Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas 4. Radiografando Um Longa: A Volta Para Casa (Parte 1).

               Cartaz do Filme

E chegamos ao quarto longa da tripulação da série clássica. Sem sombra de dúvida, o melhor filme de todos, o de maior sucesso de público. Tem gente que não é fã de “Jornada nas Estrelas”, mas disse que viu “o filme das baleias”, que trazia o otimismo com relação ao futuro, inerente a Gene Roddenberry. “A Volta Para Casa” é o mais fiel longa-metragem à série, além de contar com um excelente roteiro, sendo o auge dos seis filmes produzidos. A equipe de produção disse que se divertiu muito ao fazer o filme, incluindo Leonard Nimoy, que ajudou a conceber a história, assinou a direção e ainda atuou.

     A tripulação da Enterprise agora em 1986

Após os sucessos de bilheteria de “A Ira de Khan” e “A Procura de Spock”, Nimoy recebeu uma espécie de carta branca para fazer o novo filme, ou seja, ele tinha a autorização de colocar sua visão e ele queria fazer uma história sobre viagem no tempo. Harve Bennett, o produtor, só impôs uma condição: que o filme tratasse do tempo presente daquela época, o ano de 1986. Era necessário, portanto, um motivo para a volta no tempo. Foi encontrada a saída da questão da extinção das baleias jubarte. Logo, o filme abordou um tema referente à consciência ecológica que despontava em meados da década de 1980. Foi criada a ideia de uma sonda alienígena que viria à Terra para se comunicar com as baleias, e não os humanos que, segundo Spock, na sua arrogância pensam que são a única espécie inteligente da Terra. Mas, no século 23, as baleias jubarte já estariam extintas e o sinal de comunicação da sonda alienígena interferia nas fontes de energia da Terra e das naves que cruzavam o caminho. Enquanto isso, nossa tripulação saía de seu exílio em Vulcano para retornar à Terra e encarar a corte marcial, depois do sequestro da Enterprise para salvar Spock. Voltando na Ave de Rapina, eles receberam a mensagem de não se aproximar da Terra, em virtude da sonda alienígena, que mandava seu sinal em direção ao mar. Ao receber o sinal da sonda, Kirk pediu a Uhura para verificar como ficaria o sinal dentro da água salgada do mar. O resultado foi o canto das jubartes. Devido à sua extinção, era necessário retornar ao passado para buscar as baleias e transportá-las para o século 23, com o objetivo de fazê-las entrar em contato com a sonda. A Ave de Rapina fará isso contornando o Sol em alta velocidade warp, usando ainda o forte campo gravitacional do astro para aumentar ainda mais a velocidade da nave e, assim, retornar ao passado (essa “dobra temporal” usando o campo gravitacional do Sol foi usada no excelente episódio da série clássica “Amanhã é Ontem”, escrito por D. C. Fontana, que um dia ainda falaremos aqui).

              Kirk e Spock à procura de baleias…

Nimoy quis um filme menos sério que os outros onde, além da busca da solução do problema apresentado, também  houvesse um toque de humor. Essa tarefa ficou a cargo de Nicholas Meyer, o diretor de “A Ira de Khan”, que se surpreendeu com o pedido de Nimoy, mas escreveu a parte do roteiro que tratava da tripulação perambulando pela San Francisco de 1986, enquanto que Benett ficou responsável pela parte do roteiro no século 23. O responsável pela Paramount, Ned Tannen, gostou muito do roteiro, e as filmagens começaram. Para Nimoy, foi fácil trabalhar nas filmagens, pois ele também havia trabalhado no roteiro por um ano e meio.

                              “Hello, Computer!”

Ao se trabalhar com viagens no tempo, a produção do filme esbarrou na velha questão: não se pode alterar o passado. Em vez disso, a produção optou por não ter medo de alterar o passado, desde que se avise isso antes e lançando mão de doses de humor. Vemos tal situação quando Kirk penhora no século 20 um par de óculos que McCoy lhe deu de presente no século 23. Alertado por Spock sobre isso, Kirk responde. “Sim, foi um presente de McCoy e será de novo”. Ou então na cena em que Scott dá a fórmula de alumínio transparente para o dono da fábrica no século 20, em troca das placas que usarão no tanque das baleias. McCoy disse a Scott que ao dar a fórmula, eles estarão alterando o futuro. Ao que Scott retruca: “Por que? Como sabemos se ele não foi o inventor?”. Benett disse que usou essas passagens com o intuito de resolver o problema e tirar os céticos do caminho.

No próximo artigo, continuaremos falando mais sobre esse que foi o melhor de todos os longas da série clássica. Até lá!

 

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas – Discovery – Episódio 4 Temporada 1 – A Faca Do Açougueiro Não Ouve O Berro Do Cordeiro. Fins Justificam Os Meios?

Burnham. Pesquisando um tardígrado

E saiu mais um episódio de “Jornada nas Estrelas, Discovery”, ainda dentro do muito clima de polêmica que a série tem produzido e provocado muitas discussões entre os fãs. Esse é o episódio com o segundo maior título de toda a franquia e parece que ele tem embutido uma espécie de grito de protesto contra os rumos que a série toma, gritos esses que estão ecoando nos trekkers mais tradicionais.

Landry. Morte desnecessária

Mas, no que consiste a trama desse episódio? Ele já começa com uma contradição com relação ao episódio anterior, no que se refere à relação entre Saru e Burnham. Se antes Saru tinha um relacionamento até certo ponto terno com Burnham, agora quando fica claro que ela vai fazer parte da tripulação definitiva da Discovery, Saru volta a ter um comportamento um tanto repulsivo com relação a ela, onde seus gânglios agitados denunciam medo de que ela seja perigosa para a nave. Mais uma brusca alteração de comportamento desse personagem, que oscila a cada episódio. Isso por um lado é interessante, pois mostra toda uma complexidade de Saru, mas por outro também o coloca como uma espécie de cara que não sabe exatamente o que quer. Isso deveria ser definido mais claramente, ou seja, ele é a favor ou contra Burnham na nave? Que isso seja definido de forma mais visível.

