita a fórmula de sucesso e de como você inventa e inova. Aqui foi interessante ver Mudd usando o loop mais de cinquenta vezes, sendo assassino e sádico em todas elas, principalmente com Lorca, onde o trapaceiro espacial matou o capitão mais de cinquenta vezes, sendo esse curiosamente o alívio cômico do episódio. Sei não, mas parece que depois de personagens importantes serem mortos nos primeiros episódios e ficar aquela tensão em mais mortes de protagonistas nos episódios seguintes, assassinar Lorca várias vezes caiu mais como uma piada para com essa tensão.

Um Mudd muito apático no final…

A ideia de se derrotar Mudd na base da trapaça foi interessante, quer dizer, a única forma de se derrotar um trapaceiro é trapaceando, como foi dito no próprio episódio. O que incomodou um pouco foi a passividade com que Mudd aceitou a sua derrota, ficando ao lado de “sua” Stella. Vimos como esse amor pela esposa era somente da boca para fora e de como a esposa de Mudd, apesar de muito doce aqui, já tem um gênio forte. Quer dizer, aquela receita da mulher chata da década de 60, criticada por ser considerada machista, é retomada aqui sem o menor pudor para ajudar a reconstituir a personagem Stella, ao contrário do que aconteceu com Mudd, que ficou muito descaracterizado. O Mudd da série clássica é vigarista, mas simpático, não mataria ninguém como o sinistro Mudd da Discovery. Agora, fica a pergunta: será a última aparição deste personagem na série?

Assim, “Magia Para Fazer O Homem Mais São Ficar Louco” é o segundo episódio de uma espécie de “novo arco” da Discovery, que coloca o arco principal da guerra dos klingons de lado, investe na construção dos personagens e de seus relacionamentos, tem uma cara de episódio mais destacado, se aproximando das séries antigas e se afastando um pouco do que se faz no streaming, ou seja, um novelão, e que coloca mais um ponto de interrogação na cabeça do espectador: como será o próximo episódio? Dentro de uma vibe soturna dos cinco primeiros, ou dentro da vibe mais colorida dos dois últimos? Esperemos por segunda-feira.

Leia resenhas de outros episódios de Jornada nas Estrelas Discovery aqui

Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas. Radiografando Um Longa: A Terra Desconhecida.

             Cartaz do Filme

O filme “Jornada nas Estrelas 6, A Terra Desconhecida” seria o último longa metragem da tripulação da série clássica, não fosse “Generations”, onde Kirk, Chekov e Scott ainda dão o ar de sua graça, com a desnecessária morte de Kirk. Entretanto, o sexto filme da primeira tripulação da Enterprise deu um final digno àquela equipe, além de mostrar-se uma obra antenada com o seu tempo e os objetivos iniciais da série lá nos anos 1960. Vamos radiografar esse filme agora.

      Nossa amada tripulação em sua última missão

Só para recordarmos, Sulu é o capitão da Excelsior, uma nave que ele ficou admirando no terceiro e quarto filmes. Ficou a impressão que ele mexeu os pauzinhos certos para pegar a nave. Numa missão, ele testemunhará a explosão de Práxis, a lua klingon que é a principal fonte de energia do Império alienígena. Ao saber disso, Spock toma as rédeas das negociações de paz com os klingons e convence seus superiores a trazer para a Terra o chanceler Gorkon para as conversações.

            O grande trio ainda dando caldo

Obviamente, a Enterprise foi escolhida, pois segundo a frota espacial, os klingons não se atreveriam a gracinhas com Kirk por perto, para desespero do capitão. Contrariado com a situação, Kirk parte com a Enterprise para receber Gorkon. Mas o chanceler é assassinado depois de a Enterprise supostamente ter atirado no cruzador klingon, ter desligado a gravidade artificial e dois supostos membros da Federação terem se teletransportado para o cruzador, matando vários klingons a tiros de phaser, assim como o chanceler. Sob a mira dos torpedos fotônicos klingons, Kirk anuncia a rendição e se teletransporta junto com o Doutor  McCoy para o cruzador para oferecer assistência. Mas os dois acabam presos. O que se sucede é uma história onde a paz está ameaçada por uma conspiração envolvendo membros da federação trabalhando juntamente com klingons para manter o estado de beligerância e nossos heróis tentando resolver esse problema para trazer a paz.

