Dentro de nossas análises de episódios de Jornada nas Estrelas, retornemos à série clássica, mais especificamente ao oitavo episódio da primeira temporada, intitulado “E As Meninas, De Que São Feitas?”.
O plot é o seguinte. Christine Chapel e Kirk conversam sobre o companheiro da moça, Roger, que não dá sinais de vida há cinco anos. Eles chegam a um planeta onde Roger esteve pela última vez. Roger Korby é um importante arqueólogo. Enquanto Kirk perguntava a Spock se acreditava que Roger ainda estava vivo, o rádio da nave recebeu um sinal de chamada do cientista desaparecido. Ele pede que somente Kirk desça às profundezas do planeta (a temperatura da superfície é de cem graus negativos e Roger vive em ruínas subterrâneas de uma civilização desaparecida). Mas Kirk fala que vai acompanhado e Christine fala com Roger. Os dois descem, chegando à entrada de uma caverna e não encontram Roger. Kirk pede que dois camisas vermelhas desçam, para morrer no lugar dele e de Christine. Um dos camisas vermelhas desce com Kirk e Christine, enquanto o outro fica de guarda na superfície, na entrada da caverna. Depois de uma longa descida, eles encontram Brown, o assistente de Roger e o camisa vermelha cai num precipício, cumprindo sua função básica. Um ser careca gigante espreita tudo às escondidas. Brown parece muito estranho e distante, o que incomoda Kirk, já que Christine o conhecia, embora não o visse há cinco anos. O ser careca e gigante mata o segundo camisa vermelha. Brown diz que a civilização do planeta, assim que o Sol enfraqueceu e as temperaturas na superfície baixaram muito, escolheu ir para as profundezas e adotou uma cultura mecanizada, com Roger fazendo muitas descobertas nesse sentido. Eles chegaram a uma sala onde estava uma moça, Andrea, e Roger. Kirk tenta fazer contato com o camisa vermelha que estava na entrada da caverna e não consegue. Kirk quer se comunicar com a nave, mas Roger não quer isso. Brown aponta uma arma para render Kirk e Roger pede a Andrea para render o capitão com uma arma. Esta é rendida pelo capitão, que atira em Brown, abrindo um buraco em seu corpo agora inerte, mostrando que ele é um andróide. Imediatamente, o carecão surge por uma porta e suspende Kirk, prendendo-o contra a parede. Esse mesmo carecão vai imitar a voz de Kirk e falar com Spock na nave, dissuadindo de ordenar que alguém desça, embora Spock fique muito desconfiado com o timbre de voz de Kirk. O carecão também é um robô que imita qualquer voz. O carecão é Ruk e é um andróide da civilização do planeta, vivendo há muitos anos nos subterrâneos e protegendo as máquinas que agora Roger tem o controle e quer manter escondidas da Federação.
É descoberto que Andrea também é uma andróide, para a decepção de Christine, que a vê como um objeto sexual para satisfazer Roger. Este diz que a andróide é somente uma máquina sem emoções e que obedece ordens. Kirk então pergunta por que ele teve dois camisas vermelhas mortos e Brown tentou matar o capitão se os andróides somente cumprem ordens. Roger diz que vai responder todas as perguntas. Kirk é colocado numa espécie de centrífuga com um boneco do lado. É assim que os andróides são feitos. Quando a máquina desligou, o boneco estava com a aparência de Kirk. Faltava somente passar as sinapses e memória do capitão para o andróide. Kirk escuta isso e começa a falar uma frase ofensiva para Spock, com o objetivo dessa memória passar para o robô, caso ele substitua Kirk na Enterprise.
Christine e Kirk jantam numa mesa. Mas na verdade, a enfermeira janta com o andróide. Roger, o Kirk real, Andrea e Ruk aparecem na sala. Roger diz que poderia ter passado toda a consciência de Kirk para o andróide e isso poderia ser feito com toda a raça humana, sendo reprogramada somente com coisas boas. Mas Kirk deixa claro que isso também apagaria a humanidade das pessoas, tornando-as meras máquinas sem vontade própria, pois são programadas. Kirk consegue pegar uma cordinha, convenientemente instalada em sua cadeira, e colocar em volta do pescoço de Roger, ameaçando matá-lo. Ele chega a uma porta, solta Roger e foge. Ruk vai atrás de Kirk e consegue aprisioná-lo.
