John Malcovich ataca novamente. Ele protagoniza “Variações de Casanova”, escrito e dirigido por Michael Sturminger. Como o próprio título sugere, a ideia aqui não é contar a vida do conhecido mulherengo Giacomo Casanova de uma forma única e engessada, mas sim com variações, embora elas se tornassem pouco visíveis ou demasiado sutis ao longo da película. Tomando como locação o Teatro São Carlos em Lisboa, o filme (e, também, a peça, assinada pelo próprio Sturminger) se desenvolve como um grande teatro e ópera filmadas, embora se faça toda uma brincadeira com a situação, onde, em alguns momentos, haja um toque mais hilário, como na ocasião em que Malcovich, ao início do filme, simula um piripaque, que faz parte da peça, e uma médica do público busca prontamente atender o ator, sendo obrigada a assistir a peça dos bastidores até o intervalo, para não impedir o andamento do espetáculo. Ainda, o filme usava outros espaços do teatro além do palco, onde podíamos ver Malcovich e Veronica Ferres contracenando juntos numa saleta ou em outras dependências. Mas os grandes momentos do filme, sem a menor sombra de dúvida, são as sequências de claro teatro filmado e, principalmente, de ópera filmada, realizadas por cantores líricos profissionais. Tudo isso deu um grande toque de muita plasticidade à materialidade visual do filme, mas também foi um deleite para os que amam ópera e música erudita.
Do que se falou de Casanova? O personagem protagonista já estava numa idade relativamente avançada e pensava em escrever suas memórias. Vemos aqui um conquistador ainda na ativa, mas que se ressentia de alguns atos de seu passado, embora guardasse com carinho na lembrança muitos outros, como o flerte com um castrati, os antigos cantores líricos que castravam seus órgãos sexuais para afinarem suas vozes (no caso, o castrati aqui foi interpretado por uma atriz, o que deu ao personagem um visual de grande androginia). Dos atos mais sentidos, a paixão pela filha de uma antiga amante, amante essa interpretada pela magnífica Fanny Ardant, que apareceu por pouquíssimos minutos, deixando na alma do cinéfilo de carteirinha um gostinho de “quero mais”.
E os atores? Nem é preciso falar muito de Malcovich. Ele esteve genial como sempre, podendo ser dramático, engraçado, sedutor, atormentado, enfurecido quando ele quisesse. Sem falar que ele fazia o próprio Malcovich no filme, seja falando com a amiga que odiava ópera no intervalo da peça (como se os atores circulassem livremente pelo público em intervalos de peças; viva a liberdade poética do cinema!), seja falando com a médica lá do início da película, que era uma fã inveterada do ator e fazia perguntas constrangedoras que Malcovich, sabiamente, respondia com falas da peça (“Como um cavalheiro, responderia à sua pergunta?”).
Veronica Ferres, por sua vez, mostrou-se uma versátil companheira de palco de Malcovich, trabalhando com o ator diálogos que exploravam os traumas de uma relação amorosa descartável bem ao estilo do amante, embora fosse difícil acompanhar os diálogos em virtude do belíssimo vestido vermelho da atriz, com um decote para lá de voluptuoso e generoso, um verdadeiro deleite para os olhos.
Assim, se “Variações de Casanova” caíram mais no lugar comum da ópera e do teatro, ainda assim houve variações, sobretudo na mesclagem das obras que exaltavam o amante com um “suposto” mundo real, onde o próprio Malcovich era personagem. O filme conta ainda com um vistoso figurino e números musicais de muito bom gosto que, entretanto, pode entediar os não iniciados no mundo da ópera, mas é um prato cheio para os amantes dessa nobre arte. É o tipo do filme que você não vê por aí todo o dia e vale a pena a experiência.