           Encontro com o cruzador klingon

O que torna esse filme especial? Em primeiro lugar, a série clássica foi forjada dentro do contexto da Guerra Fria, onde todos os conflitos entre as nações haviam sido expelidos para o espaço. A noção de fronteira sempre foi um paradigma entre os americanos, segundo Frederick Jackson Turner, onde o povo saiu das treze colônias inglesas da América do Norte rumo ao oeste, expandindo as fronteiras americanas e indo além do Pacífico, pegando o Havaí, mas quebrando a cara no Vietnã. Não é à toa que o espaço é a fronteira final.

Gorkon e Kirk. Velhos guerreiros em busca da Terra Desconhecida

Como no século 23 todos os conflitos terrestres tinham sido abolidos, os inimigos agora são alienígenas como klingons e romulanos, alegorias da ameaça comunista da década de 1960. Mas em 1991, cai o Império soviético. Era necessário, então, um longa metragem com esse desfecho, sendo uma representação do fim da Guerra Fria. Nada mais claro nisso do que a conversa entre Kirk e Spock depois da reunião no QG da frota. Kirk, enfurecido, pergunta por que Spock o colocou naquela rabuda de escoltar os klingons, ao que Spock respondeu: “Há um antigo provérbio vulcano: somente Nixon poderia ir à China”. Emblemático.

Cena do julgamento. Um magnífico Plummer e o “avô de Worf”

Outra característica marcante do filme foi a necessidade de se explicar a presença de um klingon na ponte da Enterprise D (nosso estimado Worf, da “Nova Geração”). A nova série de TV, iniciada em 1987, exigia que em algum momento, a paz com os klingons fosse exibida. O fim da Guerra Fria foi o contexto ideal. Uma curiosidade a respeito é que o ator que interpreta Worf na “Nova Geração” também interpreta o advogado de defesa klingon na magnífica cena do julgamento de Kirk e McCoy (reza a lenda que o advogado seria o avô de Worf). Ainda no universo klingon do filme, temos a presença do consagrado ator Christopher Plummer, o pai ranzinza de “A Noviça Rebelde” (confesso que quando revi “A Noviça Rebelde” depois de “A Terra Desconhecida”, a primeira imagem de Plummer no filme me trouxe um “Q’aplá!”, a saudação klingon, à cabeça).

    Kirk enfrentando problemas em Rurah Penthe.

Gosto muito de ver atores consagrados trabalhando em franquias, acho que isso leva mais credibilidade a elas. A única exigência de Plummer foi que seu personagem Chang não tivesse longas cabeleiras. Mas até as cristas na testa ele aceitou. Genial! Outro detalhe notável foi associar os klingons a Shakespeare. Tudo a ver! Amantes da violência explícita! Por isso que se deve ler Shakespeare no original, ou seja, em klingon!

                  Enterprise A sem escudos!!!!

Mais um detalhe interessante: a relação entre Spock e a vulcana Valeris, que ele considerava ser sua herdeira. Nosso primeiro oficial tem uma afeição praticamente filial pela novata e sua decepção fica muito clara quando descobre que ela faz parte da conspiração e precisa fazer o elo mental nela para descobrir os membros da conspiração. Nota-se que, ao contrário do que ocorria na série clássica, ele não tem o menor pudor de esconder as emoções. Isso por dois motivos: a decepção fora enorme e por estar cercado de amigos de longa data que já sabiam de seu lado humano. De qualquer forma, sempre é bárbaro ver Spock revelando suas emoções, ainda mais numa situação de desalento como essa.

