Batata Movies – A Aparição. Uma Questão De Fé.

Cartaz do Filme

Uma impressionante produção francesa passou em poucas salas de nossos cinemas. Mas a Batata Espacial correu atrás e viu “A Aparição”, dirigido por Xavier Giannoli (de “Marguerite”) e estrelado pelo versátil Vincent Lindon (de “O Valor de um Homem”). Esse é um filme, acima de tudo, sobre fé. Um filme onde conceitos são visitados e mudados.

Um fotógrafo terá sua fé posta à prova…

Do que se trata a história? Temos um repórter, Jacques Mayano (interpretado por Lindon), que acaba de passar por um grande trauma. Ele estava cobrindo um conflito no Oriente Médio e foi atingido por uma explosão, ficando com um sério problema em seu ouvido. Para piorar a situação, ele perdeu seu amigo de longa data no atentado. Abalado, buscou a reclusão. Mas esta durou pouco tempo, pois ele foi chamado pelo Vaticano para fazer uma investigação em um pequeno vilarejo do interior da França. Essa “investigação canônica” tem por objetivo esclarecer a alegação de uma jovem, Anna (interpretada pela bela Galatéa Bellugi) de que teria visto uma aparição da Virgem Maria. O padre local, Borrodine (interpretado por Patrick d’Assunção) decidiu que o milagre havia sido consumado e a pequena localidade se torna um centro de peregrinação, totalmente fora do controle da Igreja Católica, que envia a tal comissão de investigação canônica para fazer os esclarecimentos.

Uma moça que afirma ter visto a Virgem Maria…

É mais o desejo da Igreja desvendar qualquer embuste ao invés de confirmar se houve realmente um milagre. Mayano ficará responsável pelo caráter mais “mundano” da investigação. Pouco a pouco, ele se envolve com Anna, no bom sentido da palavra, é claro, onde a fé da moça passa a ter um significado cada vez mais especial para ele, que nunca foi muito cristão. O problema é que outras pessoas estavam envolvidas na vida da moça, e até um assassinato cruzava a vida dessas pessoas próximas a Anna, constituindo-se num verdadeiro mistério. E qual não foi a surpresa de Mayano quando ele viu que até um elemento de seu passado aparecia nas investigações? Paro por aqui com os spoilers.

Uma investigação é iniciada…

Esse filme tem uma trama muito bem elaborada, que necessita muito da atenção do espectador, o que mostra a nós um bom roteiro. Mas o filme também tem a virtude de ser muito simples em sua mensagem principal. Acima de qualquer investigação de cunho mais científico, as coisas da fé não precisam de provas. Ou você acredita ou não acredita, é muito simples. E quem tem fé não necessita de provas.

Monta-se até uma comissão para a investigação…

O filme é muito tocante nesse aspecto, pois aqui vemos como Mayano transforma suas convicções à medida em que ele aprofunda seu relacionamento com Anna que, ao contrário do que podem imaginar as mentes mais maldosas, não houve qualquer conotação, digamos, mais carnal. Ao mesmo tempo, ele também percebe que a figura de Anna é muito humana, onde a moça também tem uma vida fora da religião com todas suas amizades, e o fardo de ter supostamente testemunhado uma aparição também é muito pesado, algo que provoca muito sofrimento, principalmente em virtude da exploração comercial da aparição, que também é abordada. Nesse ponto, a moça sofre muito e ela se autoflagela, cortando sua alimentação (volta e meia aparece um quê de paranoia nessa temática religiosa e aqui não foi exceção).

A menina, volta e meia, tem comportamentos estranhos…

Esse foi um filme que mais uma vez coroa uma ótima atuação de Lindon, com seu ar meio melancólico, de fala mansa e de olhar penetrante. Mas não podemos nos  esquecer da jovem Galatéa Bellugi, que interpretou Anna e que atuou muito bem com Lindon, rolando uma ótima química. O casal consegue convencer no seu relacionamento terno e afetivo, sem qualquer apelo de cunho sexual. A fé da moça realmente atinge o descrente de forma arrebatadora, embora o jornalista não perca o norte de sua investigação mundana, onde as pessoas próximas de Anna levantam questões muito perturbadoras, com a dúvida principal estando no fato de onde Anna e suas alegações de aparição se encaixam na turbulenta vida de seus amigos mais próximos.

A aparição é um fardo muito grande para a moça…

Assim, “A Aparição” é um filme altamente recomendável, em primeiro lugar por contar uma boa história, com muitos meandros que necessitam da atenção do espectador. Em segundo lugar, porque temos a oportunidade de rever Lindon, acompanhado de uma jovem atriz que dá conta do recado ao atuar com ele. E, em terceiro lugar, da forma como a fé é abordada nesse filme. Se em alguns momentos, ela é vista com desconfiança, mais ao final se conclui que ela pode ser virtuosa quando transforma a vida das pessoas e abre novos horizontes. Vale a pena dar uma conferida.

Batata Movies (Especial Oscar 2019) – Roma. O Desmoronamento De Duas Vidas.