Continuando a falar sobre o episódio, Lorca dá a Burnham a missão de descobrir como usar o tardígrado (o tal bichão assassino do episódio anterior) como uma arma. Para isso, Burnham terá a ajuda da chefe de segurança Landry. Ao analisar mais a fundo o tardígrado, Burnham percebe que o bichão é uma versão macroscópica de uma criatura microscópica altamente resistente que vive na Terra há milhões de anos e somente descoberta recentemente (quer dizer, o bicho existe mesmo e pode estar aí em cima de você agora!), e começa a suspeitar de que o animal pode não ser agressivo, mas Landry, totalmente influenciada pelo espírito belicista de Lorca, insiste que o animal deva ser usado como arma. Enquanto isso, Lorca recebe informações de uma almirante que um planeta que contém uma mina que produz cerca de 40% do dilítio da Federação está sob ataque klingon e a Discovery é a única nave que pode chegar lá a tempo, por causa do motor de esporos. Entretanto, Paul Stametz, responsável pelo motor, diz que ele não tem a precisão de navegação para chegar aos objetivos traçados. Para piorar a situação, numa atitude totalmente destemperada, Landry solta o bichão para “tirar um pedaço dele” para análise, depois de ouvir os gritos de desespero dos habitantes do planeta atacado pelo rádio e acaba sendo morta pelo tardígrado, o que coloca uma pressão extra de Lorca em Burnham. Definitivamente, essa foi uma morte totalmente desnecessária, exceto pelo fato de que agora Burnham poderá ter um posto efetivo na Discovery (dá a impressão de que essa era a intenção dos roteiristas, vamos ver). Mesmo assim, essa morte ficou muito esquisita e se perdeu uma boa oportunidade de se transformar Landry em uma personagem mais próxima de um espírito mais humanitário a la Federação e contra Lorca.

O que você quer da vida, Saru???

Voltemos à história. Enquanto isso, Vog e L’Rell, um casal klingon, continuava nos escombros das naves que passaram pela batalha das estrelas binárias, depois de seis meses (???), comendo, inclusive, o corpo da capitã Georgiou para sobreviver (????). Eles estão na dúvida se tiram ou não o dilítio da Shenzhou para poder colocar sua nave para sair de lá. Vog, como uma espécie de herdeiro espiritual de T’Kuvma, acha que retirar  dilítio da nave que matou seu senhor soaria como uma blasfêmia. Mas L’Rell o convence de retirar o material. Nisso, surge Kol, da casa de Kor, que acaba tirando o dilítio e a nave de Vog. L’Rell finge, num primeiro momento, ficar ao lado de Kol, mas acaba se transportando para a Shenzhou, para onde Vog foi enviado. Os dois ficam lá naquela nave da Federação em escombros que aparentemente não tem nada para tirá-los daquela situação. Aqui, devemos fazer um pequeno parêntesis. Muito se tem falado mal dos klingons por aí, desde a maquiagem que esconde as feições dos atores, atrapalhando sua interpretação, passando pela pronúncia do idioma klingon (eles parecem estar com um chumaço de algodão na boca), são sem honra, são bundões, etc., etc. Entretanto, creio que essa coisa de ter surgido um casal renegado de posse de uma nave da Federação pode dar um fôlego interessante a esse arco. A presença de Kol, totalmente sem honra e passando por cima do messianismo de T’Kuvma encarnado em Vog lembra um pouco a cisão entre sunitas e xiitas no islamismo. Os primeiros são seguidores da Suna, um dos livros do islamismo e os segundos se intitulam descendentes diretos do profeta Mohammed. Nesta visão de Discovery, T’Kuvma faria o papel de Mohammad, o casal Vog e L’Rell seriam os xiitas e Kol faria mais o papel sunita (lembrando sempre que essa é uma comparação que cabe se for relativamente superficial). Ou seja, a cisão interna entre os klingons pode trazer um molho especial, pelo menos é o que eu espero. E a falta de honra de Kol nisso tudo? Aí a gente pode se lembrar de que as 24 casas ainda não estavam suficientemente unificadas e o conceito de honra talvez não estivesse totalmente cunhado, sendo esse um dos objetivos de T’Kuvma. Esperemos que as cabeças dos roteiristas estivessem suficientemente iluminadas para terem antecipado todas essas alternativas em histórias futuras. Caso contrário, cartas (ou e-mails, tweets e comentários) para a CBS.

Kol, um klingon sem honra

Continuemos a história. Depois de alguns estudos (e muitos tecnobabbles), Burnham descobriu que o tardígrado poderia ajudar a Discovery a traçar os rumos de navegação corretos, pois ele comia os esporos. Ainda, ele não seria visto como uma ameaça para a tripulação, pois Burnham fez uma espécie de teste com Saru, sem o conhecimento deste, e seus gânglios não teriam se agitado com o bichão (se Saru, que é o mais covarde de todos da tripulação, não tem medo do tardígrado, ninguém mais terá).  O problema é que, para fazer isso, o bichão era aprisionado e torturado para a nave poder chegar à rota traçada, o que deixou Burnham perplexa e sem reação naquele momento. Esse acabou sendo o mote principal do episódio. O espírito belicista de Lorca meio que autoriza a tortura de um ser vivo para a nave alcançar seus objetivos. A alusão ao episódio “Demônio da Escuridão” da série clássica é imediata. Só que, naquela ocasião, encontrou-se um meio termo que levou a uma boa convivência entre a orta e os humanos. Aqui em Discovery, os fins parecem justificar os meios e o pobre do tardígrado é torturado para que a nave consiga traçar a rota correta com o motor de esporos. Isso provocou uma grita geral entre os fãs. Contudo, o que parece que está começando a acontecer é que até alguns personagens começam a se sentir desconfortáveis com tais situações e atitudes que saem muito dos rumos e parâmetros que a Federação tem. Já foi falado em artigos anteriores que está ficando muito clara a posição altamente singular que a Discovery tem perante à Federação. Burnham inicialmente ficou sem reação, tamanha a sua perplexidade quando viu o sofrimento do tardígrado. Esperemos agora que a protagonista tenha uma posição mais dura perante Lorca com relação a esse assunto nos próximos episódios, pois esse gancho é o que mais aproximou a série do cânone até agora. Dentre os inconformados com relação a forma como as coisas são levadas na Discovery, a gente também não pode se esquecer de Paul Stametz e suas desavenças com Lorca, que usa o projeto do cientista para fins bélicos e Stametz quer um uso científico para a coisa. Apesar de Stametz ser contra a guerra e não se entender com Lorca (a relação entre os dois, aliás, é bem tensa), o cientista também não se preocupou muito com o bem estar do tardígrado quando percebeu a utilidade do bichão para o sucesso de sua pesquisa. Entretanto, com o passar dos episódios, fica a impressão de que a tripulação está cada vez mais desconfortável com as atitudes de Lorca, principalmente quando ele tentou “estimular” seus comandados a alcançarem resultados melhores mais rapidamente, colocando todos para escutar os gritos de desespero do povo atacado pelos klingons no planeta mina. Mais assédio moral do que isso, impossível. Se bem que Lorca já sentenciou que a nave “não é uma democracia”. Agora, o que realmente caiu mal foi todo aquele malabarismo que a nave fez no CGI ao acionar o motor de esporos. Muito desnecessário, com uma papagaiada bem infame.