       Spock e Valeris. Afeto e mágoa

Por fim, a conspiração. Se na série clássica a Federação aparece como algo totalmente racional e asséptico a atitudes pouco virtuosas (reproduzindo um espirito talvez de inspiração positivista, totalmente falso para cabeças “menos evoluídas” do século 20), neste filme vemos membros da Federação conspirando junto com klingons para manter a guerra, algo mais palpável com nossa realidade. Esses desvios de caráter de membros da Federação são também vistos em “Deep Space Nine”. Os que conspiram são aqueles que temem um mundo de paz no futuro, a “Terra Desconhecida” que Gorkon brindou no sensacional jantar na Enterprise.

Final feliz. Pela última vez, tripulação salva o dia

Por essas e por outras, “Jornada Nas Estrelas 6, A Terra Desconhecida” é um filme de fundamental importância na franquia mais amada de todos os tempos (na minha modestíssima opinião).

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas, Discovery (Episódio 6, Temporada 1) – Lethe. Karatê Vulcano.

Sarek, vergonha nos erros do passado…

Chegamos ao sexto episódio da primeira temporada de “Jornada nas Estrelas, Discovery”. “Lethe” traz para nós uma forte diferença em relação aos episódios anteriores. Escrito por Joe Menosky, que fez roteiros para outras séries de Jornada nas Estrelas, e Ted Sullivan, o episódio tem como tema central uma viagem que Sarek faz para tentar um acordo com duas casas klingon que estão em conflito contra a casa de Kol. Mas o vulcano que o acompanha na nave é um “extremista da lógica”, que é contra a interação de Vulcano com os humanos, e provoca uma explosão na nave de Sarek, que consegue levantar um campo de força a tempo, mas fica ferido. Como o katra (alma) de Sarek tem uma ligação, mesmo à distância, com a mente de Burnham, esta sente o perigo pelo qual o pai passa e ela pede a Lorca que a Discovery vá salvá-lo, sendo prontamente atendida pelo capitão. Quando chegam próximo à nave de Sarek, Burnham tenta fazer o elo mental com o pai de forma mais efetiva e entra na mente dele. Ela pode então presenciar o dia em que foi reprovada pelos vulcanos para entrar no grupo expedicionário por ser humana demais. E toda vez que Sarek a vê, ele tenta expulsá-la de sua mente. Na primeira vez, ela é atirada com um empurrão do pai. Mas nas outras vezes que ela retorna à mente, a moça fica lutando uma espécie de karatê vulcano com o Sarek, o que ficou um tanto ridículo. Burnham irá descobrir que, como Sarek tinha dois filhos de origem humana, os vulcanos disseram a ele que escolhesse apenas um deles para entrar no grupo expedicionário vulcano, ao que Sarek escolheu Spock e manteve essa decisão escondida de Burnham por anos, o que traumatizou a moça, que se sentiu a pior das criaturas por ter falhado como elemento de ligação entre humanos e vulcanos. Sarek, por sua vez, sentiu vergonha de ter feito a filha adotiva sofrer e, para arrematar, ainda o fato de que Spock preferiu a Frota Estelar só aumentou em Sarek a sensação de que ele cometeu um erro.

Burnham. Sofrimento para salvar o pai…

Mas a história teve um outro núcleo. Ao querer ajudar Burnham a salvar Sarek, Lorca passou por cima de protocolos da Federação, o que lhe rendeu uma visita da Almirante Cornwell para lhe dar uma chamada de atenção. Aproveitando o fato de que os dois são amigos e Cornwell inclusive foi a psicóloga dele que deu o laudo dizendo que tudo estava normal com nosso tresloucado capitão, Lorca seduz Cornwell, primeiro com umas bebidinhas, depois na cama. Enquanto Lorca dorme, Cornwell tateia as cicatrizes que estão nas costas do capitão e ele acorda de repente apontando um phaser que estava escondido na cama na cara dela. Foi o suficiente para a almirante dar um tremendo piti, dizendo que ele forjou os testes psicológicos e que ele não está habilitado para comandar a Discovery por ser um caso patológico, etc, etc. Só que Sarek não está habilitado por hora a fazer a reunião com os klingons e Cornwell vai precisar ir em seu lugar. Está na cara que a almirante será vítima de uma emboscada e será sequestrada pelos klingons, tudo isso para que Lorca não perca o comando da Discovery. O episódio termina com Lorca ordenando a Saru que peça instruções à Frota do que fazer a respeito do sequestro de Cornwell (não podemos desrespeitar os protocolos da Frota, não é mesmo?), mas com o phaser escondidinho lá na parte de trás de sua calça.