Belíssimo Cartaz do Filme

Vamos hoje falar de um filme com dez indicações ao Oscar. “Roma”, de Alfonso Cuarón, concorreu a Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Direção, Melhor Fotografia, Melhor Filme, Melhor Atriz para Yalitzia Aparicio, Melhor Atriz Coadjuvante para Marina de Tavira, Melhor Roteiro Original, Melhor Design de Produção, Melhor Edição de Som e Melhor Mixagem de Som. O filme acabou abiscoitando os prêmios de Melhor Filme Estrangeiro, Fotografia e Direção. Ainda, ganhou os Globos de Ouro de Melhor Diretor e Melhor Filme Estrangeiro, além de ganhar os Baftas de Melhor Filme, Melhor Fotografia e Melhor Filme em Língua Não Inglesa, recebendo também o prêmio David Lean por Direção. Lembrando que esse filme é uma produção da Netflix e se mostrou uma boa aposta do serviço de streaming para fazer um filme mais “cabeça” e digno de premiações. Vamos aqui lançar mão de spoilers para poder analisar o filme.

Yalitzia Aparicio. Indicação de Oscar para Melhor Atriz em seu primeiro filme

O plot é muito simples. No bairro Roma, de classe média alta da Cidade do México, temos a empregada doméstica Cleo (interpretada por Aparicio) que, junto com uma parente, serve a uma família abastada. De origem indígena, ela conversa com sua parente na sua língua nativa e em espanhol com a família, cheia de filhos. Tratada como se fosse “da família”, onde a ligação afetiva com as crianças é muito estreita, Cleo também é tratada com rispidez em alguns momentos por sua patroa Sofia (interpretada por Tavina), pois o patriarca da família está se separando e saindo de casa, o que faz a esposa cair numa pilha de nervos.

Tratada como “da família”…

Por outro lado, Cleo engravida de um namorado que nega a paternidade do bebê. Assim, vemos duas vidas entrando em parafuso: a de Sofia, a patroa, que tem que encarar uma separação com uma penca de filhos, e a de Cleo, que tem que levar uma gravidez sem a presença de um companheiro. Lembrando que essa película tem por base as memórias afetivas da infância do próprio Cuarón, que tinha uma empregada doméstica em sua casa.

Afeição maternal com as crianças da casa…

Essa temática que Cuarón abordou em seu filme de realidade mexicana – a forma como as empregadas domésticas são tratadas pela elite – é muito familiar e conhecida para nós aqui no Brasil, com o agravante de uma tradição escravista que envenena ainda mais a relação patrão-empregado. Na película de Cuarón, a coisa foi até leve em boa parte do filme, com um cotidiano das empregadas sempre presentes no emprego e com uma relação até certo ponto idílica com os patrões e as crianças. Em alguns momentos, a hierarquia sobressaía, como na reclamação feita pelo pai da família da garagem cheia de sujeiras de cachorro, as grosserias que a mãe da família fazia com Cleo quando a matriarca estava estressada com sua crise conjugal, ou na necessidade de Cleo e sua parente fazerem seus exercícios no quartinho da empregada à luz de velas para não gastar energia elétrica.

Uma guardiã dedicada…

Mas o clima um tanto suave do filme passa a ficar turbulento na segunda metade da película, onde as tensões políticas de um México do início da década de 70 começam a influenciar o microcosmos da empregada. É nesse momento que o filme vai adquirir um ritmo bem mais frenético e prender mais a atenção do espectador. Mas tocar nessa parte da película seria dar muitos spoilers. Para se dar apenas uma dica, o filme opta por um happy end galgado numa espécie de redenção, ou seja, uma opção mais hollywoodiana, quando um final mais realista talvez fosse mais adequado. De qualquer forma, com a denúncia de uma situação social concretizada, não podemos nos esquecer de que a película ainda é produzida numa mídia de entretenimento como a Netflix. E aí o happy end é mais aplicável aqui.

Filme tem uma fotografia lindíssima…

Vale falar apenas mais uma coisa que chama muito a atenção: a película foi rodada em preto e branco, ou seja, artística demais nesse ponto, em termos de Netflix. Lembrando sempre da preferência desse humilde escriba pelo preto e branco pelo fato dos contrastes ficarem bem mais destacados que no colorido, dando grande qualidade estética à imagem.

Mais um exemplo da fotografia impecável da película

Dessa forma, “Roma” é uma grata surpresa da Netflix e de Alfonso Cuarón. Um filme “cabeça”, de arte, em preto e branco, feito pelo serviço de streaming, e que fala de uma realidade social da América Latina. Ainda que o tradicional happy end dos filmes hollywoodianos tenha sido usado como opção, temos que dar o braço a torcer que a Netflix assumiu um projeto muito ousado para o tipo de mídia e de público ao qual ela se propõe. E tal atitude deve ser reconhecida e muito celebrada, tanto que a película ganhou dois Globos de Ouro, quatro Baftas e recebeu dez indicações ao Oscar, levando três estatuetas.

O diretor Alfonso Cuarón

Creio que isso é algo muito bom para estimular os serviços de streaming a melhorarem a qualidade das películas que produzem, aumentando a qualidade para o espectador. E seria legal, também possibilitarem o acesso aos cinemas dos filmes que são produzidos para o cinéfilo mais tradicional ter a experiência de ver esse tipo de filme (que tem uma qualidade fotográfica ótima) na telona.

https://www.youtube.com/watch?v=FkzidhAg45U

Batata Movies – Capitã Marvel. Uma Heroína Que Funciona.