Um tardígrado de verdade!!! Fofinho, não???

Alguns fãs também têm falado daquela hipótese que a Discovery teria algo a ver com a Seção 31, pois somente isso justificaria o ambiente da nave tão desvirtuado dos preceitos da Federação. Eu confesso que prefiro inicialmente ficar com um pé atrás com relação a isso, pois estaria muito na cara (o número de série da Discovery é NCC-1031). Sem querer ser lusófobo, parece aquela piada de português de que o agente secreto de Portugal é o Manoel do terceiro andar, ou seja, todo mundo conhece o agente secreto. Então, de secreto ele não tem nada. Essa é a minha impressão, pelo menos por enquanto, de se associar a Discovery à Seção 31. Espero que os roteiristas não tenham caído em algo tão óbvio.

Concluindo, vou voltar a dizer que ainda espero algo de bom com relação à série. Achei esse episódio melhor que os outros, pois ele se aproxima do espírito de Jornada nas Estrelas no que se refere ao tardígrado (sem falar que o tardígrado é um ser real descoberto por uma ciência recente e contemporânea à filmagem dos episódios da série, algo que já vimos em outros episódios da franquia), mostra uma cisão interessante entre os klingons que, se bem trabalhada, pode render bons frutos, exibe como parte da tripulação já se manifesta de uma forma bem desconfortável com relação a Lorca (inclusive Saru, que reclama a Burnham que Lorca não escuta suas recomendações cheias de precauções) e manteve o clima de expectativa de o que vai acontecer com tais atitudes belicistas e amorais de Lorca por elas entrarem tão em choque com o cânone de Jornada nas Estrelas. O que vai sair daí? Uma reviravolta aceitável para os fãs mais tradicionais? Ou um chute total no cânone? Só assistindo aos próximos episódios é que podemos ter uma ideia. Vamos ver o que vem por aí. Ah, e só para lembrar: Lorca não fala “engage”. Fala “go!”.

E se você quer ver artigos anteriores de Discovery aqui na Batata Espacial, clique aqui.

 

 

Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas. Radiografando Um Longa: A Procura De Spock (Parte 2).

 

              A Excelsior. Tecnologia de ponta

O terceiro longa da tripulação da série clássica retoma os debates filosóficos. Muito me impressiona a frase de McCoy após a explosão da Enterprise: “Você fez o que qualquer um faria, Jim: transformar a morte numa chance de vida”, ou seja, se o filme começou num tom mais pessimista, a explosão da Enterprise, um dos mais proeminentes ícones da série, traz, nas palavras de McCoy, a direção num futuro novamente esperançoso. Indo ainda na argumentação de um futuro de esperança, alguns veem a ressurreição de Spock carregada de simbologia religiosa, algo que praticamente não era visto na série clássica. Todo o ritual de transferência do Katra, o “fal tor pan”, realizado pela sacerdotisa T’Lar (magnificamente interpretada por Judith Anderson, de 87 anos na época e há 14 anos sem atuar, no alto de seus 1,42 m!!!!) nos remete a representações de profunda religiosidade, assim como o fato de se mencionar que Spock possuía um Katra (alma). Talvez o que mais tenha chegado próximo na série clássica tenha sido o ritual do Pon Farr de Spock, que todos os vulcanos homens têm de sete em sete anos, uma espécie de ritual de acasalamento. Logo, a ideia principal do filme, segundo Nimoy (o sacrifício de um amigo por outro) tem camufladas conotações religiosas, incomuns no universo de Jornada nas Estrelas até então.

Saavik. Vulcana presente na “ressurreição” de Spock

O torpedo Gênese retorna na discussão ética. Agora, o projeto de terraformação é mais visto como uma arma, consequência de um “mito de Frankenstein”, onde o homem, ao irresponsavelmente brincar de Deus e tentar criar vida, traz apenas desgraças e sofrimentos. O filho de Kirk, David, usa protomatéria instável para o torpedo gênese, o que cria um planeta de vida curta que logo se destruirá. Ou seja, o mesmo planeta que ressuscita e regenera o corpo de Spock, acelera seu envelhecimento e pode, inclusive, acabar com ele. Além disso, klingons e Federação disputam a posse do torpedo, que se torna uma verdadeira alegoria das armas nucleares da guerra fria. Assim, essa visão de Gênese alertada por McCoy no filme anterior indica limites ao possibilismo humano, que leva o homem, de forma arrogante, a crer que pode fazer qualquer coisa, brincando de Deus.

A morte de David também é algo importante no filme. Como vemos perdas aqui, não? Esse foi o primeiro longa de Jornada nas Estrelas que vi no cinema e muito me chamou a atenção de ver o Spock morto, o filho de Kirk sendo assassinado, a Enterprise explodindo! Eu, que acabara de chegar ao universo de Jornada nas Estrelas (antes disso, só tinha lembranças difusas de episódios da série clássica e elogios de meu pai a saga lá no início da década de 1970) fiquei chocado. Poxa, mal cheguei e estão acabando com tudo? Talvez a perda mais traumática de um mocinho que eu tenha presenciado antes tenha sido Obi Wan Kenobi, no episódio quatro, alguns anos antes. Mas eu nunca havia presenciado mocinhos sofrerem tantas perdas de uma vez! De qualquer forma, a perda de David, com Kirk caindo sentado no chão mostrou o duro golpe que o aparentemente indestrutível almirante sofrera. E mostra o surgimento de seu ódio mortal pelos klingons, somente superado em “A Terra Desconhecida”.

