Em “Onde Nenhum Homem Jamais Esteve” já há alguns traços mais vulcanos no personagem Spock, como algumas digressões sobre lógica, uso das expressões “afirmativo” e “negativo”, etc. Entretanto, muito chocou a sugestão de Spock de matar Gary Mitchell (interpretado por Gary Lockwood), por este hospedar uma entidade alienígena. Isso ia contra a visão antiviolenta do personagem alguns episódios mais tarde.
Com a aprovação da série, mais episódios foram gravados. Em “O Ardil Corbomite”, De Forest Kelley começa a interpretar o médico Dr. McCoy, dando início à famosa tríade de “Jornada nas Estrelas”, formada pelo médico, altamente emocional, o vulcano, altamente racional, e o capitão, uma espécie de mediador entre os conflitos lógicos e emocionais e o responsável pela ação, já que quem mandava era ele. Uma série de diálogos engraçados entre McCoy e Spock, onde o médico emotivo queria provar que o vulcano tinha emoções contidas em seu interior passaram a ser escritos, dando um tom de muito humor à série, contrariando o estereótipo de que os fãs de “Jornada nas Estrelas” são absolutamente sérios. Nesse episódio, mais uma etapa da construção do personagem Spock foi realizada, pois foi a primeira vez que ele disse a expressão “fascinante”, que seria uma de suas marcas registradas. Para quem não conhece o episódio, a Enterprise se depara com um enorme globo alienígena que a impede de seguir viagem adiante. O desafio está em contatar a espécie alienígena que não o faz de forma fácil. Inicialmente, Nimoy acrescentou um pouco de carga dramática à expressão “fascinante”. Mas o diretor Joseph Sargent o instruiu a repetir a expressão como um cientista faria, de forma fria, contida e cheia de curiosidade. A coisa caiu como uma luva para o personagem. A partir daí, Nimoy assumiu uma postura mais contida de interpretação, tomando muito cuidado com movimentos corporais, gestos e expressões faciais. Não podemos nos esquecer de mencionar também a forma como ele levanta uma das sobrancelhas quando está refletindo sobre determinado assunto.
O ambiente das gravações de “Jornada nas Estrelas” também era muito divertido, muito em virtude da presença de William Shatner que, como dizemos hoje, “tocava um terror”. Assim que a série começou a ganhar notoriedade, os atores recebiam muitos telefonemas com ofertas de aparições públicas. Nimoy aproveitava todas que podia, pois tinha em mente que seriados para tv eram coisas muito efêmeras e qualquer oportunidade de fazer um dinheirinho extra era válida. Ele chegou a instalar um telefone em seu carro e em seu camarim para isso. E, como sua maquiagem era algo mais complicada que a dos outros, ele chegou a comprar uma bicicleta vermelha só para circular com mais facilidade pelo estúdio, que encerrava suas atividades todo dia pontualmente às 18h18min. Dava para perceber como o tempo era escasso. Shatner, em seu espírito brincalhão (ele se vangloria de ter quatro vezes mais dopamina que um ser humano normal; a dopamina é um neurotransmissor responsável por controle de movimentos, aprendizado, humor, emoções, cognição, sono e memória), decidiu dar uns sumiços na bicicletinha de Nimoy. Num momento, ela estava acorrentada a um hidrante. Noutro, estava dentro do camarim de Shatner, guardada por seus dobermanns. Até no teto do estúdio a bicicleta foi amarrada. Quando Nimoy a prendeu em seu carro, Shatner mandou rebocar o carro. Apesar de tudo, e de algumas rusguinhas quando Spock ganhou um pouco mais de notoriedade, Shatner e Nimoy sempre foram grandes amigos e contavam muitas piadas enquanto eram maquiados de manhã cedo, para o desespero dos maquiadores.
Com a concentração exigida para interpretar Spock, Nimoy ficava “dentro do personagem” até fora das câmaras. Nosso ator até ficava aos risos com Shatner, mas chegava uma hora em que ele se segurava mais para não “perder o jeito de Spock” e só recuperá-lo durante a gravação. Por segurar tanto as emoções (vemos aqui como Spock “domina” Nimoy), Nimoy precisava extravasá-las em algum momento e fazia isso de forma reservada, sendo algo muito estressante. Mas, volta e meia, as emoções vinham como em momentos em que ele discutia com Roddenberry os rumos que a atuação do vulcano deveria tomar. Isso ajudou de certa forma a estremecer as relações entre Nimoy e Roddenberry, que ficaram mais profissionais do que pessoais. A presença de Spock em Nimoy foi tão forte que ele chegou a levar o vulcano para casa em alguns fins de semana. Certa vez, sua esposa perguntou se ele não queria ir ao cinema. Nimoy então perguntou qual o filme que ela queria ver. E ela disse que não tinha nenhum filme em que ela estivesse interessada em ver. Spock, quer dizer, Nimoy, disse então que era ilógico ir ao cinema. Ao que a esposa reclamou que ele bancava o Spock de novo…
No próximo artigo vamos falar do episódio “Tempo de Nudez”, que fez explodir a popularidade do vulcano. Até lá!