Um relacionamento paranoico…

Qual foi o ponto positivo desse episodio? Trabalhou-se mais a relação entre Burnham e Sarek. Sabemos um pouco mais da infância da protagonista e de seus traumas. Além de ter perdido os pais biológicos num ataque klingon, a própria Burnham quase perdeu a vida num atentado dos extremistas da lógica vulcanos. Ela somente sobreviveu porque Sarek colocou parte de seu katra na mente de Burnham, e isso explica porque os dois conseguem fazer o elo mental à distância, sendo uma explicação bem convincente para algo que parecia absurdo. O fato de o pai ter escondido que ele precisou fazer uma escolha entre os dois filhos para entrar no grupo expedicionário vulcano foi algo que trouxe muito trauma à Burnham e arranhou a relação entre os dois. Assim, o episódio acertou muito no desenvolvimento desses dois personagens. Acertou também no desenvolvimento de Lorca, que se revelou psicologicamente comprometido e muito vulnerável, algo relativamente bom para um capitão que era somente visto até agora como uma figura muito sinistra. Essa complexificação progressiva dos personagens é frutífera para a série, desde que se não faça o que se fez com Saru, que a cada semana mostrava uma oscilação brusca de comportamento.

Mas o episódio deu novamente uns chutes no saco dos fãs mais de raiz, como Discovery tem sempre o costume de fazer. A tal cena de karatê entre Burnham e Sarek foi simplesmente ridícula. Tudo bem que isso pode ter sido feito para atrair um público mais novo, etc., etc., mas, por exemplo, jamais imaginaria Mark Lenard e Leonard Nimoy numa situação tão constrangedora. Só que isso não foi o pior. Sim, falo dos extremistas da lógica, que acham que atos terroristas são a coisa mais lógica a se fazer para purgar o relacionamento dos vulcanos com os emotivos terráqueos. Isso vai contra tudo o que os vulcanos são. Eles abraçaram a lógica justamente para purgar a violência. E agora usam a violência para proteger a lógica??? Que ilógico, não??? Há alguns trekkers que acham que os vulcanos são extremamente arrogantes e que tratam os humanos com desdém, e aí os extremistas da lógica até cairiam bem nesse ponto de vista, mas cá para nós, confesso que não me enquadro nesse time pela razão que descrevi acima.  Criar um grupo vulcano extremista da lógica é muito pior do que colocar quilos e quilos de borracha na maquiagem de um klingon.

Merchandising!!!

Outra coisa que incomodou bastante foi o piti da almirante. Lorca faz um monte de arbitrariedades, sacrificando tardígrado e tudo, e a mulher reclama que ele tem um phaser debaixo do travesseiro? E, devemos nos lembrar que ela não tem muita moral para reclamar das coisas não, pois ela é uma psicóloga que dormiu com seu paciente. O que o Dr. McCoy diria disso? Pelo menos, o previsível roteiro (nesse ponto, pelo menos) a fez de refém dos klingons e agora Lorca deve ser o salvador da pátria. Ou será que ele vai protelar o resgate da Almirante para não perder o comando da Discovery??? Hummmm, ficaria muito interessante!!!

Dessa forma, parece que dessa vez a história ficou mais interessante que as anteriores, até porque saiu um pouco do clima de guerra e desenvolveu mais os personagens. Ou seja, foi um episódio que até agora se desenvolveu de forma mais destacada dos demais, que se comportam interligados como uma espécie de novelão, característica mais vigente nas séries de streaming. Vale a pena dar uma conferida nesse. Resta agora saber se a série tomará novos rumos ou voltará para o que tem sido antes do episódio dessa semana. Vamos aguardar.

