Batata Movies (Especial Oscar 2018) – Projeto Flórida. Poor America.

                  Cartaz do Filme

Mais um filme que concorreu ao Oscar. “Projeto Flórida” concorreu à estatueta de Melhor Ator Coadjuvante para Willem Dafoe. Foi uma pena o veterano ator não ter levado o prêmio, até porque a concorrência com o vencedor, Sam Rockwell, era muito desigual. Mas o trabalho de Dafoe foi ótimo e isso deve ser digno de registro. Esse é um filme que também chama a atenção para uma reflexão, escondida meio que no pano de fundo das paisagens, mas também no cotidiano dos personagens.

                                                            Três crianças no olho do Furacão…

Vemos aqui a história de Moonee (interpretada pela pequenina Brooklynn Prince), uma menininha que vive com sua mãe numa espécie de hotel com a diária bem barata, o que dá ao lugar a aparência de um verdadeiro pombal, ou seja, um condomínio com muitos moradores cujo comportamento e condições de vida não são lá muito agradáveis. Moonee passa o dia andando para lá e para cá com seus amiguinhos fazendo o que a gente chamava antigamente de “arte” em todos os lugares para onde ia e sempre respondia as repreensões dos adultos de forma extremamente malcriada, principalmente as de Bobby (interpretado por Dafoe), o zelador do hotel. A vida das crianças parece um eterno mar de rosas, onde elas brincam muito, conseguem sorvete de graça e fazem das mais estapafúrdias travessuras. Mas a gente sente que o clima no entorno não é dos melhores, onde podemos presenciar uma pobreza contundente. E, para piorar o contraste, estamos em Orlando, praticamente ao lado da Disneylândia, a terra dos sonhos de muita gente. A dureza do mundo real passa despercebida pelas crianças, mas está à espreita e, lentamente se aproxima delas.

                                                                            Uma mãe debochada…

Esse é um filme de crianças brincando nos escombros de uma sociedade atingida pela crise econômica. Escombros que, hoje, não passam de remendos de uma época outrora próspera. Moonee e seus amigos andam pela rua sozinhos, sem qualquer presença materna, passando por lojas de beira de estrada com letreiros estilosos mas com pouco movimento. Ou então por supermercados que são o paraíso do consumo quando se entra uma graninha a mais. É curioso ver os quiosques de guloseimas no formato das mesmas, verdadeiros monumentos aos dias prósperos do American Way of Life, mas já num passado distante para quem amarga uma vida dura regada pelo desemprego e pela necessidade de prostituição, sempre com medo do que o Conselho Tutelar pode pensar disso e levar sua filha de casa.

     Uma América decadente…

Outro cenário muito contundente são as coloridas casas de dois andares abandonadas e tomadas pelo mato onde as crianças brincam (e destroem), casas essas provavelmente vítimas da bolha do mercado imobiliário que arrasou a economia mundial. Terrenos baldios com bois e vacas e valas negras completam a paisagem desoladora onde as crianças, em sua inocência e total falta de noção do que ocorre em volta delas, brincam e brincam. Definitivamente, “Projeto Flórida” é um filme reflexivo e ácido, com os doces momentos infantis.

                                          Um zelador que precisa administrar um pardieiro…

E Dafoe? Seu personagem Bobby talvez seja o único que percebe o que ocorre em seu entorno. Sendo obrigado a administrar um hotel cujo dono zela pela rígida observação às regras, Bobby precisa ter muito jogo de cintura para manter os anseios de seu patrão e, ao mesmo tempo, lidar com todo um grupo de pessoas que se comporta de forma mais intransigente do que civilizada. Mas Bobby tem plena consciência do estado lastimável em que vivem os moradores do hotel e negocia com eles, precisando saber exatamente o momento de morder e de assoprar. A personalidade cativante e magnética de Dafoe ajuda muito a gente a comprar seu personagem e gostar dele logo de cara. Foi uma belíssima atuação digna de Oscar, não fosse a forte concorrência esse ano.

                                                                       Um momento difícil…

Assim, “Projeto Flórida” é um filme que consegue, simultaneamente, trabalhar o lúdico e uma situação assombrosa de crise. Dois pólos na película que lentamente se aproximam. Qual vai ser a consequência do encontro entre eles? Isso eu deixo para o espectador testemunhar na sala de cinema, pois essa película é digna de ser apreciada não na poltrona de casa, mas na poltrona de um bom cinema, até pela excelência que o filme contém.