E estreou o tão esperado “Vingadores, Guerra Infinita”, com novamente a Marvel produzindo um grande filme, embora eu confesse que o filme me incomodou, talvez pela pegada altamente sombria da película. Antes de mais nada, vou logo dizendo que esse texto está repleto de spoilers. Não é a toa que estou o publicando com pouco mais de uma semana de exibição. De qualquer forma, se você ainda não viu o filme, é melhor voltar aqui quando já tiver assistido à película.
Vamos lá. Bom, a sinopse todo mundo já conhece. O vilão Thanos precisa das seis joias do infinito para se tornar a criatura mais poderosa de todo o Universo e fazer todos de gato e sapato com um mero estalar de dedos. É claro que, para enfrentar um vilão extremamente poderoso, tivemos a presença de praticamente todos os heróis da Marvel, com a (sentida) ausência do Homem Formiga. Infelizmente, todos os heróis não lutaram exatamente juntos, numa batalha totalmente épica, mas sim em núcleos isolados, embora eles não tenham necessariamente deixados de ser épicos. Uma coisa deve ser dita aqui: houve várias situações paralelas, em locais (e planetas) diferentes, o que exigiu uma certa atenção do espectador. Mas como o filme teve a grande virtude (como todos os filmes da Marvel) de prender constantemente a atenção do espectador, a coisa se fez de forma relativamente tranquila. Ainda, o filme, apesar do clima pesado, manteve a pegada de humor, sobretudo nas situações em que personagens de dois núcleos diferentes interagiam, como quando vimos Groot e o Capitão América se conhecendo. O não abandono do humor nessa situação extrema não comprometeu o filme, ao contrário do que poderia parecer. Nos poucos momentos em que o humor desandou um pouco foi nas participações dos personagens dos Guardiões da Galáxia, onde tivemos diálogos bem bobinhos, a ponto de deixarem um Stark e um Strange da vida completamente estupefatos, mas que também contaminava as falas engraçadas desses personagens. Tudo bem, a pegada dos Guardiões da Galáxia é outra, mais bobinha e engraçadinha mesmo.
Uma coisa que chamou demais a atenção foi a motivação de Thanos em acumular tanto poder com as joias do infinito. Sua argumentação se baseava na premissa de que o Universo é finito e seus recursos também. Logo, o aumento das populações dos planetas provocaria um colapso que somente poderia ser solucionado com a execução de metade dessas populações. E ele se vangloriava de levar essa tarefa a cabo, uma tarefa que ninguém mais tinha coragem de fazer. Impossível não fazer uma comparação direta com Thomas Malthus, um economista britânico que viveu entre os séculos XVIII e XIX, e sua famosa teoria que dizia que a população pobre crescia em progressão geométrica e a produção de alimentos crescia em progressão aritmética. Logo, a única forma de resolver esse problema de escassez seria através de um controle populacional onde, obviamente, os pobres pagariam o pato.
O governo não deveria dar qualquer assistência aos pobres, pois assim eles morrem e a proporção entre pessoas e comida se equilibra novamente (pode-se dizer que, quem critica hoje programas como o Bolsa Família ou reclama que o dinheiro dos impostos arrecadados são para sustentar “vagabundos” tem uma visão considerada neomalthusiana). Só que Thanos, a uma certa passagem do filme, falava que, ao sacrificar as metades das populações dos planetas, faria isso sem privilegiar ricos ou pobres. Seria Malthus ainda pior do que Thanos? Eu não queria estar por perto se Malthus tivesse as seis joias do infinito em sua manopla.
Falando ainda em Thanos, a atuação de Josh Brolin, mesmo com toda aquela capa meio virtual, foi de uma força tremenda, não somente pelas porradas que ele dava, mas também por acreditar piamente que sua visão genocida era totalmente necessária para salvar o Universo. E, ainda, ele, volta e meia apresentava uma visão respeitosa para com seus oponentes, sobretudo Tony Stark e Wanda, sobretudo no episódio da morte de Visão (chamou muito a atenção o afago que ele faz na cabeça de Wanda antes de conquistar a última joia). Agora, foi algo arrebatador a sua relação com Gamora, num misto de amor e ódio, que culminou com o sofrimento (sincero) de sacrificar sua filha para obter a joia da alma. Essa humanização de um vilão ultrapoderoso e imbatível foi um dos grandes momentos do filme.