Os efeitos visuais merecem destaque. Além da já citada Ave de Rapina klingon, a doca espacial adicionou um elemento de grandiosidade, mostrando a Enterprise como parte integrante de algo maior, a Federação Unida de Planetas. A explosão da Enterprise também foi algo muito marcante, sendo um segredo escondido a sete chaves durante as filmagens, em virtude da previsibilidade da ressurreição de Spock, mas infelizmente tornou-se um spoiler mais tarde. A nova nave Excelsior também chama a atenção, com seu número de série NX-2000 (o X indica que ela ainda era um protótipo pronto para testes; vejam que na série “Enterprise”, o número de série é NX-01) e velocidade transdobra (transwarp), com o intuito de ser a nave mais rápida da Federação. Aliás, vamos aproveitar aqui para falar da origem do prefixo NCC 1701. Reza a lenda que esse prefixo foi inspirado em um dos registros internacionais de aviões dos Estados Unidos, NC (só para lembrarmos, a aviação foi uma das inúmeras coisas que Gene Roddenberry fez em vida). Um segundo C teria sido colocado para diferenciação. O 1701 significa que era o 17º desenho de cruzador espacial, sendo o primeiro daquela série.

             Judith Anderson, a dama do teatro

Um outro detalhe importante nos efeitos especiais é a coerência científica da imagem da Enterprise em velocidade de dobra, algo que já havia aparecido em “A Ira de Khan”.. Vemos riscos luminosos vermelhos e azuis saindo dela. Aquilo tem uma motivação fisica, o efeito doppler. Quando um carro vem em nossa direção numa estrada, suas ondas sonoras são comprimidas entre ele e o nosso ouvido, tornando o comprimento de onda (a distância entre duas cristas) menor, fazendo o som mais agudo. Quando o carro passa por nós, a fonte de som (o carro) passa a se afastar e o comprimento de onda aumenta, tornando o som mais grave. É por isso que temos aquela distorção no som do carro quando ele passa por nós. No caso da Enterprise à velocidade da luz, algo semelhante ocorre, mas aí a diminuição do comprimento de onda da imagem da nave que se aproxima está mais próxima da cor azul, dando o aspecto azulado à dianteira da nave (as luzinhas azuis estão mais à frente), enquanto que o aumento do comprimento de onda quando ela se afasta está mais próximo da cor vermelha (as luzinhas vermelhas estão mais na parte traseira da nave). Esse fenômeno, chamado de desvio para o azul (aproximação) e desvio para o vermelho (afastamento) é utilizado em astronomia para calcular velocidades de afastamento e aproximação de corpos celestes (geralmente um sistema binário de estrelas) com relação a nós.

Dobra espacial respeitando o efeito doppler

Alguns fãs não acham “A Procura de Spock” um bom filme (o próprio Roddenberry criticava a violência excessiva contida nele, contaminado pela febre de filmes violentos da década de 1980), mas como tudo o que existe na vida, há coisas boas e ruins, sem falar que o filme teve também boa recepção de público e crítica na época. De qualquer forma, esse longa manteve o fôlego da franquia e adicionou elementos novos como a religiosidade e uma visão mais detalhada dos klingons.

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Discovery – Episódio 3 Temporada 1 – Contexto É Para Os Reis. Uma Nave De Ciências Muito Militarista.

Uma Burnham mais arrependida

E chegamos ao terceiro episódio da já muito polêmica série “Jornada nas Estrelas Discovery”. Muito se falou sobre a série nos últimos dias, com várias opiniões a favor e contra. Falou-se muito de Michael Burnham, de como a série se aproxima e se afasta do Universo de Jornada nas Estrelas, de inconsistências no roteiro, etc. Ao chegarmos ao terceiro episódio, novos elementos foram introduzidos que são bem dignos de nota e que nos dão algumas pistas do rumo que a série irá tomar.

Mas, qual é a história desse episódio? Seis meses depois de Burnham começar a cumprir sua pena de prisão perpétua por motim, ela é transferida de prisão, estando numa nave de transporte com outros detentos. Só que uns “bichinhos” passam a ocupar a parte externa da nave, bichinhos esses que são esporos e que sugam energia elétrica. A piloto da nave de transporte vai lá fora para retirar as criaturinhas do casco, mas ela acaba sendo arremessada. Desesperados, os prisioneiros tentam se livrar das algemas para tomar o controle da nave, exceto Burnham, que parece resignada com seu destino (é forte a sensação de arrependimento na nossa protagonista pela morte de sua capitã). Porém, um raio trator pega a nave transporte. Esse raio trator é proveniente da Discovery, que finalmente estreia na série. Dentro da nave, Burnham é vista com hostilidade por todos (também pudera, ela foi a primeira amotinada da Frota Estelar e provocou uma guerra que está causando a morte de milhares de pessoas), mas, mesmo assim, ela é intimada pelo misterioso capitão Gabriel Lorca (interpretado por Jason Isaacs) a fazer parte da tripulação. Sem ter muito o que fazer a respeito, Burnham acaba interagindo com a tripulação. Sua companheira de quarto é a cadete Sylvia Tilly (interpretada por Mary Wiseman), uma moça falante e muito insegura, que tem a ambição de alcançar postos maiores, não sem se embananar por causa disso (ela apareceu meio como um alívio cômico). Saru (interpretado por Doug Jones) é o primeiro oficial da Discovery e já havia aparecido nos dois primeiros episódios como tenente da Shinzhou. Sua espécie é extremamente cautelosa (as más línguas diriam até covarde) e ele foi hostilizado por Burnham nos dois primeiros episódios. Agora, a ex-primeira oficial precisa ter uma postura mais humilde perante seu novo superior, que a acolhe, lamentando muito que o motim de Burnham a tenha desvirtuado. Um novo personagem interessante é o tenente Paul Stamets (interpretado por Anthony Rapp), que trabalha na engenharia e coordena um projeto secreto que trabalha com os tais esporos. Ele é extremamente grosseiro e arrogante, muito revoltado com o fato de seu projeto estar sendo usado para fins militares e não pacíficos pelo capitão Lorca. Pois bem, a tripulação da Discovery recebe a informação de que a tripulação da Glenn foi toda morta e um grupo avançado é enviado para lá, composto por Burnham, Stamets, Tilly, a chefe de segurança comandante Landry (interpretada por Reika Sharma) e por um camisa vermelha (aqui não tão vermelha assim) que, cumprindo a tradição, irá morrer. Na Glenn, eles encontram os cadáveres da tripulação todos mutilados e distorcidos, mas também encontram corpos de klingons mais intactos. E muitas marcas de destruição num casco de nave duplamente reforçado. Um klingon vivo é encontrado, mas ele logo é morto por um bichão que persegue nossos personagens que fugirão da nave. De volta à Discovery, Lorca convida Burnham para fazer parte definitivamente da tripulação da nave e revela a moça o segredo dos esporos. Eles formam uma cadeia de seres vivos que permeia a galáxia e que pode transportar naves a grandes distâncias em pouquíssimos segundos. Além disso, Lorca é da opinião de que Burnham estava correta em todas as suas ações na Shinzhou, e justificou as atitudes dela com a singular e polêmica frase “a lei universal é para os lacaios, o contexto é para os reis”. Burnham aceita o convite. O episódio termina com a destruição da Glenn pela Discovery (a Glenn está em espaço klingon, portanto não deve ser deixada inteira para trás), não sem o bichão que estava na nave destruída ser transportado para uma jaula do sinistro escritório de Lorca.