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Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Discovery (Episódio 5 Temporada 1) – Escolha A Sua Dor. Um Capitão Fujão E Um Mudd Sinistrão.

Lorca vai ser torturado!!!

E chegamos ao quinto episódio da primeira temporada de “Jornada nas Estrelas Discovery”. Com um terço de temporada exibido, as coisas ainda andam meio que enigmáticas nas cabeças dos fãs. Os trekkers de raiz parecem que detestam cada vez mais e já até desistiram de considerar essa série uma verdadeira Jornada nas Estrelas, seja por violações ao cânone, seja por roteiros mal escritos, etc. A galera é muito atenta e tem lá a sua razão, se compararmos essa série com as demais. Mas eu fico conjecturando aqui. Já que a coisa parece sair tanto da curva, estourar a escala, será que tudo isso não está sendo feito de propósito? Ou seja, vendeu-se que a série recuperaria o espírito original de Jornada nas Estrelas e, de repente, vem algo tão fora do que se estava acostumado a ver. Será que os caras que estão produzindo essa série pretendem cutucar a onça com vara curta para depois retomar o curso original de uma série com verdadeiro espírito de Jornada nas Estrelas? Ou chutar o pau da barraca de uma vez? Eu me pergunto isso porque a série se afasta cada vez mais de alguns aspectos básicos do cânone e creio que isso começa a incomodar até os mais otimistas com relação à série.

Mudd de volta!!!

No que consiste a história desse episódio? Ela desenvolve basicamente dois subtemas paralelos. Em primeiro lugar, a continuação do dilema do tardígrado. Burnham tem pesadelos com as torturas que o bichão sofre e ela mesma se vê no lugar do tardígrado, sendo torturada nesses sonhos sombrios. A moça, totalmente incomodada com essa questão, procurou Stamets e o doutor Culber (interpretado por Wilson Cruz) para conversar à respeito. A cada salto do motor de esporos, o bichão fica cada vez mais fraco e Burnham teme por sua vida. Enquanto isso, no outro subtema, Lorca é comunicado na base 28 por seus superiores que o uso do motor de esporos da Discovery será limitado com o intuito de se proteger tal tecnologia. Mais tardígrados serão caçados pelo espaço da Federação, algo que incomoda logo de cara. Lorca é capturado pelos klingons enquanto retornava à Discovery, sendo levado a uma nave-prisão. Na cela, Lorca encontra o lendário Mudd e um outro oficial da Frota Estelar todo ferido. Esse Mudd não é bem o Mudd da série clássica. Mesmo sendo um cafajeste e vigarista, ainda assim o Mudd da série original tinha um tom cômico que o tornava simpático até certo ponto. Já o Mudd de Discovery é muito mais sinistro e inescrupuloso. O outro oficial está todo ferido, pois volta e meia entra um klingon na cela e pede para Mudd “escolher sua dor”. Isso significa que quem ele escolher será espancado e torturado pelo klingon. A coisa mais ética a fazer era escolher a si próprio, mas Mudd chuta a moral para escanteio e sempre escolhe o colega de cela que morre de tanto apanhar. Lorca encontra outro oficial da Frota Estelar preso, o tenente Ash Tyler (interpretado por Shazad Latif), que não tem marcas de agressão. Tyler alega que a comandante da nave-prisão L’Rell (a mesma que ficou na Shenzhou no episódio anterior, infelizmente não se explicou como ela saiu de lá) está interessada nele e não o agride. Já Mudd diz a Lorca que a arrogância da Federação é a responsável pela guerra contra os klingons. Lorca é levado para  ser interrogado por L’Rell e é torturado com luz, pois não revela os segredos da Discovery que a klingon quer.