Cartaz do Filme

A Marvel dá mais um de seus tiros certeiros com “Capitã Marvel”. Protagonizado pela vencedora do Oscar Brie Larson, esse é um filme que tem o trunfo de um elenco estelar. Senão vejamos: além de Larson, temos as presenças de Samuel L. Jackson, Ben Mendelsohn, Jude Law e Annette Bening. Adicionado ao bom elenco, está o fato de termos em mãos uma boa história, com direito a plot twists. Tudo isso ajudou a alavancar o filme de uma heroína pelo menos em tese menos conhecida que um Homem Aranha, Hulk, Thor ou Capitão América. E podemos dizer que a forma como a película foi construída ajudou muito a popularizar a nossa capitã. Vamos lançar mão dos spoilers aqui.

Brie Larson convenceu, e muito!!!!

O plot é o seguinte. Duas espécies alienígenas, os kree e os skrull, estão em guerra. E aí, uma terráquea, Carol Danvers, (interpretada por Larson) acaba envolvida nessa briga. Os kree, num primeiro momento, parecem ser uma espécie galante e nobre, ao passo que os skrull são violentos e feios.

Samuel L. Jackson arrebenta como um jovem Nick Fury…

Mas esse filme é um tremendo de um jogo de gato e rato, onde o que parece ser uma coisa pode depois ser completamente outra. E essa sequência de plot twists deixam a história divertida, com nossa própria protagonista não sabendo muito bem qual é a sua verdadeira identidade. Outro detalhe interessante do filme é a época em que ele se passa: 1995. Então, podemos ver e experimentar piadas referentes àqueles dias, tais como a demora para baixar um arquivo no PC ou os filmes que passavam no período, quando nossa protagonista cai numa loja do Blockbuster. Até Stan Lee (homenageado na vinheta de abertura em função de sua morte) em sua aparição na película, lia um roteiro de “Barrados no Shopping”, de Kevin Smith, filme em que ele fez uma participação naquela época.

Annette Bening, simplesmente deslumbrante e maravilhosa!!!

Ou seja, a Marvel continuou muito eficiente em sua parte de humor, sobretudo quando falava de gatos. Houve, também, a aparição do tesseract, o cubo cósmico que tem a capacidade de transformar qualquer desejo em realidade. Instrumento valioso para “Vingadores: Ultimato”? Provavelmente. Falando nisso, temos duas cenas pós-créditos na película que têm relação justamente com “Vingadores: Ultimato” e o tesseract.

Jude Law, menos tempo de tela…

E os atores? Foi muito legal ver a atuação de Brie Larson. A moça fez jus à sua premiação de Oscar de Melhor Atriz e esbanjou muito carisma, ao contrário do que podem pensar alguns que não gostaram muito da escolha de Larson para o papel. Ela teve, por exemplo, uma excelente química com Samuel L. Jackson, que fez um jovial e muito engraçado Nick Fury.

Os kree, nobres guerreiros que não são galak…

Pode-se dizer que essa dupla protagonizou até bons momentos de alívio cômico na história. Outra atriz que teve uma atuação muito esplendorosa foi Annette Bening, seja como a “mocinha” de gestos maternais com Carol Danvers, seja como uma maligna líder kree (eu disse que o filme tem muitos plot twists). Poucas vezes a gente vê um ator usando com tanta eficácia a expressividade da face como Bening, principalmente aqui nesse filme.

Os skrull, chatos, bobos e feios. Mas será que é isso mesmo???

Gosto muito de ver atores medalhões em filmes de super-heróis, pois eles dão mais credibilidade a todo o conjunto, ainda mais para esse tipo de filme, que o senso comum diz que se apoia quase que inteiramente à pirotecnia dos efeitos especiais. Jude Law, por sua vez, foi uma espécie de mentor kree para Danvers, mas mesmo tendo um plot twist com ele também, a sua atuação pareceu mais apagada se comparada à dos atores acima citados. Deu a impressão que Law teve menos tempo de tela que os demais. Entretanto, ele foi bem em todos os momentos em que apareceu.

Depois desse filme, você nunca mais vai querer um gato em casa…

Dessa forma, “Capitã Marvel” é um grande filme da Marvel, apesar de não ser o melhor de todos (ainda prefiro “Pantera Negra” e Thanos que se lasque). Mesmo assim, foi legal ver Brie Larson interagindo com esse Universo mais por seu carisma na interpretação do que pelo quesito físico da linguagem corporal das batalhas (é dito por aí que a atriz muito se preparou fisicamente para o filme, fazendo ela mesma várias cenas de luta). Foi também bacana ver um novo Nick Fury com Samuel L. Jackson dando uma outra leitura para o personagem. Annette Bening foi a cereja-surpresa do bolo. E agora resta a nós a torcida pela capitã arregaçar Thanos em “Vingadores: Ultimato”, já que os demais super-heróis ainda parecem muito deprimidos com a derrota de “Guerra Infinita”. Que o Homem Formiga saia também do mundo quântico e protagonize muitos momentos de alívio cômico com a capitã. A plateia agradece.

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Discovery (Temporada 2, Episódio 8) Se Não Falha A Memória. Fan Service Para Os Dinossauros.

