Batata Movies – Desejo de Matar. Detonando Motherfuckers!

Cartaz do Filme

Um remake de um conhecido filme do passado está em nossas telonas. “Desejo de Matar” ressuscita o personagem do arquiteto Paul Kersey, interpretado por Charles Bronson lá no longínquo ano de 1974, agora na pele de Bruce Willis e com algumas pequenas alterações que nos fazem pensar e que infelizmente trarão os spoilers à baila. Então, se você pretende ver o filme, seria legal voltar aqui depois de assisti-lo.

Paul Kersey, um homem transformado pela violência…

Todo mundo conhece a história. Paul Kersey, agora um renomado cirurgião, é uma pessoa pacata que perde de forma extremamente violenta a esposa e sua filha fica vários dias em coma depois que assaltantes invadem a sua casa. E aí, o homem deixa de ser pacato e passa a fazer justiça com as próprias mãos, metendo bala nos canalhas por aí. Confesso que já vi a versão do Charles Bronson há um milhão de anos, mas o que a gente pode comparar aqui? Em primeiríssimo lugar, o Kersey de Bronson é o modelo mais arquetípico da figura controvertida do “cidadão de bem” que temos hoje: bom cristão, contra o aborto provavelmente e, com certeza, defensor da pena de morte, onde os bandidos que ele assassina são os “vagabundos” desalmados por excelência, pouco se importando com a vida original dos criminosos, por que eles entraram para a vida do crime, se são ou não vítimas da sociedade, etc. O negócio é passar o rodo mesmo, para satisfazer a necessidade de sangue do protagonista e da plateia. Para se medir o conteúdo WASP da coisa, em “Desejo de Matar 2”, havia até o célebre diálogo entre Bronson e sua vítima: “Crê em Jesus Cristo?”, “Sim”, “Então vai vê-lo de perto!” com os tiros logo em seguida. Em outro filme da série (foram cinco longas), Bronson ainda solta um “Vai com Deus” antes de executar o vagabundo. Mais ético e cristão impossível…

Uma família feliz…

Já o Kersey de Bruce Willis é um pouco mais complexo. Para começar, há o dilema, por ser médico, de salvar ou tirar vidas. Enquanto nada acontece com sua família, ele encara seu ofício com frieza e naturalidade, não se importando quem é a pessoa que ele precisa salvar, como a boa ética médica exige. Pode ser um policial ou um bandido homicida. Entretanto, depois que a pimenta entra nos seus olhos, ele toma atitudes, digamos, pouco ortodoxas com relação a sua profissão. Ele não coloca qualquer entusiasmo no uso do desfibrilador quando trata de um dos bandidos da quadrilha que destruiu sua família. E fica meio implícito se foi ele ou não que crivou o meliante a bala.

Logo, elas farão parte de uma perda…

Antes desse dilema médico moral meio que chutado para escanteio, o filme provocou outra reflexão. A esposa de Kersey (interpretada por uma envelhecida, mas ainda muito bonita Elisabeth Shue) era proveniente do Texas, um estado americano com alta fama de belicismo. Ao retornar do funeral, o sogro de Kersey, com o genro no banco do carona, para o carro, pega uma arma e passa fogo em caçadores ilegais. Noutro momento do filme, Kersey vai a uma loja de armas e é atendido por uma sensual lourinha que lhe mostra as opções da casa e ainda ressalta as facilidades da burocracia americana para você sair dando uns tecos por aí. Ou seja, um filme de ação onde motherfuckers serão sumariamente eliminados tem, num dado momento, a preocupação de criticar o pensamento belicista americano. Realmente não é uma coisa que se vê todo dia por aí. Entretanto, tal visão bélica passa a ser legitimada depois que Kersey percebe que a morosidade das investigações deixará os criminosos impunes. E aí, aquele momento de curiosa lucidez se desvanece na pirotecnia armamentista básica.

Kersey em ação!!!

Ainda assim, o filme tem outros momentos de lucidez. Um programa de rádio questiona se é correto ou não fazer justiça pelas próprias mãos, lembrando que nesse programa o apresentador é negro. Já outro programa de rádio, que faz apologia ao “anjo da morte”, é apresentado por um gordinho branco. Mais maniqueísmo impossível. Uma questão é levantada: e se todo mundo resolve fazer justiça com as próprias mãos? A consequência disso aparece duas vezes: no ferimento provocado na mão de Kersey depois que ele dá um tiro, por não saber usar a arma direito (fica dado o recado a quem tentar cometer essa loucura por aí) e no caso de um aprendiz de justiceiro que, repetindo as atitudes de Kersey, acaba assassinado pelo bandido que pretende matar. O filme, cujo tema é a justiça pelas próprias mãos, ao mesmo tempo diz claramente: “Não faça isso na vida real senão você vai quebrar a cara!”. É o politicamente correto tentando consertar o politicamente incorreto nos filmes de ação.

Atirando no “bandido”…

A questão das mídias sociais do século XXI também é abordada no filme.  Se  o Kersey de Bronson matava seus vagabundos em paz, sem a vigilância de alguém, o mesmo não se dizer do Kersey de Willis, cujos primeiros homicídios foram filmados pelo celular de uma moça, colocados na internet e viralizados praticamente de forma instantânea, elevando Kersey ao status de celebridade em poucos segundos. O médico parecia se divertir com isso, mas, ao mesmo tempo, teve que calcular mais os seus passos enquanto buscava os assassinos de sua esposa que, confesso, acho que caíram no colo dele de forma um tanto fácil. Um pouquinho mais de investigação não faria mal ao filme, mesmo sendo ele de porrada, bomba e tiro declarado.

Bronson também aponta o dedo, sob a aprovação de Willis…

Dessa forma, esse remake de “Desejo de Matar” não deixa de trazer novos atrativos sem corromper demais a história original. Um filme belicista que critica o belicismo é, no mínimo, uma curiosidade que merece a nossa atenção. E ainda foi feita uma homenagem ao filme original bem ao fim da película, onde tanto Bronson quanto Willis “disparam” com os dedos contra um negro (obviamente) ao fim da película. Sei não, mas dessa vez soou com um extremo mau gosto. Não que a versão de Bronson não tenha sido de mau gosto, mas agora Willis parecia apontar sua “arma” para um trabalhador comum. Esquisito. De qualquer forma, vale a pena dar uma conferida nesta versão de “Desejo de Matar”.