Batata Movies (Especial Festival Do Rio 2018) – A Rainha Do Medo. Pimenta Nos Olhos Dos Outros…

Cartaz do Filme

Dando sequência a análise de alguns filmes do Festival do Rio 2018, falemos hoje do argentino “A Rainha do Medo” (“La Reina del Miedo”), de Valeria Bertuccelli, uma co-produção Argentina/Dinamarca. Esse é um filme um tanto angustiante, pois a protagonista é acometida de uma ansiedade que parece chegar muito próximo aos limites do pânico. E aí, ou a gente acha ela uma histérica ou a gente embarca em todo seu sofrimento e suplício. Fica ao gosto do freguês. Só é impossível ser totalmente indiferente à personagem.

Robertina e sua rotina de ensaios…

Mas qual é o plot do filme? Temos aqui Robertina, a grande dama da classe artística argentina, que se prepara para encenar mais uma peça que será um sucesso garantido. Só que a atriz faz aquilo que chamamos no popular de “abraçar o mundo com as pernas”, ou seja, ela assume uma infinidade de responsabilidades ao mesmo tempo e, obviamente, não consegue segurar o rojão.

Assumindo muitas responsabilidades…

Ela se preocupa efusivamente com as constantes faltas de luz de sua casa, com uma obra em seu jardim, com a empregada chorosa que toda hora tem sentimento de culpa, com o amigo doente terminal de câncer na Europa e, é claro, lá na 87ª posição, com o ensaio da peça. Inevitavelmente, o comportamento de Robertina será alagado por uma ansiedade extrema, o que a deixa insegura e constantemente infeliz. E aí o espectador, que assiste a aquilo tudo dentro de um ponto de vista mais racional, vai pensar: é impossível para um ser humano assumir tantas responsabilidades ao mesmo tempo. Há de ser mais seletivo e focado nas coisas.

Robertina não consegue segurar o rojão…

O mais lógico aí seria se concentrar integralmente nos ensaios da peça, pois é sua atividade principal e seu ganha-pão. Mas Robertina tem um quê solidário que a obriga a resolver todos os problemas do mundo ao mesmo tempo. Os mais pragmáticos se revoltariam e achariam a mulher histérica. Os mais emocionais, contudo, entendem a situação da mulher e se solidarizam com ela. Não parece haver um meio termo nessa situação. E o espectador fica angustiado com a situação da atriz.

Dando atenção ao amigo doente…

A atuação de Valeria Bertuccelli foi muito boa. Ela conseguiu passar a ansiedade de sua personagem para o público sem recorrer à explosões de paroxismo. Era algo que tinha sua intensidade, mas era contido. Volta e meia, uma lágrima descia pela sua fronte meio que petrificada, o que acabou sendo mais eficiente do que uma crise de choro. Explosão emocional apenas na estreia da peça, quando ela atuou com muita garra, depois de tomar uma bronca de seu agente, pois pensava em desistir de tudo. Apesar desse detalhe, o desfecho foi um tanto dúbio. Derrota ou libertação? Não entrarei mais em detalhes, para que o leitor, se um dia conseguir ter acesso a esse filme (já que alguma coisa do Festival não voltará a ser exibida aqui), tire as suas próprias conclusões.

Muita garra na apresentação…

Assim, “A Rainha do Medo” é mais um interessante filme do Festival do Rio 2018, pois nos dá uma importante lição: carregue a cruz que você pode aguentar. Não adianta sair abraçando o mundo com as pernas, pois todos nós temos nossos limites. Sem falar que pudemos ter contato com Valeria Bertuccelli, realmente uma grande atriz argentina.

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Voyager (Temporada 6, Episódio 10), Pathfinder. Uma Nova Esperança.

Um outsider atormentado…

Hoje vamos falar do décimo episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”, “Pathfinder”. Esse é um episódio muito especial, pois faz uma espécie de crossover com “Jornada nas Estrelas A Nova Geração”. E se caracteriza, também, pelo contato que a Voyager faz com a Frota Estelar, depois de seis anos de viagem, com um promissor vislumbre de contatos futuros.