Convencendo a não usar um tardígrado…

Na Discovery, é descoberto que os DNAs do tardígrado e do micélio da rede espacial interagem e é só então achar um DNA de outro ser compatível para obter essa interação. O tardígrado está desidratado e praticamente morto, pois Saru ignorou as recomendações de Burnham, Stamets e Culber de não usar mais o tardígrado, pois era vital salvar o capitão do sequestro e usar o motor de esporos.

Na nave-prisão, Lorca volta para a cela e descobre que um insetinho de estimação de Mudd tem um transmissor que passa para os klingons tudo o que os prisioneiros falam na cela. Lorca fica revoltado e arremessa o insetinho contra a parede. Mudd provoca Lorca e diz a Tyler que quando o capitão comandava a USS Buran, ele abandonou a nave e sua tripulação durante um ataque klingon, Lorca arrematou dizendo que não somente abandonou a nave como a explodiu e matou toda a sua tripulação, pois não queria ver seus homens torturados pelos klingons e serem mortos de forma humilhante e pública (lamentável, pois um verdadeiro capitão de Frota Estelar não abandonaria a sua nave sem pelo menos salvar sua tripulação; essa história precisa ser mais bem explicada a meu ver). Chega um klingon e Lorca precisa escolher a sua dor. Tyler se voluntaria e Lorca o escolhe. Mas Lorca e Tyler reagem, matando o klingon e outro que aparece em seguida, quebrando seus pescoços. Eles deixam Mudd na cela, que professa um discurso de vingança e ódio contra Lorca. Nos corredores da nave-prisão, Lorca e Tyler pulverizam alguns klingons com os phasers. Tyler se fere e Lorca o deixa, dizendo que irá voltar depois de encontrar uma saída. Mas L’Rell encontra Tyler e os dois lutam. Lorca volta e dá em L’Rell um tiro de phaser que arranca metade de seu rosto. Esta grita de dor e ódio. Lorca e Tyler conseguem fugir num caça klingon, mas são perseguidos por outros caças. Eles vão em direção à Discovery. Saru, com a experiência de sua espécie em distinguir predador e presa reconhece a nave de Lorca e Tyler e os transporta para a Discovery. O motor de esporos é acionado, com Stamets, sem o conhecimento de ninguém, no lugar do tardígrado. Saru tem mais uma de suas mudanças de opinião com relação a Burnham e agora diz, depois de tê-la confinado ao alojamento,  que tem inveja e raiva dela por ter sido a número 1 de Georgiou e tudo que Saru queria era que Burnham conseguisse o comando de uma nave estelar para ele ser o número 1 de Georgiou. Burnham contemporiza e diz que ele se saiu muito bem, e que Georgiou concordaria com essa opinião. E deu a Saru de presente o telescópio de Georgiou. Saru ordena Burnham a salvar o tardígrado. Ela decide soltá-lo pois libertando o bichão, ele voltará a fazer as suas viagens. O tardígrado acaba indo embora. O episódio termina de forma um tanto inusitada: Stamets e Culber escovando os dentes juntos, revelando um relacionamento íntimo.