Referência direta a “A Jaula”…

Mais um episódio da segunda temporada de “Jornada nas Estrelas Discovery”. “Se Não Falha a Memória” pode ser considerado mais um bom episódio da série, considerando o rodízio episódios bons – episódios ruins, e bom também pelo fato de que ele é um tremendo fan service para os trekkers mais antigos, pois faz uma alusão direta ao primeiríssimo episódio piloto de Jornada nas Estrelas, “A Jaula”. Temos, inclusive, a aparição de cenas originais de “A Jaula” no início do episódio, até talvez para que os fãs mais novos que não tiveram contato com outras séries e momentos de Jornada nas Estrelas pudessem conhecer a referência.

As plantinhas ainda estão lá…

Vamos ao plot. A Seção 31 conversa com o comando da Frota Estelar (é a entidade secreta mais conhecida da galáxia) e eles acertam que vão colocar as naves para procurar Burnham e Spock, com exceção da Discovery, por motivos óbvios (Pike é o capitão de Spock e Burnham é tripulante). Mas a Discovery deve relatar à Seção 31 imediatamente se Burnham entrar em contato. A Imperatriz passa essas ordens para Pike, sem falar por que a Discovery está fora da busca, obviamente, e Pike desobedece parcialmente a ordem, ficando parado mas tentando rastrear Burnham, para desespero de Tyler, que prefere que a moça se vire sozinha, pois tem (como sempre) toda a capacidade para isso. Enquanto isso, Burnham e Spock chegam a Talos IV e encontram um enorme buraco negro. Burnham tenta se desviar mas Spock a impede, pois o buraco negro é uma ilusão imposta pelos talosianos como defesa. Enquanto isso, Culber e Stamets se desentendem. O médico não mais sabe quem é e não aguenta mais as investidas do engenheiro, pedindo para que ele tome o seu próprio caminho. Culber também vê Tyler na nave, ficando muito revoltado. Em Talos IV, Burnham encontra Vina e esta fala de toda a história que vimos em “A Jaula”. A moça fala que os talosianos querem ver Burnham e Spock. Eles propõem salvar Spock de sua loucura e dar acesso da mente de Spock a Burnham em troca dos dois compartilharem seu passado de dor com os talosianos. Burnham, como uma menina mimadinha, se recusa a princípio (difícil de entender isso, pois saber o que Spock tem em sua mente é vital para a questão do Anjo Vermelho), mas Vina a convence, mostrando seu rosto cheio de cicatrizes e dizendo que os talosianos não são tão maus como parecem, pois eles lhe deram uma nova vida. Burnham concorda desde que veja a mente de Spock primeiro. A visão de Spock começa com a fuga de Burnham pela floresta vulcana. O menino vê tudo e percebe quando Burnham é perseguida por uma espécie de cachorrinho do mato (um inseto que existe aqui na minha área) gigante. Spock fala com os pais, que a salvam. Spock viu o anjo pela primeira vez ali naquela situação. Anos depois, ele recebe um sinal para ir a um planeta remoto e se depara com o Anjo. Ele faz um elo mental com o anjo e a cara de Burnham aparece (essa sequência dá uma pista – que pode ser falsa ou não – de que Burnham seria mesmo o tal Anjo Vermelho); logo depois, ela vê uma guerra com muitos planetas sendo destruídos, extinguindo a vida na galáxia. Depois disso, a gente vê os dois irmãos batendo muita boca, com Burnham levando a melhor em alguns momentos e Spock levando a melhor em outros. Pelo menos me pareceu que Spock deu mais foras na Burnham (havia muito mais em jogo do que uma mera querela familiar) e confesso que gostei da interpretação do Ethan Peck também por causa disso. Ele foi bem contido, sem inventividades, fazendo o arroz com feijão. E conseguiu convencer com isso, sobretudo com sua voz grave que lembrava Nimoy e também o seu avô, o Gregory Peck, que daria até um bom vulcano vendo essa interpretação de seu neto agora. Mas, voltando ao plot. Spock dá a entender que o anjo tem pensamentos humanos, onde o desespero e a solidão dão a tônica. Os talosianos ainda fazem Burnham ver o que aconteceu com Spock na clínica psiquiátrica e viram que ele fugiu sem matar ninguém, apenas aplicando o toque neural vulcano. Na Discovery, Saru diz a Pike que muitos dados estão sendo enviados para um destino desconhecido e sem autorização. Pike pede que Saru investigue quem manda esses dados para fora da nave. Ainda, Culber sai na porrada com Tyler, com o consentimento de Saru e os dois param de brigar quando um diz para o outro que não sabe mais quem é, ou seja, a briga foi boa no sentido de que houve uma identificação entre os dois. Será que vai rolar algo? Agora, que a pancadaria foi muito pior que o Mortal Kombat da Burnham com a Imperatriz, ah isso foi! Como eles brigam mal!!! E, para piorar a situação, Saru ainda disse ao capitão que deixou os dois brigarem, pois achava que era assim que dois homens deviam resolver seus problemas, ou seja, mais uma questão do macho alfa em pleno século 23 (até Culber quis ser macho alfa, só espero que ele não vire homofóbico agora). Mesmo que digam que Kirk era o macho alfa por excelência, ainda creio que tais equívocos do passado não precisavam se repetir aqui numa série de 2018 falando do século 23. O machismo no futuro deveria ser encarado na série como uma questão já superada e não colocada de forma tão escrachada desse jeito para justificar um empoderamento feminino das personagens com mais protagonismo. As coisas deveriam ser mais espontâneas ao invés de forçadas. Pelo menos, Pike disse que essa situação não deve se repetir, já que a violência não leva a nada e o código de conduta deve ser cumprido. Tenho gostado mais dessa postura de capitão que o Pike tem tomado nos últimos episódios, pois a tripulação da Discovery é rebelde demais e tem horas que o capitão realmente precisa subir nas tamancas.

