Batata Movies – Sonata De Outono. Uma Experiência Arrebatadora.

 

Cartaz do Filme

No ano do centenário do lendário cineasta sueco Ingmar Bergman, o Espaço Itaú de Cinema realizou, ao mês de setembro último, uma pequena mostra para homenagear esse importante nome do Cinema Mundial. E aí, pintou uma oportunidade para assistir a “Sonata de Outono”, um filme que sempre tive curiosidade de assistir. Confesso que vi poucos filmes do cineasta (ele tem cerca de setenta filmes, fora os trabalhos para teatro e para a TV sueca) e preciso preencher essa lacuna. Mas, por que o meu interesse especial por “Sonata de Outono”? Eu li, há alguns anos, o famoso livro de Liv Ullmann, “Mutações”. Ullmann foi um dos muitos casos de Bergman que, apesar de seu talento mundialmente reconhecido, não era lá uma figura muito fácil em termos de relacionamento humano, como o próprio cineasta reconhecia. E, quando vemos Ullmann se expressar, parece que ela é demasiadamente sensível perto do gélido temperamento nórdico, passando sempre para a gente uma sensação de fragilidade e de sentimentalismo muito grande. Pois bem, ao ler “Mutações”, a gente vê que Ullmann se lembra de forma muito especial de sua relação com Ingrid Bergman em “Sonata de Outono”, onde atores e personagens meio que se fundiram ali.

Eva, uma filha insegura…

Ou seja, as duas atrizes ficaram realmente marcadas por todo o sofrimento de suas personagens e ainda tinha o agravante de que Ingrid Bergman já padecia de um câncer no seio na ocasião. Ullmann falava de um sentimento maternal que nutria por Ingrid Bergman e de como vestiu a camisa da opressão maternal que sua personagem Eva sentia. Outro detalhe muito marcante de “Sonata de Outono” é que temos a oportunidade de ver Ingmar Bergman dirigir Ingrid Bergman, a mítica atriz de “Casablanca”. Confesso que lá nos idos de minha adolescência cheguei a confundir os dois artistas em um só.

Charlotte, a mãe determinada…

Mas, como é a história de “Sonata de Outono”? A trama é bem simples. Uma filha, Eva (interpretada por Ullmann), recebe em sua casa a mãe, uma renomada pianista, Charlotte (interpretada por Ingrid Bergman). Mas a artista não sabe que Eva também abriga a sua irmã, Helena (interpretada por Lena Nyman), que sofre de problemas motores, algo que angustia Charlotte. Pouco a pouco, Eva e Charlotte vão revolvendo o passado e o que parecia, num primeiro momento, uma relação cordial entre mãe e filha vai revelando camadas de muito ressentimento e até de ódio.

Helena, a filha adoecida…

É um filme pesado e assisti-lo torna-se uma experiência arrebatadora. Temos uma oposição inicial filha frágil e insegura X mãe autossuficiente e determinada onde, pouco a pouco, os papéis se invertem. Eva passa a ser implacável e cruel, não perdoando as constantes viagens da mãe nos tempos de infância e a aparente indiferença de seus sentimentos para com a filha. Ao mesmo tempo, Charlotte deixa de ser a mulher forte e determinada para revelar toda uma fragilidade que vinha também de um relacionamento mal resolvido com sua mãe, onde ela também padecia da indiferença. Ou seja, a gente tem repetições de uma mesma situação de loops de indiferenças maternas que assolavam psicologicamente as filhas. Só que no caso de Charlotte e Eva, temos o agravante de Helena, onde fica citado no filme que a doença da moça também é provocada, de uma certa forma, pelo comportamento da mãe. Aliás, é de Helena o mais terrível grito de angústia do filme, próximo ao seu desfecho que, ao contrário do que pode parecer em toda a película, traz um vento de esperança que substitui a letargia de uma melancolia que a gente vê ao longo da exibição, melancolia essa sacudida nos momentos mais tensos entre Eva e Charlotte.

Lágrimas, muitas lágrimas…

Do ponto de vista técnico, uma coisa chama muito a atenção: o uso dos closes como instrumento dramático. Ver Ullmann e Bergman e suas faces ocupando toda a tela com olhos que se marejavam nas frontes petrificadas (acho muito forte a interpretação onde o ator faz lágrimas brotarem de seus olhos sem qualquer desfiguração da face) era algo de grande impacto.

Um trio da pesada…

E, cá para nós, o close de Ullmann olhando a mãe tocando piano talvez seja um dos mais icônicos e definitivos da História do Cinema, onde a jovem atriz dá a sua personagem toda uma insegurança e fragilidade perante a figura monumentalizada da mãe, que toca a peça com uma indiferença de frieza muito intensa.

Um dos maiores closes da História do Cinema…

Assim, “Sonata de Outono” é um grande momento da História do Cinema, pois traz um excelente roteiro interpretado de forma magistral por uma jovem atriz e uma diva do Cinema Mundial, tudo isso sob a batuta de um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos. É um clássico para ver, ter e guardar.