Batata Movies – A Outra História Do Mundo. Ressignificações.

Cartaz do Filme

Um curioso filme, que é uma co-produção Uruguai/Argentina/Brasil passou em pouquíssimas telonas por aqui. “A Outra História do Mundo”, de Guillermo Casanova, é um filme que fala de resistência na ressignificação. Um filme onde a imaginação e a criatividade são usadas como armas contra o autoritarismo e a truculência.

Esnal. Sentimento de culpa pela prisão do amigo

O cenário é uma cidadezinha do interior do Uruguai sob a ditadura militar. Um coronel de nome Valerio (interpretado por Néstor Guzzini) faz as vezes da presença opressora do Estado sobre seus habitantes e ordena que os bares sejam fechados às dez da noite. Dois amigos, Esnal (interpretado pelo bom ator César Troncoso) e Striga (interpretado por Roberto Suárez) decidem fazer uma troça com o coronel e roubam os anões de jardim de sua casa. O problema é que Striga é capturado e desaparece nos porões da ditadura, o que deixa Esnal com uma pesada crise de consciência e ele fica recluso no seu quarto por muito tempo. As filhas de Striga decidem tentar trazer Esnal de volta a vida quando a mãe delas põe a casa à venda e vai embora. Esnal, depois do chamado da bela Beatriz Striga (interpretada por Natalia Mikeliunas) sai de sua auto reclusão e decide levar à frente uma nova estratégia de luta: ele propõe ao coronel dar aulas de História Antiga para a comunidade local. Só que as aulas serão uma alegoria da ditadura em que vivem, com Striga sendo o grande personagem histórico que luta contra o autoritarismo.

Boas lembranças do amigo Striga…

O filme é muito divertido, principalmente pela forma inteligente com que Esnal, nas barbas de todo mundo, distorce os fatos de um passado distante, usando muita lábia e uma forma inovadora de trabalhar com o retroprojetor, onde ele faz uma espécie de “animação” com fotografias impressas em transparências, no intuito de “reconstituir” as heroicas batalhas do passado, onde seu amigo Striga está lá como o grande personagem. O filme também lança o artifício do teatro de sombras enquanto o “professor” Esnal entretém seus alunos (aqui, devo confessar que me lembrei muito das sombras usadas no cinema expressionista alemão, o que deu um tom muito solene para a película). Toda essa forma criativa de se combater a ignorância da ditadura dá um tom deliciosamente lúdico para o filme e é sua grande atração.

Um coronel que controla a cidade com mão de ferro…

Quanto ao elenco, devemos dar todo um destaque especial a César Troncoso, que já trabalhou por aqui em “O Vendedor de Sonhos”. Sua presença é muito carismática, sobretudo como o grande contador de histórias que seu professor de História foi. Mas ele também impressiona nos momentos de reclusão de seu personagem Esnal, onde ele mostrou um desespero latente e uma insanidade grotesca, ao brigar com os anões de jardim do coronel que lhe faziam companhia no quarto. Néstor Guzzini também chama atenção por seu coronel Valerio, espelhando bem o lado ridículo e truculento do autoritarismo. Aliás, Guzzini já havia feito uma boa atuação em “Sr. Kaplan”. Só é uma pena que Roberto Suárez tenha aparecido pouco como Striga, mas foi bem quando esteve na tela. Ainda tivemos a participação de nosso ator Claudio Jaborandy fazendo um papel mais secundário de dono de bar.

O filme tem um alto tom lúdico…

Assim, “A Outra História do Mundo” é uma joia do cinema do Uruguai (lembrando sempre que Argentina e Brasil estão em co-produção) que merece toda a atenção dos cinéfilos. Só é uma pena que nossa rede de cinemas não seja suficientemente grande para exibir esse filme em mais salas; De qualquer forma, existem hoje outros meios para se ver tal película. Vale muito a pena dar uma conferida.

 

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Voyager (Temporada 6, Episódio 8). Um Pequeno Passo. Sacrifícios Pela Memória.