Mas, como o episódio se desenrola. Reginald Barclay (isso mesmo, o tenente da Nova Geração extremamente inseguro, de imaginação muito fértil e viciado em holodeck), recebe Deanna Troi em sua casa na Terra. Ele diz para a conselheira que ferrou a sua carreira, pois foi dispensado de seus serviços em virtude da sua obsessão por trazer a Voyager de volta para casa. Ele acredita que, com um feixe de partículas ele pode criar um micro buraco de minhoca que possibilitará a comunicação com a Voyager. O problema é que nem seu superior nem ninguém, inclusive o pai de Tom Paris, o almirante Paris, colocam muita fé nele, em virtude de seu passado de vícios em holodecks e de um comportamento marcado pela instabilidade emocional. Mesmo assim, Barclay força a barra e invade seu instituto de pesquisas todas as noites para usar o holodeck, simulando uma vida com a tripulação da Voyager e buscando a solução para o problema de comunicação. Esse foi um dos motivos pelos quais acabou sendo desligado de sua função. Barclay confidencia a Troi que, desde que saiu da Enterprise, ele leva uma vida solitária e acabou usando os hologramas da Voyager como sua nova família, o que o tornou obcecado em salvar a tripulação real.

Uma antiga amiga…

Mesmo proibido de trabalhar em seu centro de pesquisa, Barclay vai lá e o invade à madrugada para tentar estabelecer contato com a Voyager. Confirmando suas previsões, ele consegue gerar o micro buraco de minhoca, mas é surpreendido por seu superior e seguranças enquanto tenta contato. Para fugir, ele entra no local onde mais se sente protegido: isso mesmo, o holodeck simulando o ambiente da Voyager. Lá, ele continua tentando o contato com a Voyager verdadeira, mesmo fugindo do seu superior e dos seguranças. Só que seu superior consegue colocar o núcleo de dobra da Voyager holográfica em rompimento iminente e, para não destruir sua simulação, Barclay precisa encerrar o programa. Fora do holodeck, o almirante Paris aparece e diz que a tentativa de Barclay pode surtir efeito, mas o tenente diz que já tentou e fracassou. É nessa hora que chega a transmissão da Voyager e, depois de alguns ajustes, eles conseguem se comunicar com a nave por um breve momento, já que o micro buraco de minhoca está se fechando. Mas houve tempo suficiente para uma troca de figurinhas: a Voyager passou dados navegacionais, relatórios da tripulação e diários da Voyager, enquanto que a equipe da Terra enviou dados de uma nova tecnologia de hiper subespaço, que vai ajudar a Voyager a se comunicar com a Terra. O almirante Paris tem a oportunidade de conversar com Janeway, o que provoca comoção em Tom. O episódio termina com Barclay conversando com Deanna sobre seus projetos futuros de vida e com a tripulação da Voyager fazendo um brinde para o tal de Barclay, concretizando o sonho dele ter uma nova família.

Mais um bom episódio. Esse crossover foi muito legal, onde Troi e Barclay, num relacionamento de amigo para amigo, psicólogo para paciente, veio muito bem a calhar. Confesso que gosto muito do personagem Barclay e me identifico com ele numa certa fase de minha vida. Muitas pessoas devem também se identificar. Sua insegurança e medo de encarar a realidade tornam-lo o perfeito outsider. Para sobreviver, ele usa o que tem de melhor para encarar o mundo exterior, que é a sua imaginação. E aí, por estar fora do paradigma de impessoalidade, produção e eficiência do sistema (eu me pergunto se no século 24 esse paradigma continuará a existir), ele é marginalizado por seus demais pares. De qualquer forma, Barclay é uma espécie de modelo para muitas pessoas, pois ele mostra como um outsider pode usar de seus próprios meios para viver no mundo, mesmo que haja muitos percalços nisso. Sua obsessão um tanto doentia pode também ser vista pelo lado bom de uma perseverança muito forte, sendo muito seguro de si nesse ponto. Por isso que eu, particularmente, achei que foi uma boa escolha o uso desse personagem, mais visto como um alívio cômico, na tarefa de estabelecer o contato com a Voyager, um ponto chave para a série. Ah, e não podemos também nos esquecer que o ator que interpreta Barclay, Dwight Schultz, era o loucão Murdock do Esquadrão Classe A lá da longínqua década de 80, que passava no SBT. Confesso que fiquei em choque quando descobri isso. Se não me dissessem, jamais perceberia.

Obsessão em salvar uma tripulação…

Assim, “Pathfinfder” é um grande episódio de “Jornada nas Estrelas Voyager”, pelo crossover com “Nova Geração” e pelo bom uso do personagem Barclay num ponto chave da série, valorizando o outsider que é visto como contraproducente e como alívio cômico, onde seus aparentes defeitos acabam se revelando virtudes. Vale muito a pena revisitar esse episódio.

