O sexto episódio de Jornada nas Estrelas Discovery, “Piratas” tem como tema principal mais uma vez a violação da hierarquia. E expedientes que busquem justificá-la, embora desta vez tenham havido conseqüências. Para podermos analisar esse episódio, os spoilers estarão liberados. O episódio foi escrito por Anne Cofell Saunders.
Qual é o plot? A Discovery sofre uma série de reformas que a tornam mais adaptada ao século 32 e agora seu número de série é NCC-1031-A. Vence diz que a Cadeia Esmeralda, do sindicato do crime andoriano-oriano, está nas cercanias do planeta Argeth, com a Federação devendo ficar de prontidão para qualquer movimento e, principalmente, a Discovery, com seu motor de esporos. A tripulação da Discovery recebe uma nova insígnia que vem com comunicador, tricorder e transportador. De repente, a nave de Book chega sem Book mas com seu gato Mágoa (Ou Rancor, depende da criatividade de quem traduz). Book deixa uma mensagem falando sobre uma caixa preta que pode ter as respostas para as causas da combustão, que está em território da Cadeia Esmeralda. Ele foi investigar e programou a nave para ir em direção à Federação caso ele não voltasse em um dia. A mensagem já tem três semanas e, obviamente, Burnham quer pegar a Discovery para ir atrás de Book, mas Saru deixa bem claro que a Discovery está de prontidão para qualquer problema em Argeth (vemos como Saru está bem mais antenado com as obrigações da Federação agora). Burnham, então, decide mais uma vez quebrar as regras e ela vai, às escondidas e com a nave de Book, para salvá-lo, juntamente com Georgiou. O mais curioso é que Georgiou alerta que a insubordinação de Burnham coloca Saru numa situação perigosa. E Burnham, sem medir as conseqüências, retruca dizendo que prefere se arrepender por algo que fez do que por algo que não fez. Pelo menos, Georgiou zoou Burnham dessa vez, dizendo que ela está apaixonada por Book, e nossa protagonista negou. Mas Georgiou começou a ter umas estranhas visões, onde parecia testemunhar uma pessoa morrendo com muito sangue, chamada San, o que a deixou bem zureta das ideias. Ao chegarem ao planeta da Cadeia Esmeralda, são saudados por um oriano. Georgiou toma a conversa e age de forma muito agressiva com o oriano, dentro dos diálogos irritantes de Discovery. O oriano somente aceita que a nave desça à superfície, pois Georgiou diz que tem dilítio.
Na Discovery, a gata do Book está nos aposentos de Tilly e, se me perdoarem o trocadilho, faz gato e sapato de Tilly, que precisa da ajuda de Burnham para colocar a gata na caixa (até isso, e todo mundo sabe que gato adora caixa…) e descobre que nossa protagonista não está na nave. Saru vai conversar com Tilly sobre o sumiço de Burnham, do fato dela ter desrespeitado as ordens diretas dele. Saru confessa a Tilly que tem uma enorme desconfiança contra Burnham, a mesma da época da Shenzhou. Tilly diz que Saru deve contar o sumiço de Burnham para Vence, antes que ele descubra por ele mesmo, pois caso isso aconteça, toda a tripulação da Discovery vai ficar manchada (ou seja, a insubordinação de Michael não respingará apenas em Saru, mas em toda a tripulação da Discovery). Saru comunica o ocorrido a Vence, que não dá muita bola no momento, pois as negociações com a Cadeia Esmeralda ruíram e a Discovery pode ter que ser lançada a qualquer momento.
Na superfície do planeta, mais ofensas de Georgiou ao oriano, que diz que é o sobrinho de Osyraa, a verdadeira dona do local. Burnham diz ao oriano que elas procuram pinos autovedantes (citados na primeira temporada de DS9, S01, Ep 14, “Progresso”). Eles andam numa espécie de ferro-velho que tem peças antigas de naves. Book está lá como escravo e ele vê Burnham. Um amigo de Book rouba um pouco de água e é morto pelo oriano, que o obriga a atravessar o campo de força que circunda o ferro-velho, sendo desintegrado (agora vemos a maldade do oriano em cores vivas).