Sylvia Tilly. Todos 0s cabelos que os klingons não têm

Dá para perceber como a coisa mudou dos dois episódios para cá. Quais são os pontos que podemos discutir aqui? Em primeiro lugar, o enorme mistério envolto na verdadeira função da Discovery. Ela é oficialmente uma nave de ciências, mas com aparência muito mais militarizada do que qualquer coisa (lembrem-se, por exemplo, do distintivo negro no uniforme do soldado). Vimos aqui que ela toca um projeto científico ultrassecreto com fins militares, num primeiro passo para justificar esse mistério de para que a nave e sua tripulação estão orientadas a fazer. Mas parece que falta mais uma peça nesse quebra-cabeças. Será que os trezentos projetos científicos simultâneos que a nave mantém descritos por Saru podem trazer algum elemento novo? Vamos ver isso depois.

E já que falamos de Saru, fica aqui uma reflexão. Nos dois primeiros episódios, ele era extremamente medroso e subserviente. Já no terceiro episódio, o personagem aparenta uma outra roupagem. Apesar de compreensivo e até afetuoso em alguns momentos com Burnham, ele deixa bem claro que a acha perigosa e que não deixará a moça ser uma ameaça para o seu capitão. Tal mudança no personagem é até positiva, pois lhe dá mais complexidade e profundidade, ainda mais porque ele pareceu muito plano nos dois primeiros episódios, sendo somente um alienígena muito covarde.

Paul Stametz. Um novo McCoy???

Já que falamos de personagens, Paul Stametz lembra, de uma forma um pouco distante, Leonard McCoy, não pela arrogância, mas pela rabugice e pelo senso ético. Responsável pelo desenvolvimento do projeto dos esporos, Stametz tem rusgas sérias com Lorca, que quer dar um destino mais bélico para a coisa. Impossível não fazer a comparação com as reservas de McCoy ao Projeto Gênese, inicialmente um grande avanço científico que traria enormes benefícios à humanidade, mas que poderia também se transformar uma arma letal.

Uma coisa que foi um tanto complicada foi essa vibe tecnobabell de que o espaço sideral tem formas de vida de esporos que compõem a tessitura do Universo e que podem ser usados como vias para um meio de transporte praticamente instantâneo. Quando nos lembramos das condições de vida totalmente inóspitas que o espaço nos fornece, fica difícil de comprar tal ideia. Excessiva licença poética? Pode ser. Outra coisa poderia ser usada como matéria escura, por exemplo, algo muito mais plausível cientificamente.

Um Saru mais bem construído mas ainda muito complacente

Outro problema desse episódio foi a sequência da Glenn, que lembrava mais um filme de terror com bichões do que uma série de ficção científica. A gente sabe que é muito fácil a imbricação desses dois gêneros, mas, na minha modesta opinião, isso torna toda a coisa mais boba (não sou muito fã de filmes de terror).

Agora, qual foi o grande trunfo desse episódio que poderá trazer muitas possibilidades para a série? Isso mesmo, o capitão Gabriel Lorca! Sua característica soturna e o escritório com baixíssima iluminação lembrou demais uma estética expressionista com contrastes de claro/escuro. O discurso altamente belicista do capitão e a polêmica frase “a lei universal é para os lacaios, o contexto é para os reis”, foram acusados por alguns fãs de irem na contramão de tudo o que “Jornada nas Estrelas” representa. Mas isso se nos lembrarmos do discurso otimista e utópico da “Jornada nas Estrelas” da década de 60. Os primeiros episódios nos parecem que essa nova “Jornada nas Estrelas” é bem mais distópica do que utópica. O problema é que, por se tratar de uma prequel, fica mais difícil de encaixar a distopia, ao invés de uma utopia. A resposta pode estar na característica toda singular da Discovery na frota, o que pode permitir um ambiente mais sombrio e pessimista. Se nos lembramos de “Deep Space Nine”, a distopia também foi trabalhada, além de um cinismo latente, e até então essas características não eram vistas como parte do cânone de “Jornada nas Estrelas”. Hoje, alguns fãs consideram “Deep Space Nine” a melhor série de “Jornada nas Estrelas”. De qualquer forma, é sempre importante a gente recordar que o cânone de “Jornada nas Estrelas” já tem cinquenta anos e é muito difícil manter uma fidelidade muito rigorosa quanto à isso. Pressões de público e de mercado podem alterar as diretrizes básicas do cânone com muita facilidade, dentre outras coisas. Ainda com relação ao capitão Lorca, é impressionante como seu gabinete lembra muito o gabinete do grão almirante Thrawn, notável personagem de Timothy Zahn, o autor mais conhecido do Universo Expandido de “Guerra nas Estrelas”. Entretanto, devemos fazer uma ressalva aqui. Enquanto que o gabinete de Thrawn era composto de obras e artes e artefatos arqueológicos das civilizações que ele conquistava (Thrawn era um estudioso das culturas dos povos que ele queria conquistar), o gabinete de Lorca é uma espécie de coleção de várias espécies alienígenas, com direito a um esqueleto Gorn e a um pingo dissecado, além do que já fica em sua mesa, o que dá a esse capitão um aspecto muito mais macabro. Definitivamente, deposito mais minhas fichas nesse personagem e em seu desenvolvimento. Lorca é tão misterioso quanto a própria função da Discovery na série. E algo bom pode sair daí se os roteiros dos próximos episódios forem bem trabalhados.