Batata Literária – Passos da Vida

Primeiro, uma luz

Frio, dor, choro…

E logo, algo quente e gostoso

Não me lembro o que aconteceu logo depois

Só palavras vagas, com muito carinho

Depois, as brincadeiras

As primeiras sensações

Risos do fundo do corredor e sofás destruídos

 

Aí, veio a mudança

A rua de barro ficava para trás

Agora, era o apartamento e a praia

Tinha o tal do cinema, também

O macaco gigante e naves espaciais

Destruindo a Estrela da Morte

As saídas às escondidas

E o medo do retorno

 

Mas aí, viria a tal da escola

A obrigação batendo à porta

A descoberta das letras

A descoberta, pelo amigo, da História

E as professoras afetuosas

Tias sem fazer parte da família

Era, ao mesmo tempo, chato e legal

A liberdade imediata restrita

 

Em busca de uma liberdade maior no futuro…

 

Os estudos continuavam

Ginásio, outra escola, de frente para o mar

Mas eu só via as pastilhas da parede do prédio

As paixões começavam a ficar mais ardentes

Só que a timidez sempre estragava tudo

E assim foi no Segundo Grau

Outra escola, mais paixões

Só o conhecimento aplacava minhas tensões

 

Veio as Universidades!

Muitos anos! Muitos anos!

Um nível mais alto!

Perdido e decepcionado!

Mas, pouco a pouco, enquadrado!

Saio de uma, vem a pós-graduação…

Anos de agonia, mas de conquista

E volto para uma segunda graduação

 

Lá, muito aproveitei

E, volta e meia, também chorei…

Ilusão com as pessoas

Que, às vezes, são muito bobas…

E sofrem, também…

Ah! Que eu saia disso!

No fim, a mãe doente

Prenúncio de uma violenta torrente

 

Veio mais alguma decepção

Mas veio uma pessoa

Que me ensinou a direção

Tomei de vez as rédeas da vida

E fiz a mim mesmo

Hoje, tento levar o que sei

A quem ainda começa

Poucos entendem o motivo

 

E se entediam à beça…

 

Pelo menos, o cinema voltou…

E, minha vida, mais uma vez motivou…

Sigo adiante até não haver mais doravante…

Batata Movies (Especial Festival Do Rio 2018) – A Névoa Verde. Uma Colcha De Retalhos Em Busca De Significados.

Cartaz do Filme

Dando sequência às análises de alguns filmes do Festival do Rio 2018, falemos hoje de “A Névoa Verde”, de Guy Maddin, Evan Johnson e Galen Johnson. Taí um filme que podemos chamar de angustiante, pela força de sua montagem. A ideia é criar uma película com fragmentos de muitos filmes, devidamente montados para se buscar algum significado. O pano de fundo é a cidade de São Francisco e uma estranha névoa que paira sobre ela. Alguns acham que o filme foi concebido de forma a homenagear “Vertigo” (“Um Corpo Que Cai”), de Hitchcock.

Uma névoa verde tomando tudo…

Mas, a meu ver, “Vertigo” é somente um dos muitos filmes homenageados aqui. O clima de suspense realmente paira no ar. Muitos trechos de filmes policiais ajudam a montar o conjunto inspirado em thriller. Mas a montagem também pode adquirir contornos altamente surreais, como os diálogos altamente truncados entre atores, que mais parecem uma mordaça na atuação, tornando a coisa muito tensa. Pouquíssimas falas são inseridas no filme, volta e meia com um quê de ironia.

Um clima de suspense…

Às vezes, faz-se um agregado de imagens que trabalham o mesmo tema (carros andando na rua, o mar de São Francisco e sua famosa ponte, pessoas caindo a la “Vertigo”, etc.). Realmente é complicado para o espectador encontrar uma estrutura narrativa coesa que se espelhe no filme. O que mais parece é uma sucessão de temas e ideias que mais parecem uma coleção de easter eggs. Ou referências. A coisa deixa de ser narrativa e parece mais poética, sensorial até.

Lindas estéticas, do preto e branco…

Uma coisa interessante está mais ao final, quando vemos de uma forma bem rápida, praticamente subliminar, os títulos de todos os filmes envolvidos na produção. Tem muita coisa de várias épocas diferentes. Os trechos de alguns títulos são perfeitamente identificáveis no transcorrer da exibição, mas outros títulos realmente se mostram como uma grande surpresa ao final.

… ao colorido…

O que podemos mais dizer? Para o cinéfilo, é uma experiência boa ver o filme, já que podemos testemunhar trechos de muitas obras cinematográficas espalhadas ao longo do tempo, o que nos faz passear por muitas estéticas, do preto e branco ao colorido. Mas o filme também foge do convencional da estrutura narrativa clássica, onde a nossa relação com as imagens é mais livre e direta, e podemos nos relacionar com o materialismo das imagens de uma forma bem mais criativa. Ou seja, essa estrutura “sem estrutura” nos permite fazer uma leitura muito mais subjetiva, criando diferentes afetividades com o que é visto.