Adira trabalha na Engenharia e conversa com seu namoradinho do cabelo azul, que combina com o “tudo azul” de Discovery. Stamets aparece e reclama da bagunça na Engenharia. Adira diz que reprojetou a interface do motor de esporos. Agora, Stamets só precisa mergulhar as mãos num gel quando o motor é acionado, não sendo mais um processo doloroso.
Burnham e Book encontram um pretexto para falarem em particular e agora, como que por encanto, eles se tornam namorados apaixonados, algo que não vimos da última vez em que se falaram. Book diz que tem a caixa preta e que é só Burnham pegá-la no alojamento dele. Book tem um amigo andoriano, Ryn, que tentou se revoltar contra Osyraa, e ela cortou as antenas dele, além de obrigá-lo a implantar uma coisa na nuca dos prisioneiros que o episódio não explicou muito bem, sendo agora odiado por todos. Vale ressaltar aqui que esse andoriano não é agressivo como os demais de sua espécie, parecendo mais um coelhinho assustado.
Burnham destrói um andróide voador que a vigia e o alarme soa. Georgiou improvisa uma arma. Mas as duas são presas. Georgiou continua passando descomposturas para o oriano e esse lhe dá um tapão na cara, dizendo que ela não foi lá para fazer compras. Georgiou continua malcriada. Ryn passa a caixa preta a Book (que mais parece um tubinho) e diz que chamou os prisioneiros para uma fuga organizada (mas ele não era odiado por todos?). A fuga começa e o oriano manda seus seguranças para impedi-la. Burnham e Georgiou começam a sair na porrada com o oriano (pelo menos, desta vez elas não estão batendo num homem branco, mas num homem verde). O problema é que Georgiou novamente tem a visão sangrenta do tal de San e desaba no chão, com Burnham sendo estrangulada pelo verdão, que não é do Palmeiras. Mas Georgiou acorda, dá um chutão na cabeça do oriano e pega os controles do campo de força no bolso dele. O oriano foge, se transportando. Georgiou desliga o campo de força, o que possibilita a fuga dos prisioneiros, mas Ryn, é ferido. Burnham e Georgiou voltam para a nave de Book e passam fogo nos vigias do ferro-velho que atiram nos prisioneiros em fuga. Book e Ryn são transportados para a nave. Os prisioneiros fogem em outra nave. Georgiou atira sobre umas naves que pairam sobre a superfície e elas caem, destruindo todo o ferro-velho. Book passa a caixa-preta para Burnham, que tenta conversar com Georgiou sobre o que acontece com ela, mas Georgiou não sabe dizer e diz que essas visões ocorrem há apenas algumas semanas.
E, depois de muita ação, chegamos ao momento fofo do episódio, onde Stamets vai conversar com Adira, que conversa com seu namoradinho do cabelo azul, que somente a moça consegue ver. Stamets se identifica com Adira, porque ele também perdeu um amor que morreu e voltou a viver. O namoradinho azul diz a Adira que gosta de Stamets. Adira olha para o implante do motor de esporos no braço de Stamets e diz que pode tirar isso dele. Depois de retirado o implante, Stamets fala dessa identificação com Adira e do desejo dele de ajudá-la a interagir mais com a tripulação para Culber, que o estimula a se aproximar da moça.
Na Enfermaria, Ryn convalesce (embora quase não tenhamos conseguido ver isso, pois um andoriano na Enfermaria azul da Discovery se torna praticamente invisível). Book e Burnham deixam a Enfermaria e pegam o elevador. A Primeira Oficial vai ter que encarar o almirante da Frota Estelar por sua insubordinação, mas antes dá um beijo apaixonado em Book, depois de ser rapidamente detida pela inconveniente aparição de Linus no elevador, pois ele ainda não sabe usar o transporte implantado na insígnia, sendo o alívio cômico do episódio.