Vina again…

Voltando novamente ao plot, Pike retorna para sua sala e reencontra Vina, que conversa sobre o passado dos dois e mostra ao capitão uma transmissão subespacial onde Spock e Burnham o põem a par de tudo. Pike decide ir para Talos IV depois da conversa com Burnham e Spock, mas o motor de esporos foi sabotado. A culpa recaiu sobre Tyler, sob a alegação de que ele queria manter a nave parada (tal como queria a Seção 31) e que as mensagens foram enviadas por ele (acharam seus códigos de acesso na transmissão das mensagens). Usando o argumento de que a Seção 31 faz técnicas neurológicas invasivas e Tyler pode ter sofrido tudo isso sem saber, Pike o confina a seu alojamento. E Airiam, com a maior cara de inocente, e as luzinhas vermelhas piscando em seu olho. Em Talos IV, Spock e Burnham, pelo acordo com os talosianos, devem compartilhar suas dores do passado. Burnham fugiu de casa, pois era uma ameaça para a família por causa dos extremistas da lógica. Mas Spock não queria que ela fosse embora. Assim, ela o ofendeu profundamente, para que ele pudesse sentir raiva dela e ela poder ir embora. Ele disse que essa foi uma atitude lógica e que o fez seguir seu caminho. Mesmo assim, o diálogo mostra um ressentimento muito forte entre eles, o que deixa Burnham arrasada.

Emocionante reencontro com Pike…

A Discovery chega a Talos IV com a nave de Leland em seu encalço, mesmo que Pike tenha tentado despistar a Seção 31. As duas naves travam o transporte em Spock e Burnham, podendo despedaçá-los. Pike recua, aconselhado por Vina, e deixa os dois irem para a nave da Seção 31. Mas na verdade, a presença dos dois na nave de Leland era uma ilusão talosiana e Burnham e Spock retornam para a Discovery na nave auxiliar. Spock dá um pequeno sorriso ao rever Pike ao vivo (alusão ao sorriso de Spock Nimoy em “A Jaula”). O episódio termina com a Discovery tendo que resolver o problema do Anjo Vermelho (e da futura destruição de toda a vida na galáxia) e ainda fugir da Seção 31 e da Federação, que estão em seu encalço.

Deixa os machos se entenderem!!!

O que podemos dizer mais desse episódio? A gente pode considerar que esse foi o verdadeiro episódio de estreia de Spock em Discovery, pois no episódio anterior seu estado meio lunático ainda não dava para se tirar qualquer impressão do que seria Spock na série. Retirando o fato de que sempre é bom ver Spock de volta, volto a dizer que comprei a atuação de Ethan Peck. Alguns acham a atuação de Zachary Quinto melhor. Talvez. Me parece que Quinto estudou mais o personagem, havendo a vantagem dele ter podido interagir com o próprio Nimoy. O problema foi a emotividade excessiva que Spock sofreu no Abramsverse. Agora, Peck faz um feijão com arroz, sem muitos trejeitos e que rende bem, mesmo quando tem que se passar por algumas falas ruins como vimos depois que os talosianos obrigam os irmãos a reabrir as feridas do passado. Aquela fala onde ele deixa claro que perdeu tudo foi bem desnecessária. A gente aceita até o momento em que ele diz que mergulhou de cabeça na lógica para não ficar suscetível à experiências emocionais como as que ele teve com Burnham, mas depois ele destrói esse argumento dizendo que ele perdeu tudo, até a lógica. Típica coisa mal escrita por causa de um exagero dramático. Pelo menos, espero que Discovery apresente Spock de uma forma bem mais lógica do que emocional nos próximos episódios, pois aqui ele soube levar as querelas emocionais com Burnham sem explosões de paroxismo. Que continue desse jeito.

Um bom Spock…

A ideia de Talos IV foi boa, pois além do fan service, o argumento de trazer de volta os talosianos foi a capacidade deles de curar Spock e de ser um terreno propício para os dois irmãos interagirem, ligando suas mentes. Ou seja, não se fez aqui um fan service jogado de qualquer jeito. A argumentação para se trazer os talosianos foi válida e encaixou bem na história do arco principal, aproximando mais Discovery de Jornada nas Estrelas.

Confesso que ainda me assusta a ideia de que o Anjo Vermelho pode ser a Burnham. Dar um protagonismo excessivo à essa personagem é um dos problemas mais graves dessa série e a história ir nessa direção só pioraria esse problema. Seria muito melhor a meu ver um personagem inteiramente desconhecido como Anjo, mas pelo rumo que a história está tomando (que o Anjo vem do futuro e é humano) parece que vai ser alguém conhecido mesmo. Que os roteiristas da Discovery não sejam tão óbvios como na temporada passada quando a característica klingon de Tyler ficou bem clara muito cedo.