Gabriel Lorca. Mistério Puro. Uma boa aposta para a série alavancar

Assim, se alguns fãs já estão jogando a toalha quanto a um bom futuro para Discovery, eu ainda tenho minhas esperanças de que a coisa pode ficar melhor. Se vai ser fiel a “Jornada nas Estrelas” ou não, confesso que não me preocupa muito, dada a extensão já citada do cânone ao longo do tempo, sujeito a chuvas, trovoadas e muitas oscilações. Uma coisa é certa: Discovery é muito mais “Jornada nas Estrelas” que a Kelvin Time Line, embora toda a estética dos efeitos especiais da Kelvin Time Line esteja em Discovery. Vamos aguardar os próximos episódios com otimismo.

E se você quiser ler a análise dos episódios anteriores, clique aqui

 

Batata Antiqualhas – Jornada Nas Estrelas. Radiografando Um Longa: A Procura De Spock. (Parte 1)

                   Cartaz do Filme

Falemos do terceiro longa da franquia. Como vimos nos artigos de “A Ira de Khan”, o desejo de se continuar as aventuras da tripulação da Enterprise era premente ao final das filmagens, principalmente porque se percebeu que financeiramente a Paramount estaria dando um tiro no pé caso encerrasse a franquia naquele contexto. Para corroborar essa impressão, o filme havia ido bem nas bilheterias. Nimoy parecia mais por cima da carne seca do que nunca. Tanto que ele pediu a direção do filme, no que foi prontamente aceito (Meyer, o diretor de “A Ira de Khan”, não aceitou dirigir a sequência, pois ficou chateado com as alterações no final do filme; para ele, Spock deveria ter morrido e ponto final). Entretanto, seguiram-se longas semanas de silêncio e nada do projeto ser tocado adiante. Ao ligar para o chefão da Paramount, Michael Eisner, Nimoy foi surpreendido com a alegação de que ele não poderia dirigir o filme, pois ele não gostava do personagem Spock e que a ideia de matá-lo seria do próprio Nimoy, algo que foi desmentido imediatamente pelo intérprete do vulcano. Desfeitos os desentendimentos, as filmagens foram adiante.

                                            Elenco

Só para rapidamente relembrarmos, o filme começa com todas as cenas da morte de Spock em “A Ira de Khan”, para se retomar o gancho. Kirk retorna à Terra com grande parte da tripulação de novatos transferida e ainda sentindo a perda do amigo. Assim, o tom otimista do final do filme anterior se desvanece por completo. McCoy, por sua vez, comporta-se de forma estranha e invade os aposentos de Spock, falando como ele e pedindo para ser levado ao Monte Seleia em Vulcano. Inicialmente, Kirk acha bizarra aquela atitude de McCoy, mas logo entenderá o que está acontecendo quando o embaixador Sarek, pai de Spock, vai à sua casa. Ele interpela Kirk porque o almirante não levou o Katra (alma) de Spock para Vulcano. Kirk disse que Spock não lhe passou o Katra. E aí, observando os arquivos da nave, Kirk conclui que Spock passou seu Katra para McCoy através do elo mental (“Lembre-se”). Assim, os corpos de Spock e McCoy teriam de ir a Vulcano para o cerimonial que daria um fim digno a Spock. Mas o corpo de Spock estava no planeta Gênese, região com acesso restrito imposto pela Federação, onde somente David, o filho de Kirk e a vulcana Saavik estudavam o processo de terraformação. Além disso, a Enterprise, muito danificada e velha, iria para o ferro velho. Kirk, então, terá que violar todas as regras para ir a Gênese e recuperar o corpo de Spock. Mas uma Ave de Rapina Klingon, liderada pelo capitão Kruge (interpretado pelo competente Christopher Lloyd) está no caminho para atrapalhar os planos do almirante. Kruge quer o projeto Gênese para usá-lo como arma. Caberá a Kirk recuperar Spock, que se regenerou ao ser sepultado em Gênese, devido ao processo de terraformação, e enfrentar Kruge.

                                            Kruge

Apesar de não ter sido um filme tão bom quanto “A Ira de Khan”, “A Procura de Spock” tem seus méritos. Em primeiro lugar, deu mais espaço para os klingons nos longas, criando todo um universo para essa espécie alienígena, utilizado inclusive nas séries que viriam. Os inimigos da Terra haviam aparecido apenas no início de “Jornada nas Estrelas, o filme”, onde o capitão da nave era Mark Lenard (o pai de Spock) e os poucos diálogos em Klingon foram feitos por… James Doohan! Isso mesmo, o sr. Scott!!! Em “A Procura de Spock”, foi contratado um linguista para desenvolver o idioma klingon, o mesmo que havia feito o rápido diálogo em vulcano de Spock e Saavik para o segundo filme. A Ave de Rapina, originalmente concebida para os Romulanos, (daí as penas em relevo na carcaça da nave) causou muito espanto, pois lembrava os ombros de um homem musculoso (essa foi a ideia), sem falar que as asas eram móveis. Reza a lenda que Nimoy preferiu usar Klingons a Romulanos, pois os primeiros eram mais teatrais e adequados para trabalhar com uma situação de beligerância que remetia à Guerra Fria (olha ela aí de novo!). Mas a Ave de Rapina permaneceu, é dito, por questões de economia. E, cá para nós, ficou muito bom o design da bichinha! Ainda sobre os Klingons, não podemos nos esquecer do desenvolvimento da maquiagem por Robert Fletcher, que diminuiu as cristas na testa dos Klingons (no primeiro filme elas obscureciam muito os rostos dos atores), mas manteve o estilo. Segundo Fletcher, Gene Roddenberry não gostava dessa maquiagem, pois ele achava que os Klingons deveriam se parecer mais com os humanos, como o era na série clássica. Outras referências, por sua vez, diziam que essas cristas pronunciadas na testa sempre fizeram parte dos anseios de Roddenberry ainda na série clássica. Para finalizar sobre os Klingons, não podemos nos esquecer da excelente e dramática atuação de Christopher Lloyd como Kruge, expressando muito bem o espírito da cultura Klingon e se esforçando para reproduzir as entonações do idioma alienígena recém-criado.

                       Batalhas com klingons

Como “Jornada nas Estrelas” sempre implica em discussões muito vastas, nos vemos na segunda parte desse artigo. Até lá!

Batata Séries – Finalmente Podemos Falar de Star Trek Discovery.