Vence está com Burnham e Saru e diz que a missão de Burnham não foi autorizada mas teve bons resultados, valendo o risco (é claro que haveria um entretanto nessa insubordinação de Burnham). Mas Vence passa um esporro federal em Burnham, dizendo que ela colocou a Discovery em risco, pois a nave partiria sem sua Primeira Oficial numa eventual missão a Argeth. E ela só não está presa porque salvou vidas. Burnham concordou com tudo, bem pianinho. Mas ela ainda diz (depois de pedir permissão para falar) que é preciso descobrir o que levou à combustão, caso contrário existe uma chance da Federação nunca mais ser o que foi antes. Vence diz que vamos ver o que se tem na caixa-preta. E que delega a Saru a punição que Burnham vai ter. Saru, muito magoado, fala da falta de confiança e a tira do cargo de Primeira Oficial, tornando-se apenas oficial de ciências. Burnham ainda acha que pode opinar depois de tudo e diz a Saru que ele está fazendo a coisa certa, como se ela desse o aval para ele rebaixá-la. Mas Saru dá a última palavra dizendo que um dia todos teremos as respostas que procuramos, deixando nossa protagonista abalada, que retira a insígnia. Fim do episódio.
O que podemos falar do episódio “Piratas”? Em primeiro lugar, esse foi um episódio um pouco melhor que os três últimos, pois trabalhou mais temas. Houve menos melodrama, em doses mais aceitáveis e as cenas de ação voltaram. A Discovery e a sua tripulação sofreram um interessante upgrade e não tiveram dessa vez que provar nada a ninguém, como ocorreu nos três últimos episódios de uma forma muito repetitiva. Tivemos uma História A, onde Burnham e Georgiou foram as protagonistas, que trouxe de volta Book e apareceu uma misteriosa caixa-preta que pode fornecer dados sobre a combustão, que é o arco principal. Aqui ficou a sequência de ação, que sumiu por três episódios. O destaque negativo foi diálogo escrito para Georgiou, agressivo e petulante demais, intolerável para um vilão de um sindicato de crime, mesmo que elas tivessem todo o dilítio do mundo. Um ponto fraco de Georgiou foi exposto numa alucinação que ela tem com alguém com quem ela parece gostar e morreu (então não seria a Burnham a pessoa que Georgiou gosta, citada no episódio anterior, mas sim esse tal de San? Vamos ver). O detalhe é que estamos agora com um problema psicológico de Georgiou para lidar na trama. E o problema de Detmer? Vai ficar por aquilo mesmo? Esperemos que mais essa boa ideia em cima de Georgiou seja bem desenvolvida, até para compensar seus diálogos odiosos e sem qualquer necessidade.
Houve uma História B, que novamente ficou mais focada na tripulação da Discovery e mais uma vez se fragmentou em histórias menores. A decepção de Saru com a falta de confiança que ele teve com Burnham por causa da insubordinação dela chamou muito a atenção. Saru, no papel de fandom mais antigo, defende os ideais da Federação com unhas e dentes e deixa bem claro que ele, pelo menos não parece querer abrir brechas para o comportamento rebelde de Burnham (resta ver se ele vai conseguir manter essas brechas fechadas). Um outro núcleo, o de Stamets com Adira, funcionou muito bem, apesar do melodrama, embora esse melodrama a meu ver tenha vindo em doses mais aceitáveis e ajudou a construir mais os personagens e seus relacionamentos. Linus entrou como um bom alivio cômico que funcionou bem.
E Burnham? Duas palavrinhas, apenas. Em primeiro lugar, esse romance dela com Book simplesmente saiu do nada, pois a interação entre esses dois personagens não deixou nenhuma impressão de que eles tivessem um relacionamento mais íntimo. Me pareceu uma tremenda forçada de barra. E, em segundo lugar, a insubordinação de Burnham foi vista de forma bem crítica nesse episódio, onde ela arriscou a própria tripulação da Discovery para colocar em prática seus atos ilimitados. Apesar disso, sempre parecia que alguém buscava uma justificativa para a insubordinação de Burnham, além da punição de Saru me parecer branda demais e de Vence, que deveria ter sido mais severo contra ela. De qualquer forma, nossa protagonista ainda assim foi atingida em cheio pela decepção de Saru com a falta de confiança que agora ele tem para com ela. Essa forma mais crítica de se ver a Michael é, a meu ver, a melhor mudança que vemos em Jornada nas Estrelas Discovery até agora nessa terceira temporada.
Dessa forma, “Piratas” é um bom episódio de Discovery, pois ele foi trabalhado em várias frentes, onde vimos alusões aos episódios anteriores dessa temporada. Uma História B fragmentada em ouras histórias com a tripulação, e uma História A, onde finalmente Burnham sofre as consequências de seus atos de alguma forma, algo que já tinha passado da hora de acontecer.