A Ares IV em órbita de Marte em 2032…

Dando sequência às nossas análises de episódios da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”, vamos hoje falar do oitavo episódio, “Um Pequeno Passo”. Podemos dizer que se trata de outro caso de interação entre uma boa história de ficção científica e uma valorização da História e da Memória, o que, na minha modesta opinião, são dois ingredientes que levam a um bom roteiro, mostrando que “Voyager” produziu bons episódios nas temporadas mais próximas do fim, e é um prazer muito grande assisti-los.

O astronauta John Kelly. Luta para deixar informações da missão para a posteridade…

Mas, no que consiste a história? A Voyager encontra uma anomalia espacial, uma elipse de grávitons, uma espécie de corpo massivo que deixa o subespaço e viaja temporariamente no espaço conhecido, voltando novamente para o subespaço. Essa elipse de grávitons é semelhante a que provocou o desaparecimento da nave Ares IV e de seu astronauta John Kelly numa missão tripulada a Marte em 2032 (foi a primeira vez que os humanos tiveram um contato com uma anomalia espacial). Assim, a tripulação da Voyager decide estudar a anomalia e até enviar a Delta Flyer para lá, para espanto de Sete de Nove, que vê um grande perigo nessa missão aparentemente desnecessária. Chakotay e Paris, deslumbrados com a chance de encontrar a antiga nave de 2032, se voluntariam e Janeway sugere à contrariada Sete de Nove fazer parte da missão. Enquanto estão no núcleo da elipse, que é calmo como o olho de um furacão, os tripulantes da Delta Flyer encontram a Ares IV. Mas um asteroide de matéria escura vai de encontro à elipse e a nave precisa sair às pressas de lá. Chakotay, desrespeitando todas as recomendações, tenta levar a Ares IV com o raio trator, mas a Delta Flyer não consegue escapar a tempo da colisão do asteroide, impossibilitando a nave auxiliar e ainda sofrendo uma descarga de plasma, o que deixa Sete de Nove irritadíssima. Para piorar a situação, a elipse voltará ao subespaço em poucas horas.

Uma elipse de grávitons…

A solução será usar a Ares IV e seu conversor de energia para tirá-los de lá. Sete de Nove é designada por Chakotay para pegar o conversor de energia de Ares IV e tentar coletar o máximo possível de registros da nave. Ainda muito contrariada, Sete de Nove vai para a Ares IV e encontra o cadáver mumificado de John Kelly, assim como seus últimos registros, onde o astronauta fazia de tudo para deixar o máximo de informação possível sobre sua experiência, algo que comoveu, e muito, Sete de Nove. Assim, a borg coleta os dados do astronauta morto e pede que Paris teletransporte ela e o corpo de Kelly. O episódio termina com uma cerimônia de lançamento do corpo de Kelly ao espaço (como fizeram com Spock em “Jornada nas Estrelas II, A Ira de Khan”) e com Sete de Nove dizendo lindas palavras em homenagem ao astronauta morto, compreendendo finalmente todo o sentido humano da exploração espacial e de como os predecessores e pioneiros dessa exploração são importantes para as gerações futuras.

Delta Flyer tenta, sem sucesso, rebocar a Ares IV…

Bonita história, não? Essa foi de arrepiar. A ideia da elipse gravimétrica que trafega pelo subespaço (um dispositivo da ficção científica) foi interessante para ligar corações e mentes do passado do século 21 e do presente do século 24 e fazer a ponte histórica e afetiva em torno da ideologia da exploração espacial como virtude humana. Mesmo que perseguir uma distorção gravimétrica seja algo extremamente perigoso, vale o risco de se realizar os esforços de recuperação da memória e do passado. Obviamente, o impulso emocional se faz mais presente que o impulso racional aqui, pois você corre atrás de uma anomalia e da antiga nave mais por uma questão afetiva que lógica, embora também haja lógica nesse processo, que é o de se ter acesso a fontes históricas que ajudem a reconstituir o passado factual.