                                                      Cartaz da Série

E o dia tão esperado pelos trekkers chegou. A série Star Trek Discovery estreou no Netflix e deu nova vida a uma franquia que, pelo menos em questão de séries de TV, já não via algo há um bom tempo. Depois dos três longas da Kelvin Time Line de J. J. Abrams, algo que irritou muitos fãs, havia uma expectativa de que se resgataria um pouco o espírito de Jornada nas Estrelas com a volta do formato para a televisão. Inicialmente prevista para estrear no início desse ano, a série foi adiada e somente chegou aos espectadores no final de setembro de 2017, no formato de dois episódios, dando uma tremenda cara de longa-metragem.

            Michael Burnham, a protagonista

E quais foram as impressões de Star Trek Discovery? Antes de mais nada, será impossível fazer uma análise mais aprofundada sem lançar mão de alguns spoilers. Por isso mesmo, optei por publicar esse artigo depois de alguns dias da estreia. Mas, se por um acaso você ainda não viu os dois primeiros episódios, já fique sabendo que vamos precisar contar algumas coisas aqui. Em primeiríssimo lugar, podemos logo notar duas características básicas. Primeiro, uma característica mais do ponto de vista estético: os efeitos especiais nos remetem muito aos filmes de J. J. Abrams. Se as primeiras imagens nos revelavam uma ponte um pouco mais escura, aqui vemos uma ponte espaçosa como a da Enterprise da Kelvin Time Line, assim como uma iluminação que era muito influenciada pelo espaço exterior, onde a presença de um sistema binário causava uma forte iluminação, dando um efeito bonito de se ver. Os efeitos especiais das batalhas de naves e também das mesmas saindo de dobra, nos remetiam imediatamente aos filmes da Kelvin Time Line. Esperemos que o orçamento da série permita esse bom uso dos efeitos especiais por toda a temporada e não se limite apenas ao cartão de visitas que foi esses dois primeiros episódios. Em segundo lugar, se do ponto de vista estético, a influência dos filmes de Abrams era notória, do ponto de vista do roteiro, sentíamos as velhas e amadas séries de Jornada nas Estrelas pulsando fortemente. Muita coisa estava lá.

                            Sarek está de volta!!!

Víamos, por exemplo, a estreita relação entre a capitã e sua primeira oficial, onde, pela primeira vez, foram simultaneamente personagens femininas. O vulcano Sarek (interpretado por James Frain) também está de volta, e descobrimos que ele possui uma filha adotiva que é da Terra, a primeira oficial em questão, Michael (?) Burnham (interpretada por Sonequa Martin-Green). Alguns fãs podem ficar um pouco mais irritados com esse detalhe de Sarek ter uma filha adotiva, algo que nunca foi mencionado nas séries anteriores, mas se virmos por um outro lado, a presença de Sarek pode ser encarada como um bom fan service que aproxima um pouco mais essa nova série das anteriores. Isso sem falar que Sarek teve a difícil missão de criar um filho meio humano e uma filha totalmente humana. Esperemos que essa relação entre Sarek e Burnham se desenvolva mais e aprofunde a construção dessa nova personagem que é a protagonista da série. Já a capitã Phillipa Georgiou é a consagrada atriz Michelle Yeoh, que ficou conhecida por atuar em filmes voltados às artes marciais como “O Tigre e o Dragão” e até numa película de James Bond (O Amanhã Nunca Morre). Foi uma pena ela ter morrido logo no segundo episódio, pois fez uma dupla e tanto com Martin-Green que daria muito caldo, ainda mais porque havia uma relação de amizade entre as duas, mas também de um certo conflito e de quebra de confiança, pois elas se desentenderam na melhor forma de como se encarar os klingons (a capitã seguia os protocolos da Federação, onde não se deve atirar primeiro, e a Primeira Oficial acreditava que apenas a violência seria uma boa resposta, já que era a única língua que os klingons conheciam). A desobediência de Brunham com relação à sua capitã nos lembra, por exemplo, da relação conflituosa entre Sete de Nove e Janeway em Voyqger. A viagem de Burnham pelo espaço com um traje espacial foi uma outra espécie de fan service, nos remetendo a Primeiro Contato e a Jornada nas Estrelas, o Filme.

      Capitã Phillipa Georgiou

E os klingons? Muito se falou da estética dos alienígenas antes da estreia da série e de como isso ia contra o cânone. Mas, se pararmos para nos lembrar do que aconteceu com os klingons em momentos anteriores, sua aparência nunca seguiu um mesmo padrão. Na série clássica, até por problemas de orçamento e até mesmo das técnicas de maquiagem da época, os klingons tinham uma aparência bem mais humana. Com os longas, o dinheiro e as técnicas mais modernas de maquiagem, os klingons finalmente ficaram com uma aparência mais alienígena, correspondendo aos anseios de Roddenberry desde a década de 60. Agora Star Trek Discovery nos traz klingons numa nova roupagem, bem mais elaborada e rebuscada. Vimos aqui mais uma vez a cultura klingon bem trabalhada, disposta em vinte e quatro casas que seriam unificadas segundo as palavras de Kahless, o maior símbolo religioso dessa cultura. Essa pelo menos era a intenção de T’Kuvma (interpretado por Chris Obi), que tinha um grande poder de persuasão, convencendo os nobres das casas a aceitar inclusive klingons que não pertenciam a casa nenhuma. A morte de T’kuvma, assim como a da capitã, foram perdas a meu ver um tanto graves, pois esses personagens poderiam ser bem desenvolvidos e dar muito mais tempero aos episódios seguintes. A questão dos personagens foi, digamos, um problema aqui, pois os episódios se focaram em poucos personagens, dando aos demais mero status de coadjuvantes de luxo, e ainda assim, dois personagens mais destacados morreram. Ou seja, os próximos episódios com certeza nos revelarão novos personagens que devem ser trabalhados com o mesmo peso que a protagonista, embora o formato mais enxuto do streaming possa ser um empecilho para isso, o que seria uma pena. Ainda falando de klingons, algumas coisas podem incomodar os fãs mais exigentes de fidelidade ao cânone como, por exemplo, um conteúdo excessivamente religioso nas falas de T’Kuvma, assim como a importância que os klingons dão aqui aos corpos de seus mortos, quando nos lembramos nas séries mais antigas que os klingons consideravam os corpos dos mortos “cascas vazias”. Ainda, uma estética um tanto “egípcia” para os klingons, com direito a muitos adereços dourados e até a corpos mumificados em sarcófagos. Entretanto, não creio que isso irá ser um empecilho para os fãs mais antigos aceitarem a série, se tivermos histórias bem desenvolvidas nos roteiros, o que me pareceu o caso nesse episódio duplo que muito lembrou o episódio “O Equilíbrio do Terror” da série clássica.