Na Enterprise, a versão andróide de Kirk toma o lugar do capitão e, ao conversar com Spock, solta aquela frase ofensiva que Kirk pensou no processo de formação do andróide, despertando dúvidas no vulcano, que prepara uma descida ao planeta com um grupo de segurança.
Enquanto isso, o Kirk verdadeiro, preso num aposento, tenta seduzir Andrea quando esta lhe leva comida, deixando a andróide desconcertada, já que ela não foi programada para aquilo. Ele tenta sair da prisão, mas Ruk aparece na porta e lhe dá um empurrão para dentro. Kirk tenta convencer Ruk de que quem o programa é um ser vivo errático e inferior a ele. Ruk decide não mais obedecer à programação. Roger entra no aposento e Ruk decide atacá-lo. Roger desintegra Ruk com um phaser. Kirk tenta atacar Roger e descobre que o cientista é, também, um andróide. Ele diz a Christine que teve que passar sua consciência ao corpo do andróide, pois seu corpo físico estava congelando e morrendo. Roger ordena Andrea a atacar o grupo avançado liderado por Spock. No caminho, ela encontra o Kirk andróide e diz que quer beijá-lo. Ele nega, dizendo que é ilógico e Andrea desmancha o Kirk genérico com o phaser. Andrea volta para o aposento e percebe que não matou o Kirk real, como pensava. Kirk pergunta a Roger se esse era o mundo perfeito que ele sonhava, onde andróides matam uns aos outros. Roger, completamente zureta e confuso das ideias, acaba entregando o phaser a pedido de Kirk, que pede o phaser de Andrea, mas esta se nega a entregar a arma. Ela diz que ama Roger e ele diz que ela é uma máquina. Quando Andrea beija Roger, ele aperta o gatilho do phaser que está na mão de Andrea, e os dois são desintegrados, perante uma Christine horrorizada. Spock chega, perguntando por Roger e Kirk diz que ele nunca esteve lá.
O episódio termina com Christine dizendo que vai ficar na nave. Depois dela deixar a ponte, Kirk e Spock conversam. Spock diz que ficou surpreso com o termo “mestiço” (que estava na ofensa que Kirk pensou a Spock). O capitão diz que vai pensar em outro termo quando estiver numa situação parecida. Fim do episódio.
O que podemos falar de “E As Meninas, De Que São Feitas?”? Em primeiro lugar, é impossível não se lembrar do último capítulo da série “Picard”, onde a consciência das pessoas é passada para corpos de andróides. Mas aqui, ao contrário da visão de transferência de consciência como solução altamente prática (e um pouco mentirosa) de Picard, em “E As Meninas, De Que São Feitas?” essa mesma transferência não tem como melhorar o ser humano e substituí-lo, pois um ser humano reprogramado perderia totalmente a sua humanidade e não seria exatamente um humano melhorado. Ainda, Kirk mostrou um monte de bugs em Ruk e Andrea, mostrando como esses bugs poderiam ser perigosos no caso de uma sociedade de andróides com consciência humana. O próprio Roger, ao ter que passar sua consciência para o corpo de um andróide, não sabia mais o que era, se humano ou máquina, optando por se matar ao ver seu projeto de uma humanidade perfeita ruir aos seus olhos e aos argumentos de Kirk. Ou seja, estamos vendo um episódio da década de sessenta problematizando de forma muito mais rica a questão da transferência de consciência de humanos para andróides do que vimos em Picard, que tratou o assunto mais como uma solução salomônica do que qualquer coisa. Esse episódio também foi muito importante, pois introduziu Christine Chapel na série, uma personagem que, apesar de sua posição um tanto periférica na série, teve o seu destaque, já que era apaixonada por Spock. Como uma outra curiosidade, o personagem Ruk foi interpretado por Ted Cassidy, que foi o mordomo da Família Adams.
Dessa forma, “E As Meninas, De Que São Feitas?” é um episódio de Jornada nas Estrelas que aborda a questão dos andróides, deixando bem claro que eles não têm como substituir os humanos. Máquinas programáveis não podem ser mitificadas. Ou seja, elas são apenas isso. Algo que se pode programar. Vale a revisita, para mostrar o que é uma boa problematização de uma questão que não deve ser vista apenas como uma solução simplória e salomônica.