Um curioso documentário brasileiro. “Ex-Pajé”, de Luiz Bolognesi, aborda a questão do etnocídio (destruição de uma cultura) nos dias atuais. Um documentário que nos dá uma ideia do que deve ter acontecido com inúmeras nações indígenas que aqui viviam nos tempos da colonização. Um documentário que dá pano para manga para pensar.
Vemos aqui a trajetória do Pajé Perpera Suruí, que tinha uma posição de importância em sua tribo até o momento em que um pastor evangélico estrangeiro chega à sua aldeia para evangelizar os índios. Nesse momento, o Pajé passa a se questionar, já que suas práticas religiosas ficaram rotuladas como “coisa do demônio” pelos habitantes, ignorando a existência de Perpera.
Ele só volta a ser aceito em sua comunidade quando passa a frequentar os cultos evangélicos, tendo uma posição altamente periférica. O problema é que uma das mulheres da aldeia é picada por uma jararaca e é internada em estado grave no hospital, com poucas chances de sobreviver. Será nesse momento que o “ex-pajé” voltará a ter uma posição central novamente, pois os índios se voltam novamente para suas tradições no intuito de tentar salvar a mulher.
Esse documentário é valiosíssimo, pois ele registra a cultura dessa tribo indígena em riqueza de detalhes. Em primeiro lugar, na maior parte do filme é falada a língua nativa da tribo e as dificuldades do próprio Perpera quando ele vai à cidade e precisa se expressar em português. Ainda, podemos ver Perpera ressaltando elementos da sua religião nativa, onde há espíritos das matas e dos rios que precisam ser evocados para lutar contra os inimigos da tribo. Para que isso aconteça, há várias práticas como, por exemplo, destruir um formigueiro, que simboliza um dos espíritos do mal, não comer a comida de branco e sim o que eles comiam antes da chegada do elemento colonizador, ou fazer uma espécie de trombeta com um grande pedaço de bambu para evocar os espíritos. Tudo isso aparece no documentário e é um registro audiovisual vivo de uma cultura que não sabemos se ainda existirá nos próximos anos, até em virtude do processo de aculturação e de evangelização, que já estão bem avançados. Só esse pequeno detalhe já espelha a importância desse filme.
É muito curioso perceber como há uma mescla da cultura branca com a cultura indígena. Os índios usam a tecnologia de celulares para gravar os cânticos de seus rituais e o facebook para denunciar a exploração ilegal de madeira em sua região, não deixando de mencionar os assassinatos de índios promovidos pelos madeireiros. Ou seja, mais uma vez o caso da relação entre tradição e modernidade, aqui vista de forma positiva, ao contrário da evangelização, onde vemos o etnocídio acontecendo em estado puro em dias contemporâneos.
Agora, fica aqui a pergunta: a mulher índia melhorou com todos os rituais promovidos por Perpera? Essa resposta eu deixo para o próprio leitor buscar, assistindo ao documentário.
Assim, “Ex-Pajé” é um documentário fundamental, pois registra a cultura de uma tribo indígena que pode estar em vias de extinção em virtude do processo de aculturação e etnocídio, além de cumprir sua função social de denúncia ao lembrar a todos nós que a destruição de culturas ainda é um problema muito atual. Esse documentário é daqueles para ver, ter e guardar.