Sete de Nove “conhece” John Kelly e o verdadeiro sentido da exploração espacial…

O único problema aqui foi a incompreensão de Sete de Nove, que faz parte de uma espécie que assimila culturas mas não as vivencia, tratando-as apenas como bancos de dados. Daí a sua revolta profunda com o comportamento obcecado de Chakotay (nunca vi a Sete de Nove com tanta raiva) que, convenhamos, também extrapolou. Mas o grande momento desse episódio foi, com certeza, a presença de Sete de Nove na Ares IV, testemunhando todos os esforços de John Kelly para coletar o máximo de informações possíveis, com o objetivo de deixá-las à posteridade. Ali, Sete de Nove sentiu na pele o que era ser humano, pois ela via não somente a preservação da memória como o dom humano lógico pela busca do conhecimento, mas também da memória como elemento afetivo, onde o astronauta, por exemplo, coletava os dados com a foto de sua esposa e sua filha sempre por perto. Ligando essas peças, no campo da lógica da pesquisa científica e no campo da afetividade da memória, Sete de Nove entende (ou volta a entender), em seu íntimo o que é ser humano.

Sete de Nove no funeral de John Kelly. Linda homenagem…

Dessa forma, “Um Pequeno Passo” é um grande episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”, sobretudo porque se analisa o humano tanto do ponto de vista racional quanto do afetivo, não sendo visto isso como algo mutuamente excludente ou dicotômico, mas sim como duas coisas que se complementam. Vale a pena revisitar.

 

Batata Literária – Fadas Coloridas Num Campo De Flores

Ô vermelha!

Peraí!

Você tá muito rápida!

Ah, não me enche, azulzinha!

Você é café-com-leite!

Sempre chorosa!

Olha só a verde!

Tá muito mais rápida do que a gente!

 

Ô amarela!

O que é?

Sai daí das margaridas!

A gente nem te vê!

Ah, é que aqui tem menos abelhas!

Dá para catar o pólen sem aquele “bzzz” no ouvido

Vem logo com a gente!

Já vou, já vou!

 

Ai, meu Deus, a laranja sempre nas frutas cítricas!

Deixa de ser implicante, vermelha!

Não enche o saco, verde!

Ihhh, briga de verde e vermelho se chama daltonismo

Muito engraçado, azulzinha!

Já estamos chegando?

Já, azul-bebê café-com-leite!

Não implica com a caçula!

 

Opa! Chegamos!

Caramba! Quantas cores!

Esse campo florido é mesmo uma beleza!

Pólens de todos os tipos, cheiros e sabores!

Vamos lá meninas, ao trabalho!

Mas tenham cuidado para não se perderem

A gente se camufla nessas cores todas!

Pode deixar, ô vermelha rabugenta!

 

Ufa! Conseguimos!

Temos pólen para um mês!

Olha esse azul turquesa! Que lindo!

Ah, eu prefiro o vermelho-sangue

O verde sempre tem uma aparência mais ecológica!

Poxa, não vi nenhuma flor de maracujá! Estou tão estressada!

Chega de papo, dondocas! Vamos para casa!

Yes, Sir!

 

Como está a produção de bombas de essências de amor?

Tá indo de vento em popa, vermelha!

Que bom! A gente precisa terminar rápido!

Vem guerra por aí?

Sim, verde! Mais uma no Oriente Médio!

Que saco! Esses caras só querem saber de briga!

É que transferiram a capital

Só para provocar, né?

 

E há mais algum lugar?

Tem um país lá na Ásia, também

A coisa tá complicada lá?

Muito! Lá, a gente vai ter que usar as bombas nível 13

As bombas para guerra severa?

Isso mesmo! O governante lá é muito doido!

Tá matando geral?

Tá matando geral! A gente tem que acabar com isso!

 

E tem mais algum lugar?

Ahhh, tem sim! Pode crer!

E onde é?

Tá vendo aquele país cheio de árvores lá?

Ihhh, aquele de novo?

Pois é! O de gente sem noção total!

Caramba, vermelha! Acho que a gente vai ter que triplicar o estoque de pólen!

Fazer o que, né?

