Uma curiosa co-produção Portugal/França/Brasil. “Diamantino” é uma comédia cheia de lances inusitados e, por que não dizer, até surreais. O detalhe é que ele pega vários elementos da sociedade atual, sendo uma espécie de colcha de retalhos do que há por aí, o que deixa a história um tanto familiar para nós. O inusitado reside justamente no fato de como essas peças de realidade são coladas. Para a gente explicar melhor isso, precisamos de alguns spoilers.
Vamos dar o plot. Temos aqui a trajetória de Diamantino (interpretado por Carloto Cotta) é um grande ídolo do futebol português, mais parecendo um Cristiano Ronaldo genérico (é impressionante como o ator foi posto parecido com o verdadeiro craque do futebol no filme). O problema é que Diamantino perdeu o pênalti na final da Copa do Mundo, o que fez com que Portugal perdesse o título e todo o país culpasse o jogador por causa disso, como sempre acontece. O resultado é que Diamantino mergulhou num estado depressivo e tomou como meta de vida adotar um refugiado. Ele acabará fazendo isso e adotará um adolescente de origem muçulmana. Mal sabe ele que o adolescente é, na verdade, uma mulher disfarçada, Aisha (interpretada por Cléo Tavares), uma agente do governo que investiga crimes de corrupção e sonegação de impostos. Aisha tem sua cabeça mergulhada no senso comum com relação aos jogadores de futebol: ela acha que todos não prestam e que a adoção é uma espécie da autopromoção para se esquecer do fiasco da Copa. Mas, com o tempo, Aisha descobre que Diamantino tem um coração puro e infantil, e que o problema está nas irmãs gêmeas que gerenciam a carreira do jogador, querendo usá-lo para fazer muito dinheiro. Elas usam o jogador num programa do governo que clonará onze Diamantinos para fazer o time de futebol perfeito e tornar a seleção de Portugal uma grande campeã. Usando o futebol como “ópio do povo”, o governo então vai alavancar uma campanha xenófoba de votação pela saída da União Europeia. O problema é que a clonagem põe a vida de Diamantino em risco.
Ufa, que plot louco, não? Mas há elementos muito próximos de nossa realidade. O jogador de futebol megastar, o linchamento moral ao qual ele é submetido quando perde um gol decisivo, a questão dos refugiados que chegam à Europa sem eira nem beira, o sensacionalismo dos programas de TV, a onda de extrema-direita e de xenofobia na Europa. Esses são temas que não suscitam qualquer graça. A única forma de inseri-los numa comédia foi amalgamá-los com fortes doses de surreal e inusitado, sendo o personagem Diamantino o norte desse surreal. E aí, a gente precisa tirar o chapéu para Cotta, que consegue fazer um Diamantino muito caricato mas também extremamente simpático em sua ingenuidade e, por que não, jeito abobalhado. O fato do filme ser narrado por ele em primeira pessoa ajuda em muito nessa empatia entre o espectador e o personagem. Mas o roteiro também ajuda, pois o mais lúdico do filme está nos cachorrinhos gigantes que acompanham o jogador nos gramados dos estádios, sendo esse o mundo idílico particular de Diamantino. Entretanto, o inusitado não está apenas nos cachorrinhos. A tal experiência genética e os efeitos no corpo de Diamantino, dando seios femininos ao jogador, aliada ao relacionamento homoafetivo entre Aisha e sua colega de trabalho, que se disfarça de religiosa, mostra não somente algo um tanto surreal, mas até transgressor, com a intenção de agredir mentes mais conservadoras mesmo. Aqui a mensagem de romper com os padrões convencionais, moralistas e tradicionais da sociedade ficou muito nítida e clara.
Dessa forma, “Diamantino” é um filme que chama muito a atenção por trazer um humor inusitado, surreal e transgressor, trabalhando com temas cotidianos altamente polêmicos e sérios. É um filme que te tira de sua zona de conforto. E, além do humor ao qual se propõe, faz também pensar, o que sempre é muito bom.