Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Voyager (Temporada 6, Episódio 8). Um Pequeno Passo. Sacrifícios Pela Memória.

A Ares IV em órbita de Marte em 2032…

Dando sequência às nossas análises de episódios da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”, vamos hoje falar do oitavo episódio, “Um Pequeno Passo”. Podemos dizer que se trata de outro caso de interação entre uma boa história de ficção científica e uma valorização da História e da Memória, o que, na minha modesta opinião, são dois ingredientes que levam a um bom roteiro, mostrando que “Voyager” produziu bons episódios nas temporadas mais próximas do fim, e é um prazer muito grande assisti-los.

O astronauta John Kelly. Luta para deixar informações da missão para a posteridade…

Mas, no que consiste a história? A Voyager encontra uma anomalia espacial, uma elipse de grávitons, uma espécie de corpo massivo que deixa o subespaço e viaja temporariamente no espaço conhecido, voltando novamente para o subespaço. Essa elipse de grávitons é semelhante a que provocou o desaparecimento da nave Ares IV e de seu astronauta John Kelly numa missão tripulada a Marte em 2032 (foi a primeira vez que os humanos tiveram um contato com uma anomalia espacial). Assim, a tripulação da Voyager decide estudar a anomalia e até enviar a Delta Flyer para lá, para espanto de Sete de Nove, que vê um grande perigo nessa missão aparentemente desnecessária. Chakotay e Paris, deslumbrados com a chance de encontrar a antiga nave de 2032, se voluntariam e Janeway sugere à contrariada Sete de Nove fazer parte da missão. Enquanto estão no núcleo da elipse, que é calmo como o olho de um furacão, os tripulantes da Delta Flyer encontram a Ares IV. Mas um asteroide de matéria escura vai de encontro à elipse e a nave precisa sair às pressas de lá. Chakotay, desrespeitando todas as recomendações, tenta levar a Ares IV com o raio trator, mas a Delta Flyer não consegue escapar a tempo da colisão do asteroide, impossibilitando a nave auxiliar e ainda sofrendo uma descarga de plasma, o que deixa Sete de Nove irritadíssima. Para piorar a situação, a elipse voltará ao subespaço em poucas horas.

Uma elipse de grávitons…

A solução será usar a Ares IV e seu conversor de energia para tirá-los de lá. Sete de Nove é designada por Chakotay para pegar o conversor de energia de Ares IV e tentar coletar o máximo possível de registros da nave. Ainda muito contrariada, Sete de Nove vai para a Ares IV e encontra o cadáver mumificado de John Kelly, assim como seus últimos registros, onde o astronauta fazia de tudo para deixar o máximo de informação possível sobre sua experiência, algo que comoveu, e muito, Sete de Nove. Assim, a borg coleta os dados do astronauta morto e pede que Paris teletransporte ela e o corpo de Kelly. O episódio termina com uma cerimônia de lançamento do corpo de Kelly ao espaço (como fizeram com Spock em “Jornada nas Estrelas II, A Ira de Khan”) e com Sete de Nove dizendo lindas palavras em homenagem ao astronauta morto, compreendendo finalmente todo o sentido humano da exploração espacial e de como os predecessores e pioneiros dessa exploração são importantes para as gerações futuras.

Delta Flyer tenta, sem sucesso, rebocar a Ares IV…

Bonita história, não? Essa foi de arrepiar. A ideia da elipse gravimétrica que trafega pelo subespaço (um dispositivo da ficção científica) foi interessante para ligar corações e mentes do passado do século 21 e do presente do século 24 e fazer a ponte histórica e afetiva em torno da ideologia da exploração espacial como virtude humana. Mesmo que perseguir uma distorção gravimétrica seja algo extremamente perigoso, vale o risco de se realizar os esforços de recuperação da memória e do passado. Obviamente, o impulso emocional se faz mais presente que o impulso racional aqui, pois você corre atrás de uma anomalia e da antiga nave mais por uma questão afetiva que lógica, embora também haja lógica nesse processo, que é o de se ter acesso a fontes históricas que ajudem a reconstituir o passado factual.

Sete de Nove “conhece” John Kelly e o verdadeiro sentido da exploração espacial…

O único problema aqui foi a incompreensão de Sete de Nove, que faz parte de uma espécie que assimila culturas mas não as vivencia, tratando-as apenas como bancos de dados. Daí a sua revolta profunda com o comportamento obcecado de Chakotay (nunca vi a Sete de Nove com tanta raiva) que, convenhamos, também extrapolou. Mas o grande momento desse episódio foi, com certeza, a presença de Sete de Nove na Ares IV, testemunhando todos os esforços de John Kelly para coletar o máximo de informações possíveis, com o objetivo de deixá-las à posteridade. Ali, Sete de Nove sentiu na pele o que era ser humano, pois ela via não somente a preservação da memória como o dom humano lógico pela busca do conhecimento, mas também da memória como elemento afetivo, onde o astronauta, por exemplo, coletava os dados com a foto de sua esposa e sua filha sempre por perto. Ligando essas peças, no campo da lógica da pesquisa científica e no campo da afetividade da memória, Sete de Nove entende (ou volta a entender), em seu íntimo o que é ser humano.

Sete de Nove no funeral de John Kelly. Linda homenagem…

Dessa forma, “Um Pequeno Passo” é um grande episódio da sexta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager”, sobretudo porque se analisa o humano tanto do ponto de vista racional quanto do afetivo, não sendo visto isso como algo mutuamente excludente ou dicotômico, mas sim como duas coisas que se complementam. Vale a pena revisitar.

 

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