Batata Movies – O Doutrinador. Um Herói Brasileiro

Cartaz do Filme

Um bom filme brasileiro. “O Doutrinador” alia duas virtudes: a de se fazer uma história dentro de nossa realidade, mas com uma pegada típica de filme de super-herói da Marvel ou da DC um tanto hard core, já que há muito sangue em toda a película. Essa história, baseada no HQ de Luciano Cunha e dirigida por Gustavo Bonafé, parece também ser um grito coletivo de uma sociedade que já está exausta com a própria corrupção que produz. E aí, temos a catarse de expurgar, de forma muito violenta, todos os demônios que acometem essa mesma sociedade, para lá de combalida. O Doutrinador é uma espécie de produto de uma cultura de ódio que há muito tempo está em gestação.

Miguel, um policial que perde a filha…

Vemos aqui a história do policial Miguel (interpretado pot Kiko Pissolato), que pertence a um grupo de elite da polícia que faz busca e apreensão de políticos corruptos, mas também cumpre ações de despejo contra sem tetos. Enquanto que Miguel vê com bons olhos as ações contra políticos corruptos, ao mesmo tempo ele se inconforma com as ações policiais contra os menos favorecidos. Qual é o papel da polícia, afinal? Mas a vida de Miguel irá desmoronar quando sua filha é atingida por uma bala perdida à caminho do estádio para assistir a um jogo da Seleção Brasileira. Ela acaba morrendo por falta de atendimento no hospital, fruto da… corrupção. É nessa hora que o homem se revolta e participa de uma manifestação contra o governador do Estado, envolvido em vários ilícitos e saindo livre, leve e solto por determinação da justiça (você já viu essa história antes?). Surgirá então o Doutrinador, que esconde seu rosto atrás de uma máscara de oxigênio, depois que ele fica sob uma nuvem de gás lacrimogênio. E aí, com seu treinamento policial, ele mete a porrada em todo mundo com golpes coreográficos de artes marciais, sem falar que ele é muito certeiro com as armas de fogo, ao status de um bom sniper. Com todos esses ingredientes, nosso protagonista caça seus algozes de uma forma regada à extrema violência e com cara de Darth Vader de olhos vermelhos. Brincadeiras à parte, o visual ficou sinistraço e convence muito. É claro que Miguel não conseguirá fazer tudo sozinho nessa empreitada de combater o mal e a corrupção. Ele terá a ajuda de Nina (interpretada por Tainá Medina), uma hacker que abrirá ao nosso herói todas as portas para caçar os políticos do mal, que são verdadeiras alusões a todas as bandalheiras que estão por aí em vários setores.

… se transforma num caçador implacável de corruptos!!!

É um filme que ajuda a gente a aliviar nossa raiva e sentimento de impotência de como o país está indo ladeira abaixo para um estado de convulsão total. A gente sente um certo prazer sádico ao ver todos aqueles políticos corruptos tendo a cabeça estourada (sim, a violência chega a esse nível). Mas fica o espaço para um questionamento: o grande herói do filme é um… policial. Cá para nós, as forças policiais também não têm sido bem vistas em virtude de toda a guerra urbana que passamos e os chamados “autos de resistência”.

Colarinho branco na alça de mira…

Por isso mesmo, a construção do personagem teve que ser muito cuidadosa e detalhada. Miguel é um policial que caça corruptos, mas ao mesmo tempo se comove com os problemas sociais e ele mesmo foi vítima desses problemas ao ter a filha morta por uma bala perdida e por falta de atendimento no hospital. Essa foi uma boa saída para dar “superpoderes” ao nosso herói, pois ele usa o treinamento de sua força policial especial para atacar os políticos do mal, algo que seria impossível se ele fosse uma pessoa normal do povo.

Contando com a ajuda de uma hacker…

O desfecho do filme também foi bem apoteótico (embora eu não vá me alargar aqui sobre isso), hollywoodiano até. E parece que não há a intenção do projeto ficar somente nesse filme. Fique de olho numa cena pós-crédito que irá aparecer.