Relação ainda conflituosa com a irmã…

Agora, que está muito engraçadinho a Airiam com a maior cara de inocente e dando uma volta em todo mundo, ah isso está. Sei não, estou achando essa tripulação incompetente demais para demorar tanto a detectar esse problema. Não se roda um diagnóstico nessa nave e se detecta logo uma invasão do sistema? Eles pelo menos poderiam ter detectado o problema e já começado a investigar demorando um tempo até chegar a Airiam. Do jeito que está, do tipo, “ah, tô enganando todo mundo!” pega meio mal.

… mas, para sacanear a Seção 31, vale até uma aproximação…

No mais, a coisa da Discovery agora estar contra tudo e contra todos, com a Seção 31 e a Frota Estelar juntas atrás da nave como vilãs, dá um ingrediente novo à história, embora isso não tenha a menor cada de Jornada nas Estrelas, devo dizer. Primeiro que a Seção 31 é ultrassecreta originalmente e aqui ela é mais conhecida (desculpem a piada infame) que o agente secreto português Manoel do terceiro andar (todo mundo sabe quem é). E mais: a Federação e a Frota Estelar, utópicas como elas só, seriam tão distópicas agora? Muito esquisito isso. Por isso que eu começo a entender Discovery como uma livre adaptação de Jornada nas Estrelas, sem a menor necessidade de seguir qualquer cânone, assim como aconteceu no Abramsverse. Só gostaria que os roteiristas e os vários showrunners (já estamos chegando ao quinto, caramba!) pensassem o mesmo, pois engolir algumas coisas goela abaixo como cânone está sendo sofrível.

De qualquer forma, “Se Não Falha A Memória” foi um bom episódio. Tivemos um bom fan service e um bom Spock. A nave agora segue como uma renegada, perseguida por todo mundo, e fica a expectativa em cima da Airiam e de Culber. E que o Stamets tenha melhor sorte, tadinho. Deu dó dele nesse episódio.

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Discovery (Temporada 2, Episódio 7) “Luz E Sombras”. Um Spock Zuretão E Disléxico.

Burnham vai a Vulcano e encontra Amanda…

Mais um episódio da segunda temporada de “Jornada nas Estrelas Discovery”. “Luz e Sombras” vai ficar lembrado como o episódio em que Spock finalmente aparece na série. Seguindo a suposta sequência de episódios bons alternados com episódios ruins em Discovery, estaríamos agora no “episódio ruim”. E isso aconteceu? Bem, “Luz e Sombras” não foi aquela maravilha toda (sempre há um problema ou outro nas histórias), mas também não foi de todo ruim. Pode-se dizer que foi um episódio mediano, mesmo com a aparição de um personagem tão esperado. Vamos lançar mão dos spoilers.

Qual foi o plot desse episódio? Na verdade, tivemos duas histórias ocorrendo em paralelo, como víamos nos episódios das séries mais antigas. O que seria o plot principal foi a viagem de Burnham a Vulcano, para falar com sua mãe Amanda, que escondia seu filho vulcano/humano até de Sarek. Spock está superzureta das ideias por causa do anjo vermelho e dos sete sinais que ele já viu. Assim, ele fica repetindo continuamente premissas básicas de lógica para não pirar de vez, pois tais imagens o afetavam profundamente. Spock também repete uma sequência numérica aparentemente sem sentido. Sarek descobre Spock e fala para ele ser entregue para a Seção 31, pois ela é interessada na recuperação do vulcano/humano e se Burnham não fizesse isso, ela poria novamente a sua carreira em risco. Assim, nossa protagonista toda inocente leva seu irmão para a navezinha da Seção 31 e é convencida por um discurso todo meloso de Leland de que eles vão cuidar bem de Spock. Mas a Imperatriz alerta que eles vão pegar as informações que precisam de Spock e nem querem saber se ele vai se ferrar ou não e ela somente diz isso a Burnham porque a conhece bem e quer ferrar com Leland. Burnham, depois de simular uma pancadaria com a Imperatriz, tira Spock da Seção 31 e descobre que os números que Spock fala em seus delírios são as coordenadas de Talos IV, planeta que aparece lá no piloto da série, na longínqua década de 60.

Sarek em meditação…

O segundo plot gira em torno da tentativa de Pike e de Tyler de enviar uma sonda para pesquisar uma anomalia temporal deixada pela aparição do anjo vermelho em Kaminar. Os dois tentam lançar essa sonda a partir de uma nave auxiliar, ficando presos na anomalia temporal, e depois de muito discutirem para ver quem é o macho alfa do pedaço, a sonda retorna do futuro (cerca de 500 anos adiante) toda modificada (parece o Dr. Octopus do Homem Aranha) e toda agressiva, querendo atacá-los e analisando todos os dados da nave. Quem salva o dia é Stamets e seu DNA de tardígrado, que é à prova de anomalias temporais, trazendo de volta Pike e Tyler.

