Batata Movies (Especial Oscar 2019) – Se A Rua Beale Falasse. Dando Poesia A Uma Realidade Cruel.

Cartaz do Filme

Mais um bom filme que concorre ao Oscar. “Se a Rua Beale Falasse” concorre a três estatuetas (Melhor Música Para Filme, Melhor Atriz Coadjuvante para Regina King e Melhor Roteiro Adaptado) e ganhou o Globo de Ouro para Atriz Coadjuvante. É uma película que busca mostrar, da forma mais leve e poética possível, uma dura realidade: a condição de vida dos negros americanos nos Estados Unidos de dias de racismo contundente. E, por incrível que pareça, mesmo abordando tema tão espinhoso, o filme é um poço de muita ternura. Para que possamos entender isso, spoilers serão necessários.

Um casal altamente idílico…

O plot gira em torno do jovem casal formado por Tish (interpretada por Kiki Lane) e Fonny (interpretado por Stephan James). Amigos de infância, o romance entre os dois aconteceu de uma forma muito idílica. Pode-se dizer que até a primeira vez do casal rolou num clima de idílio. A gente via a história sendo contada pelo ponto de vista de Tish, o que ajudou em muito nessa visão bem romântica e doce do casal, já que a personagem era um verdadeiro poço de candura. Mas, infelizmente, a realidade bate à porta e Fonny acaba sendo acusado injustamente de estupro e termina na cadeia. Seu julgamento é adiado seguidas vezes e, enquanto isso, o rapaz permanece preso, para desespero de sua namorada, que espera um filho e ainda precisa se preocupar em arranjar um meio de tirar o companheiro da cadeia.

Tish não vai desistir de lutar por seu amado na prisão…

O tempo vai passando e as dificuldades para se provar a inocência de Fonny só comprovam o que todos nós já sabemos: a sociedade americana da época (o filme se passa em meados das décadas de 60 e 70) é extremamente racista e injusta com sua população negra e aí um jovem casal que paulatinamente construía a sua vida, tijolinho a tijolinho, de forma bem afetuosa e terna, tem a sua história drasticamente alterada pelas mazelas do mundo real. Resta a eles se adaptarem a isso. E como se adaptaram! Mesmo com todo o sofrimento envolvido, Tish nunca esmoreceu e se apaixonou por outro homem, além de cuidar de seu filho com muito carinho, visitando o namorado frequentemente na prisão, mesmo com o passar dos muitos anos em que ele ficou preso.

Regina King teve boa atuação…

Embora seja altamente idílico, o filme não optou por um happy end propriamente dito. Ou seja, quis se mostrar que a situação do racismo nos Estados Unidos não pode dar margem a um bom desfecho. Realmente, foi bem melhor assim, pois não ficaria legal um final feliz aqui. Passaria uma impressão de algo inverossímil.

Tish, grávida, recebe o apoio da mãe e da irmã…

Uma outra coisa que chama muito a atenção da película é a forma como alguns personagens se comportavam. Dava dó de ver os pais de Tish e Fonny, amigos de longa data e personagens que conseguem despertar muita empatia do público, ter de lançar mão de atos ilícitos para conseguir o dinheiro necessário para tentar libertar o rapaz. Atos ilícitos que eles já haviam lançado mão em outras ocasiões, muito mais por uma questão de sobrevivência numa sociedade que não lhes dá oportunidade do que por mau caratismo. Já a mãe de Fonny e suas irmãs acabaram sendo planas demais em sua construção, pois a religiosidade excessiva fazia com que elas enxergassem a situação de Fonny com os olhos de um branco WASP. E a coisa, com razão, acabou não indo muito para a frente com elas no filme. Agora, a atuação de Regina King como mãe de Fonny convenceu bastante e mereceu a indicação de atriz coadjuvante. Já ser digna da premiação, confesso que deve estar mais para Emma Stone em “A Favorita”.

… e do paizão…

No mais, palmas para a edição. É o tipo de história contada com idas e vindas no tempo, onde vemos a história do casal antes e depois da prisão de Fonny. Os momentos anteriores à prisão foram muito importantes para dar o clima terno e idílico à história, e precisavam ser alternados no peso certo com a acidez e sofrimento dos dias da prisão. Para que isso aconteça, um bom trabalho de edição é fundamental, levando esses dois núcleos alternadamente no transcorrer da história e com igual peso, pois caso contrário existe o risco do filme ou ficar sombrio demais ou meloso demais.

Kiki Lane, entre o diretor Barry Jenkins e Diego Luna (de “Rogue One”), que também trabalhou no filme

Assim, “Se a Rua Beale Falasse” é um bom filme que também merece a atenção do espectador, sobretudo aquele que quer estar antenado com todos os indicados ao Oscar. Um prêmio para roteiro adaptado cairia muito bem aqui, já que ele não está indicado para montagem. Mas seu grande trunfo é encarar a realidade da forma mais suave e idílica possível, aos olhos de uma moça apaixonada, sem isso ser piegas. Vale a pena dar uma conferida.