Capa da HQ

Assim, “O Doutrinador” é uma curiosa experiência de nosso cinema, onde temos a temática dos filmes de super-herói, ao bom estilo da Marvel ou da DC, com uma violência mais turbinada e muito bem encaixada com nossa realidade nacional, que tem parecido muito mais distópica do que qualquer produção de franquia de HQs. Que esse projeto possa ainda render mais bons frutos, pois ele parece ter muito fôlego e disposição para isso. Um programa imperdível para quem gosta de ação, suspense e muita violência, numa temática 100% nacional.

Batata Movies – Bohemian Rhapsody. De Arrepiar.

Cartaz do Filme

E temos o tão esperado “Bohemian Rhapsody”, o filme sobre Freddie Mercury e o grupo Queen. Caramba, o que dá para falar aqui? Em primeiro lugar, quero pedir ao leitor para colocar toda essa resenha sob suspeita, pois eu sou um declarado e ardoroso fã do Queen. Se os Beatles e os Rolling Stones para muitos são considerados os dois maiores grupos de rock de todos os tempos, creio que, para quem vivenciou mais a década de 80, o Queen tem esse gabarito e, para minha pessoa (com todo respeito a outras opiniões, obviamente), o Queen é o maior grupo de rock de todos os tempos. Logo, será muito difícil fazer uma análise distanciada e não tendenciosa dessa película, mas vamos fazer um esforço. Desde já, peço perdão se não conseguir.

Rami Malek, um ótimo Freddie Mercury

Inicialmente, vamos falar do filme muito por alto. Esse é mais um filme de Mercury do que do Queen. Talvez fosse melhor se tivéssemos uma película que desse igual peso para os quatro integrantes da banda. Mas quando você vê os nomes de Brian May e Roger Taylor como produtores musicais executivos do filme, a gente sente que eles quiseram dar uma justa homenagem ao vocalista e, principalmente, amigo, morto pela AIDS em 1991. De qualquer forma, um destaque maior para John Deacon, por exemplo, não faria mal a ninguém.

Uma ótima caracterização do Queen

Uma outra coisa que incomodou um pouco foi o fato de não se seguir a cronologia correta da carreira da banda. Assim, vemos coisas que aconteceram em 1985 sendo citadas antes de 1980, por exemplo. E a gente precisa se adaptar um pouco a isso no transcorrer da exibição. Logo, ficava a dúvida de qual evento acontecia antes ou depois de outro. Assim, a gente precisa enxergar mais o filme como uma sucessão de temas abordados e inter-relacionados onde duas situações distantes no tempo podem ter sido colocadas lado a lado para reforçar o que era abordado.

Início de carreira…

Mais outro problema (e aí podem colocar na conta da histeria de fã mesmo) foi o fato de que a música de Roger Taylor, “I’m in Love With my Car” ter sido mencionada em tom de piada e de troça. Mesmo que ela tenha sido colocada em pé de comparação com “Bohemian Rhapsody” (o que realmente é impossível de se fazer), não ficou de bom tom zoar a música, que também é muito bonita. Creio que, se foi colocada a piada em cima da música, pelo menos ela poderia ter sido executada num dos shows mostrados no filme para que as pessoas pudessem ter contato com ela e tirarem suas próprias conclusões. Outra música que eu esperava muito que aparecesse no filme era “Death on Two Legs”, que critica severamente os Midas da indústria fonográfica da época. A gente vê essa situação de conflito no filme, todo o terreno preparado para a execução de “Death on Two Legs” e… nada. Foi um desperdício de oportunidade.

Um Mike Myers irreconhecível…

Disseram por aí que o homossexualismo de Mercury ficou um pouco acobertado no filme. Não foi essa a minha impressão. O assunto foi abordado de forma respeitosa, sem entrar nos altos escândalos e orgias que se diziam que o vocalista do Queen praticava. Sei não, me pareceu que essa necessidade de se escancarar a vida de Mercury, bem ao estilo “biografia não autorizada” fica meio na conta daqueles que querem dissecar a vida de celebridades para ter materiais para publicar em tabloides de fofoca. Aliás, essa crítica a um comportamento mais perverso da mídia fica muito evidente no filme.