Burnham colocada a escanteio nesse episódio…

Ok, vamos lá. Eu disse lá no início que Discovery pode estar saindo muito da curva do cânone de forma proposital, para talvez tentar fazer uma reviravolta mais ao final da temporada. Isso é pelo menos o que eu espero e torço, pois as derrapadas neste episódio foram, a meu ver, um pouco pesadas. O que mais me incomodou foi os poucos momentos de violência extrema, sendo um tanto desnecessário. Se os klingons aparecem mais ameaçadores nesse episódio (e eu considero isso algo bom), a violência extremada dos membros da Federação me soou muito indigesta, mesmo já sabendo das fugas do cânone. Me refiro a três momentos. O primeiro quando Lorca atira o insetinho de Mudd contra a parede. Muito desnecessário aquilo. Que Lorca jogasse o bichinho no chão e arremessasse o transmissor contra a parede. Sei que isso pode parecer uma bobagem, mas atirar um ser vivo que não tem nada a ver com o problema contra a parede me parece uma postura muito irracional para um capitão de Frota Estelar de uma Federação que, pelo cânone, respeita qualquer forma de vida alienígena. Aí, podem dizer: mas o cânone não está sendo respeitado mesmo. Bom, se não está sendo respeitado e a Federação é arrogante e sem escrúpulos (como disse Mudd), é melhor começar a torcer para os klingons então, pois parece que eles têm razão com relação à Federação. O segundo momento se refere à forma como Lorca e Tyler matam os klingons, quebrando-lhes o pescoço. Sei não, deu uma impressão que a estrutura óssea deles era muito frágil. E sabemos que um klingon não é tão fraquinho assim. Eles têm costelas trançadas, mais adequadas para proteção em situação de combate, por exemplo. E, cá para nós, achei que os dois membros da Federação poderiam muito bem ter colocado os klingons em combate corporal para dormir. Esse negócio de sair matando todo mundo (até a própria tripulação, como foi no imperdoável caso da USS Buran) cai mal, mesmo sendo fora do cânone. Agora, o momento violento mais desagradável foi a mutilação do rosto de L’Rell, tão agressivo quanto a violência com o tardígrado a meu ver. Para fazer aquilo, pulveriza a mulher de uma vez! Não deixem ela mutilada gritando e sofrendo, mesmo que ela tenha torturado antes! Frota Estelar torturando, além de não ser cânone, não é nem ficção científica. É Dirty Harry!

Pelo menos, esse episódio deu mais alguns passos em direção à Jornada nas Estrelas em sua essência. A já esperada preocupação com o tardígrado aflorou, embora ainda tenha esbarrado em Saru que, para mostrar serviço, se comportou de forma dura, meio a la Lorca, mesmo que a contragosto (os roteiristas brincam muito com esse personagem que poderia ser muito bom). Apesar disso, o bicho foi salvo por algumas vozes mais sensatas numa nave que tem se mostrado tão insana. Um segundo ponto é o inusitado relacionamento entre Stamets e Culber. Inusitado não por ser homossexual, não me entendam mal, mas sim por se constituir de dois personagens quase sem qualquer interação um com o outro ao longo dos episódios. Enquanto Stamets é um personagem bem construído, Culber surgiu tardiamente na série. Claro que com o relacionamento, Culber subirá em patamar de importância. E isso é bom, pois Jornada nas Estrelas sempre lidou bem com as diferenças e já havia passado da hora de se abordar o homossexualismo. Só fica uma dúvida aqui: Stamets tirou o tardígrado do motor de esporos porque achou a coisa certa a se fazer ou porque a pressão de Culber foi mais efetiva pelo fato de os dois terem um relacionamento afetivo? Se Stamets não tivesse nada com Culber, ele teria tratado o tardígrado da mesma forma? Ou não estaria nem aí para o sofrimento do bichão?

Um relacionamento fofo…

Assim, esse novo episódio de Jornada nas Estrelas Discovery, “Escolha a Sua Dor”, ainda traz problemas como a violência excessiva e desconfortável, mas por outro lado, deu um digno desfecho ao tardígrado e iniciou o homossexualismo aberto em Jornada nas Estrelas. Esperemos que essas saídas do cânone nos apontem para uma luz no fim do túnel no futuro. E fica mais uma pergunta aqui: qual é a de Ash Tyler???

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Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas 4. Radiografando Um Longa: A Volta Para Casa (Parte 2).

Como e quando usar as metáforas pitorescas?

Voltamos aqui a falar de “Jornada nas Estrelas 4: A Volta para Casa”. Por que esse é o melhor dos longas-metragens? Porque ele foi o mais fiel ao espírito da série. O primeiro longa foi altamente cerebral e artístico, fazendo uma ficção científica altamente intelectualizada. O segundo e o terceiro fizeram alusões a elementos da série (Khan e os klingons), além de abordar temas filosóficos como os efeitos da passagem do tempo na vida das pessoas, ou temas de história presente (para a época que os filmes foram feitos) como a Guerra Fria. Entretanto, os dois filmes estavam embebidos no clima de violência imperante nos filmes de ação da década de 1980, algo que o próprio Gene Roddenberry repudiava.