Vamos lá. O que podemos dizer dessas duas histórias? Com relação à ida de Burnham à Vulcano, o que mais incomoda é a forma como Spock é apresentado, ou seja, totalmente zureta das ideias. Depois de J. J. Abrams, Spock ficou excessivamente emotivo, quando boa parte da graça do personagem justamente eram os seus lampejos de emoção num comportamento lógico. Dava para fazer algo que conservasse mais a sua lógica, sem esse paroxismo todo. Como se não fosse suficiente, ainda meteram uma dislexia (herdada de Amanda) no vulcano/humano, o que justificaria as leituras de “Alice No País Das Maravilhas” empreendida pela mãe para o filho. Sei não, dava para tratar esse conflito todo de Spock provocado pelo anjo vermelho de uma forma menos exagerada emocionalmente, como vimos na meditação de Sarek, por exemplo. Spock também poderia fazer algo parecido, entrando numa meditação profunda e bloqueando inclusive qualquer tentativa de elo mental.

Um Spock zuretaço…

O núcleo da Seção 31 também apresentou problemas. Se foi legal ver Leland fazendo um discurso meloso para cima de Burnham, dizendo que eles tratariam Spock com todo carinho, mas que na verdade encobria uma (óbvia) trairagem (que não sei como nossa protagonista engoliu tão fácil), por outro lado, foi difícil de engolir a Imperatriz denunciando a trairagem para Burnham e ainda usar argumentos pouco convincentes do porquê da denúncia (porque Burnham era “boa” e a Imperatriz queria ferrar Leland). Para piorar, ainda teve aquele momento “Mortal Kombat” entre as duas, só para dar uma pitada (desnecessária) de ação à história. (cadê o toque vulcano para fazer a Georgiou dormir, Michael?). Pelo menos, dois elementos novos foram adicionados aqui. Georgiou disse que conhece Burnham muito bem e o fato de que Leland matou os pais biológicos de Burnham. Vamos ver como essas coisas vão se encaixar mais lá para a frente no rosário de pontas soltas que essa série tem. Por fim, colocar Talos IV na jogada foi, a meu ver, uma boa ideia, pois é uma referência direta ao primeiríssimo episódio piloto da série, dando um certo conforto aos fãs mais “dinossauros”, como se tem dito por aí (dos quais esse humilde escriba se inclui; pelo menos sei que não estou sozinho).

Uma tresloucada anomalia temporal…

Já a segunda história começou com aquela briguinha boba entre Pike e Tyler e ela só serviu mesmo para mostrar que Pike mais uma vez tomou a atitude correta de capitão contra insubordinação, ameaçando mandar Tyler para o xadrez. Tanto bate-boca desnecessário para depois os dois fazerem as pazes ao final como duas Madalenas arrependidas. Apesar disso, foi boa a ideia da sonda avançar 500 anos no futuro e voltar totalmente agressiva, ainda implantando algo em Airiam, a menina-robô (outra ponta solta). Foi legal também lançar mão de Stamets e seu DNA de tardígrado que o deixa imune a anomalias temporais. Vou repetir aqui: o personagem Stamets é bom, assim como a interpretação de Anthony Rapp, e ele deve continuar na série. Por isso, gostei da volta de Culber (apesar dela ter sido um tanto Mandrake, se bem que ela pode ter afundado de vez os malditos micélios) para se desenvolver algo com Stamets na trama além de, agora, o tripulante mais albino de Jornada nas Estrelas poder ser pau para toda a obra em querelas temporais. A coisa de Pike liberar plasma da nave auxiliar para deixar um sinal para a Discovery foi também muito legal, pois foi uma referência direta ao episódio “Primeiro Comando” da série clássica, onde Spock faz o mesmo para atrair a atenção da Enterprise e nas mesmas circunstâncias de carência de combustível. Só é de se lamentar nesse sétimo episódio de Discovery as palavras de baixo calão e chulas proferidas por Tilly em plena ponte, provocando expressões de reprovação de Saru (isso sim muito engraçado). Eu avisei que uma Tilly à beira de um ataque de nervos era bem melhor. Sei não, se falaram de Tarantino para dirigir um Star Trek no cinema, creio que em Discovery um Almodóvar cairia bem.

Salvando o irmãozinho…

Dessa forma, “Luz e Sombras” foi até um episódio relativamente bom de “Jornada nas Estrelas Discovery”, com sequências de ação mais justificáveis na história de Pike e Tyler, mas nem tanto na história de Burnham (a sequência “Mortal Kombat”). Confesso, entretanto, que fiquei um pouco chateado com aquele Spock todo traumatizado. Quem sabe a ida para Talos IV não traga um ingrediente mais atraente. Foi legal ver Stamets arregaçando as mangas para salvar o dia e ficou a incógnita do sinal em Airiam. Esperemos, mais uma vez, pelo próximo episódio.

https://www.youtube.com/watch?v=SVJ-z5qsIy0

Batata Movies – Troca De Rainhas. Cosmogonia De Antigo Regime.

Cartaz do Filme

Um bom filme histórico. “Troca de Rainhas”, uma co-produção França/Bélgica, dirigida por Marc Dugain, aborda a cultura de Antigo Regime, onde o político institucional se mesclava fortemente com as relações pessoais. É o tipo de filme que busca ser fiel com a reconstituição histórica, apesar de um ou outro percalço.