A queda. Relação temática e livre com as imagens…

Dessa forma, “A Névoa Verde” é mais uma curiosidade com a qual nos deparamos no Festival do Rio 2018. Uma experiência sensorial pouco convencional que nos torna mais íntimos das imagens, pois elas estão mais vinculadas à referências do que a uma estrutura narrativa coesa e tradicional. Vale a pena dar uma garimpada nesse também.

Batata Movies (Especial Festival do Rio 2018) – Os Olhos De Orson Welles. O Desenhista Por Trás Do Cineasta.

Cartaz do Filme

O Festival do Rio 2018 foi de 1 a 11 de novembro, com cerca de 200 títulos. Ou seja, mais uma encolhida no Festival, que tem se mostrado cada vez mais combalido nos últimos anos. E, infelizmente para mim, não tive a oportunidade de ver filmes que realmente me interessavam pela questão do tempo e do trabalho. Pelo menos consegui assistir a “Os Olhos de Orson Welles”, esse sim um assunto que me chama a atenção, e é com ele que vou abrir a pequena série de análises dos filmes do Festival. Eu me considero até vitorioso por ter assistido a película, já que sua exibição teve uma série de problemas técnicos (filme que travava, legenda eletrônica que sumia e voltava, etc.).

Um homem multimídia para seu tempo…

Mas, do que se trata esse valioso documentário? O diretor Mark Cousins, narrando em primeira pessoa, procurou esboçar um pouco da trajetória de Orson Welles a partir de um grande achado: centenas de pinturas e desenhos pessoais do cineasta. Dialogando com a contribuição de Welles às artes plásticas, Cousins estabelece meio que um diálogo com essa incrível personalidade do século XX, onde muitas cenas de seus filmes ou imagens de arquivo também foram utilizadas. Pudemos ver ali detalhes da juventude de Welles, um pouco da história de sua mãe, uma ativista avançada para o seu tempo e que morreu quando o cineasta tinha apenas nove anos, seus amores, as mágoas que passou quando entrava em conflito com o sistema, etc.

O diretor Mark Cousins

O documentário também dialoga com suas produções cinematográficas, mostrando para o público toda a importância delas. E claro, conhecemos muitos detalhes do que Welles pensava sobre as coisas do mundo e de sua vida pessoal, onde alguns desenhos têm um tom intimista altíssimo, sobretudo na sua relação com as mulheres que amava. Há, inclusive, um trecho do documentário onde Cousins imagina uma suposta resposta de Welles ao próprio Cousins sobre as questões que são levantadas ao longo do documentário.

Beatrice Welles, a filha…

Um elemento que legitima demais tudo o que é apresentado no filme é a presença de Beatrice Welles, filha do cineasta, que é entrevistada e atua como uma espécie de consultora, dando acesso à sua coleção particular sobre o pai, onde podemos ver ainda mais pinturas e desenhos. Outro detalhe interessante é que Cousins tem a preocupação de retornar a locais que tiveram uma importância para Welles, com o intuito de mostrá-los como estão hoje. Em alguns casos, tudo continua como estava, mas em outros, tudo que lá existia já foi apagado.

Alguns de seus desenhos eram pequenas obras de arte…

O que mais chama a atenção nesse filme? É uma coisa que todo fã de cinema já está careca de saber, mas nunca é demais lembrar: Welles era uma força criativa em estado bruto, no sentido de que ele era muito producente e, simultaneamente revolucionário, seja quando produz um Macbeth somente com atores negros para o teatro, seja na sua estética expressionista em “Cidadão Kane”, seja no plano sequência memorável de “A Marca da Maldade”, seja nos ângulos de câmara de baixo para cima que tornavam gigante o protagonista. Podemos dizer que Welles era um homem multimídia de seu tempo, sempre se arriscando e experimentando, falando o que pensava e se engajando socialmente, o que despertava o ódio de pessoas muito importantes, onde William Randolph Hearst foi o maior paradigma.

… mas havia, também, espaço para Caco, o Sapo…

Assim, “Os Olhos de Orson Welles” é um grande documentário que foi exibido no Festival do Rio 2018, pois ajudou a gente a revisitar esse personagem e grande figura multimídia do século XX que foi Orson Welles, através de seus desenhos e pinturas, desconhecidos da maioria das pessoas. Vale a pena dar uma garimpada atrás desse.