                         Elo mental com jubarte.

E o quarto filme? Este acertou na mão, pois em primeiro lugar, foi abandonado o manto de violência. Além disso, ele tratou de ser uma ficção científica considerando temas como viagem no tempo e as qualidades e defeitos da humanidade (algo muito explorado na série clássica, principalmente quando Spock criticava os defeitos da humanidade para exaltar seu lado vulcano). Mas o principal: a história trouxe um delicioso humor muito caro à série, onde aconteciam os debates acalorados entre McCoy e Spock, sempre engraçados. O filme tem muitas passagens hilárias, como Kirk xingando o motorista que quase o atropela, o ato de colocar os óculos “no prego” na loja de penhores (“100 dólares é muito?”), o fato de Chekov, um russo, perguntar a um guarda de rua onde ficam os navios nucleares em plena Guerra Fria (nessa cena, em meio aos figurantes, passava uma moça que, despercebidamente, participou do filme e deu a dica a Chekov e Uhura de que os navios estavam do outro lado da baía!), o uso das “metáforas pitorescas” (ou palavrões) por parte de Spock em momentos impróprios, ou a ótima cena do ônibus onde Spock põe um punk para dormir, pois ele fazia muito barulho com um rádio gravador cassete (lembra? Você teve um? Eu tive!). O detalhe é que o punk é um dos produtores associados do filme e foi um dos compositores da música que saía do rádio gravador. A cena do hospital com McCoy o comparando à Inquisição Espanhola também é sensacional! O filme está cheio de situações engraçadas. Mas não de um humor simplório e sim muito inteligente e refinado.

                                 Boa viagem!!!

O choque cultural entre a tripulação do século 23 e a vida no século 20 é outro detalhe digno de atenção e que deu um sabor especial ao filme. Kirk qualifica a cultura do século 20 como “primitiva e paranoica”. Spock identifica altos níveis de poluição na atmosfera como indício de que eles haviam chegado a 1986. As notícias de negociações fracassadas de redução de armas nucleares estampadas nos jornais renderam o comentário rabugento e irônico de McCoy: “É um milagre essas pessoas sobreviverem ao século 20”. Todas essas situações de estranhamento pelos olhos do outro nos ajudavam a identificar os absurdos do mundo daquela época, principalmente num dos temas chave do filme, que era a matança e extinção das baleias. Ao acabar com elas, o homem cavava sua própria extinção, realmente uma forma muito inteligente de falar sobre a questão da ecologia, tão em voga naquela época e que mostrava como o ser humano, por também fazer parte do ecossistema, pode sofrer  consequências se começar a destruir o meio ambiente. O mais triste é que alguns dos absurdos assinalados no filme ainda permanecem muito contemporâneos.

                                      Bye Bye.

As emoções de Spock são obviamente mais uma vez enfocadas. Desta vez porque ele foi reeducado dentro dos padrões vulcanos após “ressuscitar”. Ao fazer seus testes, ele responde simultaneamente várias questões sobre várias disciplinas (como se fizesse um multi enem!)  mas, ao ser perguntado pela máquina como se sentia, ele não entendia o sentido da pergunta. Sua mãe é que irá recolocá-lo no caminho das emoções ao lembrar ao filho o sacrifício de seus amigos humanos para salvá-lo, algo que foi contra todas as implicações lógicas. As situações que aparecem ao longo do filme, como a necessidade de resgatar Chekov do hospital, também auxiliam na forma como o vulcano volta a enxergar a importância das emoções e do sentido de companheirismo, ficando junto a seus amigos na cena corte marcial.

Definitivamente, esse é o melhor filme de todos. Todas as virtudes da série assinaladas. Inteligência e humor eram as características mais marcantes da série clássica. E também essas caraterísticas apareceram em “Jornada nas Estrelas 4: A Volta para Casa”.