Na parte dos heróis, algumas coisas também chamaram a atenção. O traje do Homem Aranha, por exemplo, estava com aquelas pernas mecânicas implantadas por Stark. O diálogo de Thor e Rogers, falando de barbas e penteados, foi engraçado. Confesso que gostaria de uma participação maior de Steve Rogers no filme. De qualquer forma, foi bom vê-lo em Wakanda (na minha modesta opinião, o que a Marvel tem de melhor nos filmes solo são os três filmes do Capitão América e o Pantera Negra). Agora, uma coisa ficou muito clara aqui. Cada filme de herói da Marvel, mesmo que tenha pontos em comum com os outros, tem uma pegada própria. Isso ficou muito claro quando os personagens interagiam ou havia mudanças de um núcleo para outro, como se a gente tivesse uma espécie de mosaico de tudo o que vimos da Marvel nos últimos anos. Nesse ponto, o filme ficou bem construído, pois essas diferenças de cada personagem poderiam não ter dado muito certo se não fossem bem trabalhadas.
E o desfecho? Bom, pode-se dizer que a opção pelo vilão ter vencido a guerra e os mocinhos terem perdido foi muito boa, pois se chutou o “happy end” para escanteio. De fato, essa solução engrandece o filme, mas aqui surgiu um pequeno problema. Se tem reclamado por aí que as mortes têm sido desvalorizadas, pois hoje se matam heróis e eles são ressuscitados num piscar de olhos. E, agora, mais do que nunca, se lançará mão desse expediente, pois morreram muitos heróis. E a Marvel não quer perder dinheiro com a franquia, obviamente. Mas ficou uma pulga atrás da orelha: será que todos voltarão à vida, ou alguns realmente foram de forma definitiva? Essa dúvida (e angústia) somente aumentava à medida que víamos os heróis virarem cinzas. Devo confessar que, quando disse que o filme me incomodou, o foi principalmente pela parte dolorosa de ver muitos heróis morrendo (eu sou adepto daquela opinião, meio antiquada para os padrões de hoje, eu sei, de que o herói não deve morrer). Isso deu uma agonia e uma cara de tacho ao fim da exibição, com um Thanos sorridente vendo o pôr-do-sol depois de ter vencido sua guerra.
Ficou aquela sensação de “já acabou?”. E, dessa vez, até os créditos finais nos meteram uma rasteira, sem cenas por toda a sua extensão, somente com uma aparição de Nick Fury (que também desmanchou) mandando uma mensagem para a… Capitã Marvel (!). Confesso que não conhecia essa super-heroína, mas o que se tem falado por aí é que ela tem muito poder. Outro detalhe interessante está nos heróis que sobreviveram. Bruce Banner, que não se transformou em Hulk por todo o filme, deve voltar com força total como o monstro verde no próximo filme (pelo menos assim espero!), assim como Stark e Rogers terão que fazer as pazes de qualquer jeito. Quanto a trazer os mortos para a vida, Thanos já até deu a dica: é só usar a joia do tempo (o problema vai ser tirar a manopla da mão dele, embora os heróis tenham quase conseguido nesse filme). E seria muito legal ver o Thor descer o cacete (ou o machado) no Thanos (ele quase conseguiu aqui).
Assim, “Vingadores, Guerra Infinita”, é mais um filmaço da Marvel, muito sombrio, pois os heróis encontraram um inimigo muito poderoso, e a derrota foi avassaladora. Haverá uma volta por cima total? Ou algumas marcas permanecerão? Confesso que não li os quadrinhos para saber como tudo se processou, se bem que nem sempre o cinema toma o mesmo rumo das histórias dos quadrinhos, alterando-as ao seu bel prazer. Até Thanos retornar (como foi prometido no final derradeiro do filme) esse incômodo vai ficar coçando o fundo de nossas mentes. Aquelas cinzas até agora estão provocando uma sensação desconfortável. Mas esse filme é um programa para lá de obrigatório.