                            Klingons rebuscados

Por fim, uma curiosidade: ainda não vimos a Discovery. Essa história inicial se desenvolveu em outra nave da Federação., a Shenzhou, que tem, curiosamente, o mesmo nome de uma das naves do programa espacial chinês. Que venha a Discovery  no próximo episódio, algo que vai acontecer, pois a Netflix também está disponibilizando o programa After Trek, um talk show  que analisa o episódio logo após sua exibição, um bom programa para se ver apesar da forma excessivamente americana de ser engraçadinha, pois ele tem muita informação sobre o cânone e ainda promove debates com os atores, produtores e pessoas que tuitam ao vivo. Pois bem, After Trek  já exibiu um trecho do próximo episódio que mostra o interior da Discovery.

                            A nave Shenzhou

Dessa forma, creio eu que Star Trek Discovery não decepcionou (pelo menos nesses dois primeiros episódios) e a integridade estrutural do cânone não foi tão agredida, algo até muito bom para um cânone amparado por 730 episódios e dez longas. Na minha modestíssima opinião, o clima de Jornada nas Estrelas foi resgatado de uma certa forma, ainda mais depois do gosto de cabo de guarda-chuva que o Jar Jar Abrams deixou em nossos corações. Continuarei a assistir e a comentar aqui na Batata Espacial. E você, trekker juramentado, se ficou feliz, continue a assistir. Mas se ficou chateado, se dê mais uma chance, pois creio que a série começou bem e pode melhorar. Vamos ver o que nos aguarda nas próximas semanas. Mas a primeira impressão foi boa.

 

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas, Voyager. Demônio. Formas De Vida Líquidas Querem Sensações.

                     Um episódio de Voyager…

A Batata Espacial tem o orgulho de apresentar uma nova seção: a Batata Séries. Aqui  você vai ter a oportunidade de ler análises e reflexões de episódios de séries de TV. E como trekker que eu sou, não poderia deixar de começar com um episódio da série Voyager, da franquia de Jornada nas Estrelas. Vamos falar aqui do 24º episódio da 4ª temporada, intitulado “Demônio”. Antes de mais nada, lembremos que a Voyager é uma nave da Frota Estelar que faz uma viagem do Quadrante Delta da galáxia ao Quadrante Alfa, onde está a Terra, e essa viagem tem uma duração de setenta anos, já que a distância a se cumprir é muito grande (setenta mil anos-luz). E, justamente pela necessidade de se cumprir uma grande distância, a nave e sua tripulação sofrem com a carência de recursos, que chegaram a níveis críticos. Depois da necessidade de se poupar energia e de muitas buscas, foi encontrado um planeta que pode fornecer material para recuperar a energia da nave. Mas esse planeta é de classe Y, também conhecido como “classe demônio”, que é altamente inóspito para os seres humanos (temperaturas e pressões elevadas, elementos químicos altamente tóxicos na atmosfera, etc.). A capitã Janeway já desistia de explorar o planeta quando o jovem alferes Kim disse que era capaz de buscar o material, mesmo com todas as condições adversas. Ele somente precisava de uma pessoa para ajudá-lo. E, para isso, chamou seu amigo Tom Paris.

Kim, querendo mostrar serviço, tem uma ideia…

Ao descerem no planeta, no entanto, Kim e Paris se depararam com uma espécie de substância viscosa que sugou o alferes. Paris salva o amigo, mas defeitos na roupa atmosférica dos dois, provocados pela gosma fazem-nos ficar desacordados. Com a demora da resposta dos dois, a capitã Janeway decide resgatá-los e pousa a Voyager na superfície do planeta. Qual não é a surpresa que os tripulantes da nave têm quando encontram Paris e Kim andando sem roupas de proteção e em perfeita saúde na superfície do planeta? O problema foi quando os dois retornaram ao interior da Voyager e não conseguiam mais viver no ambiente interno da nave. Depois de muitas elucubrações e especulações, além de investigações científicas (como toda boa série de ficção científica deve ter!), foi descoberto que aqueles não eram o Kim e o Paris reais, mas sim aquela substância viscosa que se apropriou do DNA dos dois e fez novos Kim e Paris. A Voyager já havia conseguido o material para restaurar a energia da nave e o Kim e Paris originais já haviam sido achados, mas a nave afundava na substância viscosa, que não queria que a nave abandonasse a superfície do planeta, pois queria os padrões de DNA dos tripulantes para terem acesso às sedutoras sensações humanas. Janeway fez, então, um trato com a espécie alienígena, e forneceu os padrões de DNA dos membros da tripulação que quisessem doá-los em troca da substância libertar a nave. O episódio termina com a Voyager levantando voo e a “tripulação” se despedindo na superfície do planeta.

                     Prolongada falta de ar…

Esse é um episódio interessante do qual podemos tirar algumas reflexões. Em primeiro lugar, é usada a ideia de formas de vida não sólidas. Isso já foi feito em obras como “O Despertar dos Deuses”, de Isaac Asimov, onde víamos até forma de vida gasosas. Essa noção é altamente instigante, pois foge do lugar comum de vidas humanóides, algo tão presente no Universo de Jornada nas Estrelas, até porque para uma série de televisão é mais barato e fácil vestir um humano de alienígena. Em segundo lugar, houve uma dose moderada de etnocentrismo, pois elegeu as sensações humanas como incríveis e bárbaras. À despeito do fato daquelas sensações serem uma experiência totalmente nova para aquela espécie alienígena, ainda assim ficou uma impressão desconfortável de que tudo que vem do humano é bom e virtuoso, até os sentimentos e instintos mais primários. Herança humanista e renascentista? Talvez. Mas um tanto tendenciosa e demasiado utópica. A espécie daquele planeta poderia estar muito bem com uma matriz cultural própria e não ficar tão deslumbrada com um elemento alienígena. É só a gente se lembrar do elo de Odo em DS9.

                              Uma nave imersa…

O que incomoda no episódio são dois pontos: a quantidade de tempo que o Kim e o Paris originais ficaram sem oxigênio no planeta (até se buscou dar uma justificativa que não colou muito) e o fato de Janeway ter pousado toda a Voyager na superfície do planeta, apesar dos sérios riscos.

“Tripulantes” se despedem da Voyager…

Entretanto, ainda assim, “Demônio” é um bom episódio de Voyager. Há melhores e piores. Mas um bom episódio.

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