E finalmente a primeira temporada de “Jornada nas Estrelas Discovery” terminou. Infelizmente, isso ocorreu de uma forma simplesmente lamentável. Poucas vezes me senti tão desrespeitado como espectador. Não sei se quem escreveu esse episódio (os produtores que eu prefiro nem citar aqui) o fez por preguiça ou por fazer pouco caso da inteligência do público mesmo. Nunca tinha visto um final de temporada tão mal elaborado, com uma solução de guerra tão rápida e falsa. Fico imaginando a pessoa que gostava dos roteiros mais consistentes das séries de Jornada nas Estrelas do passado que teve que assinar o CBS All Acess nos Estados Unidos somente para ver a série. Dinheiro jogado fora? Talvez. Esperança de que a série vá melhorar a partir da segunda temporada como já aconteceu com outras séries de Jornada nas Estrelas? Talvez. Mas a sensação que essa primeira temporada nos dá é de derrota, de terra arrasada, com alguns lampejos de coisas boas.
Qual foi o problema do último episódio afinal? Ele até começou bem, com alguns arranca-rabos entre a Imperatriz, Saru e Burnham, mas o duelo de retórica parou ali no início. O diálogo em que Saru, com sarcasmo, se declarava “intragável” para a Imperatriz poderia ter sido mais bem explorado e desenvolvido. Agora, colocar o interior de Qo’nos como uma região de baixo meretrício para escravas (e escravos) de Órion foi um dos fan services mais tortos que vi na vida. Uma coisa totalmente fora de propósito, sem qualquer significado. Ou somente um pretexto para botar umas bundas verdes na tela? E o tão sonhado momento da batalha final entre Federação e klingons? Negativo, caro leitor. Nem uma mísera navezinha atirando em outra. A solução (para uma série mal escrita em formato de quinze episódios) foi… simplesmente usar uma bomba armada pela Imperatriz que destruiria todo o planeta, que a correta e valente Burnham não aceitou usar, pois não eram esses “os princípios da Federação”, ao que a Imperatriz respondeu “tá legal, toma o detonador aqui” e saiu pela porta dos fundos. Aí, dá-se o tal detonador para L’Rell e, sob a ameaça de destruir o planeta, ela consegue unificar todas as vinte e quatro casas, dominar o Império klingon e acabar com a guerra (ninguém pode tirar esse detonador da mão dela não???)… Pois é, se isso não estivesse registrado lá no streaming, o leitor poderia dizer que eu estava tirando uma com a cara dele. Mas essa foi a solução de uma guerra onde a Federação estava praticamente derrotada. A coisa beira ao deprimente e ridículo. E digo isso respeitando um padrão Discovery de qualidade, o que já não é lá grande coisa. Mas aqui o nível ficou mais abaixo ainda do que isso. A partir daí, o episódio ficou recheado dos monólogos de Burnham sobre o que é a Federação e seu espírito, algo que foi desrespeitado em toda a temporada, com influência de Lorca ou não. A tripulação da Discovery recebendo medalhinhas, que também deviam ser dadas ao público, que aguentou vários episódios mal escritos. A coisa já caminhava para o final com uma tremenda cara de anticlímax, quando alguém teve a brilhante ideia de fazer um fan service e colocar a Enterprise do capitão Pike somente para despistar as pessoas da droga do roteiro que foi escrito de forma lamentável. Ou seja, uma Entreprise CGI usada como um tremendo engana trouxa. Confesso que chega a ser ofensiva a forma como o espectador, trekker ou não, está sendo tratado aqui.
Ah sim, não podemos nos esquecer de Tyler, que se curou de sua dor de cotovelo rapidinho com relação à Burnham quando se animou a jogar umas partidinhas de cassino com os poucos klingons que habitam Qo’nos (uns três, ao todo). Logo, logo, Voq baixou nele e Burnham ficou com aquela cara de pastel da namorada que é trocada por uma partidinha de futebol com os amigos aos domingos. E depois, nosso Tyler ainda vai ajudar L’Rell a governar o Império klingon, sendo uma heroica ponte entre os klingons e a Federação… Tudo muito rapidinho, sem conflitos, resolvido em pouquíssimos diálogos e sem qualquer arrependimento por parte de Tyler, num contraste total com o que a gente viu no episódio anterior. Ou seja, Discovery não apresenta consistência nem entre seus próprios episódios. Uma tristeza.