Love of my life…

Até agora, eu falei mais dos problemas do filme, ficou até parecendo que a película foi uma porcaria. Mas vamos agora entrar nas virtudes. Em primeiro lugar, Rami Malek. Quando vi o trailer, confesso que esperava coisa melhor para Mercury. Ele parecia um cara artificialmente caracterizado na maquiagem para dar mais impacto. Só que aí ele aparece no remake de “Papillon”, deixando muita boa impressão em sua atuação. E esse é o grande trunfo de Malek. O cara tem muito talento e força de atuação. Ele consegue superar sua não semelhança e caracterização artificial da maquiagem para incorporar Mercury em sua atuação de uma forma muito impressionante. A gente compra o Mercury de Malek sem medo. Parece até que o cara ressuscitou. E não falo da performance nos shows, onde isso é mais evidente, e sim no momento em que ele não canta e interage com as demais pessoas. Outra coisa que faz o filme ser muito bom é a interação dos membros do grupo, para o bem e para o mal. Não se teve medo de mostrar os desentendimentos e brigas, onde até as vias de fato chegaram a acontecer, além de se desvelar a natureza “esquentadinha” de Taylor (o que magoa um pouco minha pessoa, pois sou muito fã de Taylor, interpretado por Ben Hardy). Dentre os integrantes do Queen, o que mais se parecia fisicamente era Brian May (interpretado por Gwilym Lee). Já John Deacon (interpretado por Joseph Mazzello) foi bem retratado em sua serenidade. Uma coisa que chamou muito a atenção foi um Mike Myers irreconhecível fazendo o papel de Ray Foster, um dos Midas da indústria fonográfica com o qual o Queen se desentendeu. No mais, o filme é muito divertido em referências. É claro que as músicas do grupo eram vistas com muito carinho e celebradas. Mas era muito mais saboroso quando músicas menos conhecidas (ou, talvez, menos executadas) do grupo apareciam, nem que fosse uma referência, casos, por exemplo, de “Doing All Right”, “Lazing on the Sunday Afternoon” (cantarolada por Mercury) ou “Seven Seas of Rhye” Pena que não apareceu muita coisa do LP Queen II, e isso até podia ter acontecido, pois o experimentalismo da banda foi bem explorado em uma certa altura da película. Referências divertidas também aparecem, como as meninas que pedalavam bicicletas numa das festas de Freddie (as “Fat Bottomed Girls” em sua “Bicycle Race” do LP “Jazz”), ou então o caminhão com um enorme “Mack” em seu capô (Mack foi produtor de álbuns do Queen). Outra coisa que torna o filme grandioso é a opção por não se fazer uma choradeira com a AIDS de Mercury. Sim, ela aparece no filme, mas não se foca no sofrimento do cantor como se poderia esperar nesse caso. Esse é um filme de momentos tristes, mas não trágicos. E um filme onde brigas podem ser resolvidas com reconciliações, seja na banda, seja na própria família de Freddie, muito bem espelhada em sua origem outsider, o que dá mais credibilidade a todo o conjunto.

Embates com a imprensa…

No que mais o filme foi bom? Porra, foi um filme do Queen, cacete! A gente cantava as músicas, estava com nossos ídolos em sua trajetória de vida, vimos seus altos e baixos. A empatia e afinidade com os personagens reais do filme parecia ter cinquenta milhões de anos!!! O que vocês mais querem que eu diga???

No Live Aid…

Bom, querido leitor, espero ter dado a você uma análise a mais isenta possível (creio que foi algo impossível, principalmente depois do parágrafo acima). Só posso dizer que fui às lágrimas em muitas partes do filme, sobretudo ao seu final, e junto com os fãs do estádio. Fiz questão de puxar as palmas ao fim da sessão que assistia, no que fui prontamente atendido pelo público. O filme é do caralho (olha só o tamanho da resenha que deu!), não deixem de ver. E não deixem de ver, depois do trailer abaixo, as duas músicas que tinham que estar no filme, “I´m In Love With My Car” e “Death On Two Legs”.