Uma jovem rainha…

No que consiste a história? O ano é 1721 e França e Espanha acabam de sair de uma sangrenta guerra e precisam sacramentar a paz de alguma forma. O regente francês, Felipe d’Orléans (interpretado por Olivier Gourmet) tem a ideia de “trocar princesas” com o reino espanhol para selar um acordo de paz. Ou seja, o herdeiro do trono, Luís XV (interpretado por Igor van Dessel), com ainda onze anos, recebe em casamento a mão de Maria Anna Vitória (interpretada por Juliane Lepoureau), uma infanta espanhola de apenas quatro anos (!!!), ao passo que o rei Felipe V da Espanha (interpretado por Lambert Wilson), casará seu filho, o príncipe das Astúrias (interpretado por Kacey Mottet Klein) com a filha de Felipe d’Orléans, Louise Elisabeth (interpretada por Anamaria Vartolomei).

… e outra, mais jovem ainda…

Pois bem, a troca de princesas é feita, e logo podemos presenciar duas situações bem diferentes: Louise Elisabeth, por já estar na adolescência, repudia com veemência toda aquela situação de ser obrigada a se casar com uma pessoa que mal conhece, enquanto que o Príncipe das Astúrias se apaixona por ela. Por outro lado, Maria Anna Vitória vai, na sua pureza de criança, toda animada para se casar com Luís XV, pois vai se tornar a Rainha da França, mas aqui será o futuro monarca que não dará muita confiança para a menina. Em toda essa trama de casamentos arranjados, as coisas infelizmente não sairão muito como o planejado. Mas chega de spoilers por aqui.

Um futuro rei atormentado

O que chama muito a atenção nessa película? É o fato de se tentar explicar como funcionavam as dinastias europeias na sociedade de Antigo Regime. O mais desavisado pode até ficar chocado com todos esses casamentos arranjados, inclusive entre crianças. Mas isso era prática comum para selar acordos políticos entre nações, numa mistura radical do público com o privado, que o sistema capitalista conseguiu separar tão bem. Ou seja, não havia qualquer espaço para as historinhas de contos de fadas onde o príncipe e a princesa se casaram e foram felizes para sempre. Para se ter uma ideia, quando Napoleão Bonaparte dominava a Europa.,o príncipe regente de Portugal, D. João (futuro rei D. João VI) ofereceu D. Pedro (o mesmo do grito do Ipiranga), que tinha então apenas nove anos, para se casar com a sobrinha de Napoleão para convencer o Imperador francês a não atacar Portugal. Devo dizer aqui que essa ideia não colou muito e Napoleão não aceitou. Assim, não era de se chocar na época que o futuro rei e rainha da França já estivessem prometidos um ao outro com apenas onze e quatro anos, respectivamente. Outra coisa que chama muito a atenção é a enorme quantidade de doenças que esses membros de famílias reais europeias contraíam. Isso acontecia em parte não apenas por causa da medicina menos avançada da época, mas também porque havia um certo grau de parentesco entre esses membros de famílias reais dos países, com eles se reproduzindo entre eles, o que gerava pessoas com um sistema imunológico mais fraco (a própria expressão “sangue azul” vem do fato de que as pessoas, por serem muito debilitadas, ficavam pálidas com as veias azuis todas à mostra). Havia casos até de meninas hemofílicas que morriam na primeira menstruação. O filme toma muito cuidado de se mostrar como vários membros das famílias reais eram acometidos de doenças, algo que atormentava Luís XV, onde o menino dizia que todos os que estavam à sua volta morriam.

Filme tem grande atuação de Lambert Wilson…

Se o filme mostra alguns aspectos relativamente fidedignos com relação à cultura de Antigo Regime, por outro lado há alguns elementos que parecem fugir um pouco disso como, por exemplo, a atitude muito empoderada de Louise Elisabeth em pleno século XVIII, que resistia bravamente a todas as imposições do sistema. Parece que foi algo exagerado e, pela posição de submissão da mulher na época, a impressão é de que a moça aceitaria com mais resignação tal situação. O choro de Felipe V ao se despedir da filhinha parece algo, por outro lado, mais aceitável, até porque o rei espanhol era muito instável emocionalmente. Aliás, Wilson mostrou um poder de atuação como poucas vezes foi visto. Ele foi excelente como o rei atormentado pela sombra de Luís XIV, seu antepassado e modelo de rei absolutista.

Agora, somente mais um pequeno spoiler. Maria Anna Vitória acabou não vivendo com Luís XV (ela foi singelamente “devolvida” para a Espanha) e, anos mais tarde, se casaria com D. José, que seria o rei de Portugal. Assim, Maria Anna Vitória é mãe de D. Maria I (a Louca), avó de D. João VI e bisavó de D. Pedro (o mesmo do grito do Ipiranga).

Assim, “Troca de Rainhas” é uma boa dica para quem gosta de Cinema e de História, pois é um filme que busca analisar com uma certa precisão as nuances da cultura de Antigo Regime e o faz numa linguagem fácil, sem que a narrativa seja muito elaborada, não se exigindo muito da atenção do espectador. É um filme de fácil compreensão que passa bem rápido, por sua qualidade. Isso sem falar no bom figurino e reconstituição de época. Vale a pena dar uma conferida.