Por incrível que pareça, uma das poucas coisas que funcionaram bem nesse último episódio foi justamente a Tilly, onde assumiu-se a personagem totalmente como alívio cômico, sendo esse talvez o melhor caminho para a personagem, ao invés de colocá-la para fazer aquelas falas constrangedoras sem qualquer sentido. Mas isso é muito pouco para compensar o desastre geral desse episódio.
Com o fim da temporada, fica a dúvida: tudo isso foi escrito previamente ou, com a gravação dos episódios, as histórias foram tomando rumos diferentes? Alguns produtores (como Ted Sullivan) juram de pés juntos que várias coisas foram pré-concebidas. Mas a gente também tem informações na internet de que as histórias sofreram alguns ajustes, à medida que a temporada ia sendo gravada. Bom, a gente chega à conclusão de que, se tudo foi escrito previamente, foi o clássico caso do “Pau que nasce torto, morre torto”. E, pelo contrário, se as histórias foram sofrendo ajustes, parece que a coisa foi feita tão nas coxas que perdeu-se meio que a mão. Definitivamente, o melhor arco foi o do Universo Espelho. Mas creio que esse formato de temporada mais curta e rápida não pode ser tão fragmentado em sub-arcos, o que provoca uma dispersão de todo o contexto. Que se houvesse sido feito um arco de quinze episódios, tipo novelão mesmo, somente sobre a guerra com os klingons, ou somente com o Universo Espelho, Mudd, tardígrado ou outro qualquer assunto.
Pelo menos, muitas pontas ficaram soltas (aposta de que já haveria uma segunda temporada? Aposta muito arriscada, a meu ver). O que acontecerá com os malditos esporos? Lorca Prime aparecerá? Saru deixará de ser apenas o capitão interino e assumirá o comando da Discovery de vez? Burnham será menos chata e trouxa, tendo um protagonismo, digamos, um pouco mais digno? A Federação se comportará como Federação? Os personagens da ponte terão maior participação? A tripulação será menos neurótica? Stamets vai ter um novo namorado? Os klingons farão cirurgia plástica e sessões de fonoaudiologia? E, principalmente, qual será o arco principal da série? Exploração espacial? Guerra de novo? Só torço para o seguinte: que os roteiristas analisem o que produziram, vejam seus erros e acertos, e aprendam também com os erros e acertos de séries passadas. Deep Space Nine, por exemplo, por seu teor altamente distópico, era visto como inicialmente um tanto violador do cânone, teve as temporadas iniciais um tanto fracas, mas depois virou um sucesso, pois os roteiristas se empenharam em fazer uma história – a Guerra do Dominium – bem escrita e acabada. A primeira temporada de Nova Geração foi um saco, com um Capitão Picard rabugento toda a vida, mas depois a coisa melhorou. Enterprise foi cancelada, mas foi bem no arco Xindi (confesso que gosto) e melhor ainda na quarta e última temporada. Só a Voyager que eu considero mais fraquinha, mas mesmo assim não tinha histórias tão fracas quanto as que vimos em Discovery. A gente espera que a nova temporada se inspire nesses exemplos. Pois o verdadeiro trekker não quer ver Discovery naufragar, pelo contrário, pois seu sucesso garante a manutenção da franquia ao longo do tempo. Entretanto, a coisa tem que ter um mínimo de qualidade, pois caso contrário, não vale a pena ter uma série com o nome de Jornada nas Estrelas somente pelo seu nome. Que se use outro título então e se decrete que aquele espírito de séries passadas de Jornada nas Estrelas não é mais possível para o público de hoje.
Bom, é isso. Fica agora a esperança de que a segunda temporada seja feita por mentes, digamos, mais iluminadas. Vida longa e próspera a todos!!!
https://www.youtube.com/watch?v=-IHBbEG4GfI
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Concordo em 100% com o que disse.
parabéns pela resenha.
Valeu… só não queria usar palavras tão duras…
Eu concordo com tudo que você escreveu. Tem muita coisa para acertar nos roteiros, eles chegam a ofender a nossa inteligência.
Um acréscimo sobre a Tilly ; onde já se viu um oficial, em missão de espionagem , consumir uma droga? Só aceito isso pensando nela como alivio cômico .
Se a Tilly fosse colocada como alívio cômico desde o início, talvez ela fosse tão popular como o Saru…