Ainda falando dos filmes da fase americana de Fritz Lang, vamos analisar hoje “Quando Desceram As Trevas” (“Ministry of Fear”, 1944). Esse é mais um filme “Noir” de Lang, enfocando uma história de espionagem ocorrida na Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial, com direito a espiões e bombardeios nazistas. Para podermos conversar sobre essa película, vamos liberar os spoilers de setenta e seis anos.
O plot é o seguinte. Stephen Neale (interpretado por Ray Milland), passa seus últimos momentos internado num manicômio psiquiátrico, depois de ser condenado a uma pena nesse estabelecimento por ser acusado de matar a esposa. Na verdade, a esposa padecia de um câncer e sofria muito com a doença, sendo que Stephen comprou veneno para aliviar sua dor, mas não teve coragem de ministrá-lo. Entretanto, sua esposa tomou o veneno mesmo assim, condenando o marido a uma pena no manicômio. Agora, fora da prisão, Neale vai para Londres, uma cidade sob bombardeios alemães. Mas nosso protagonista prefere o agito da cidade mesmo em perigo à solidão. Antes de chegar à estação de trem, passa por uma festinha local, onde inocentes senhoras arrecadam fundos de forma beneficente. Mal sabe Neale que elas fazem parte de uma rede de espionagem nazista e, depois da consulta com uma vidente, descobre o peso de um bolo que estava sendo oferecido a quem adivinhasse seu peso. Feliz da vida, nosso Neale leva o seu bolo, sem saber que existe nele um microfilme com segredos militares ingleses. Ao pegar o trem, um velho “cego” o acompanha. Mas o trem para por causa de um bombardeio nazista e o velho o ataca para tomar o bolo, fugindo do trem. Neale o persegue e o velho atira uma pistola contra ele. Mas o velho é atingido por uma bomb e morre. Ao chegar a Londres, Neale procura a instituição beneficente que organizou a festa e ele conhece os amáveis irmãos Willi (interpretado por Carl Esmond) e Carla Hilfe (interpretada por Marjorie Reynolds) e comunica o que aconteceu. Willi o leva para a casa da vidente com que Neale teve contato, mas lá ele vê que se trata de outra mulher, que faz uma sessão mediúnica onde um dos convidados é morto com um tiro depois que apagam as luzes. Como Neale soltou as mãos das pessoas durante a escuridão e ele estava armado, ele acaba sendo declarado o suspeito e foge com a ajuda de Willi. Agora, Neale terá que provar sua inocência e, ao mesmo tempo, desvendar toda a trama de espionagem nazista que ele ainda nem sabe que está acontecendo.
Lang foi convidado para dirigir esse filme, baseado numa história de Graham Greene que ele gostava muito, mas odiou o roteiro escrito. Mesmo assim, por ética profissional, assumiu a direção. Talvez seja por tudo isso que a história é um pouco enrolada e até enfadonha. O momento da sessão mediúnica só serviu para incriminar Neale, mas a Scotland Yard nem soube do ocorrido, procurando nosso protagonista como suspeito de outro crime, a morte de um investigador que ele contratou e que foi morto pelos espiões nazistas. A falsa vidente (interpretada pela bela Hillary Brooke) parecia que ia ter um destaque maior no filme, mas somente apareceu em mais um momento com o protagonista, sendo pouquíssimo aproveitada. O romance entre Neale e Carla até teve seus momentos de construção, mas pareceu um corpo estranho à história. Ou seja, tivemos aqui alguns floreios (ou barrigas) que tornaram tudo meio confuso, ainda mais para uma película de duração relativamente reduzida (pouco mais de oitenta minutos). Pelo menos, Lang brincou bem com o claro/escuro, sobretudo na sequência de ação final do filme, onde o tiroteio era feito ora sob escuridão completa, ora sob a luz de uma escadaria de um prédio, onde víamos os espiões nazistas. A piada final do bolo foi até engraçadinha, mas um tanto forçada, para coroar um filme que o próprio Lang não gostava muito (ele disse que, anos depois, ao ver o filme na TV, ele adormeceu).
Assim, “Quando Desceram As Trevas” poderia até ser um filme bom caso o roteiro não fosse um pouco enrolado, roteiro esse que nem Lang gostou muito. Pelo menos o diretor ainda conseguiu salvar um pouco o filme, trabalhando bem o claro/escuro e enxertando algumas boas cenas de ação. Mas há filmes “Noir” bem melhores que esse na carreira do diretor. Infelizmente, não há o filme facilmente à disposição na íntegra. Fiquem com o trailer abaixo.