O oitavo episódio da terceira temporada de Discovery, “Santuário” finalmente trouxe algo de bom, depois dos episódios de medianos para ruins que vimos nas últimas semanas. Um conjunto de histórias fragmentadas sem a Burnham por perto parece ser uma boa receita para dar alguma qualidade à série. Para podermos analisar melhor esse episódio, vamos precisar de spoilers. O episódio foi escrito por Kenneth Lin e Brandon Schultz e dirigido por Jonathan Frakes.
Qual é o plot? O episódio até começou mal, pois vemos Georgiou sendo examinada por Culber, com a primeira falando aqueles amaldiçoados diálogos extremamente agressivos para o Doutor. O que salvou aqui é que Culber andava para o tom ameaçador de Georgiou e, usando argumentos lógicos, conseguiu fazer ela ser examinada de forma mais detalhada. Já Burnham anda pelo corredor e encontra Book. Este diz que precisa ir para seu planeta natal Kwejian, pois recebeu uma mensagem de seu irmão, que lida há quinze anos com Osyraa e a Corrente Esmeralda, mas não sabe o que está acontecendo. Book teme que Osyraa vai destruir o planeta. Burnham diz para levar o assunto ao Almirante Vence e, na conversa com ele, sabemos de mais detalhes. Book diz que a Combustão danificou o subespaço, alterando a órbita da lua de seu planeta natal, o que mudou as marés e gafanhotos marítimos saíram do mar, comendo as plantações do planeta, colocando a população sob fome. A Corrente Esmeralda surgiu e ofereceu um repelente que levou os gafanhotos de volta para o mar. Em troca, os orianos receberam tranceworms (as lacraias gigantes do primeiro episódio). Osyraa agora está de volta. Vence não parece surpreso e diz que a Corrente Esmeralda é especialista em violar a Primeira Diretriz, dando a civilizações pré-dobra algo que elas precisam para mantê-las em suas mãos e há cinquenta sistemas estelares na mesma situação, que devem entrar em colapso. Vence ainda alega que não tem naves suficientes para interceder nisso. E não vai arriscar o motor de esporos. Book diz que só precisa de transporte. Saru propõe que a Discovery viaje como “observadora”. Se Osyraa sentir a presença da Federação, ela pode buscar uma abordagem mais diplomática. Vence autoriza a ida da Discovery, mas com muita cautela, com uma postura defensiva, com a nave saltando a qualquer indicação de perigo, pois Osyraa não será com certeza nada diplomática.
No ferro-velho da Corrente Esmeralda, o oriano sobrinho de Osyraa conversa com sua tia, que, apesar de Oriana, não tem qualquer sex-appeal (ela, inclusive, tem um nariz de batata igual ao de seu sobrinho). Osyraa fica revoltada com a fuga do andoriano Ryn. Ela transporta o sobrinho para uma cela bem comprida, onde surge uma lacraia gigante do planeta natal de Book que devora o sobrinho verde.
Depois de um diálogo bobinho entre Saru e sua Primeira Oficial Tilly, os dois vão à Engenharia para ver os resultados dos estudos de Stamets sobre os dados da Combustão e finalmente localizam o local onde a mesma ocorreu: uma nebulosa de nome Verubin. Adira diz que há um sinal vindo de dentro da nebulosa e é proposital, ou seja, está sendo enviado por alguém. As frequências do sinal estão em áudio e, dentro delas está a música tocada pelo namoradinho do cabelo azul de Adira e pela família do guardião da nave que contém sementes, que vimos no episódio “Morrer Tentando”. É também concluído que um sinal de socorro da Federação vem dessa nebulosa. Saru acredita que, nesse sinal de socorro pode vir alguma mensagem codificada. Stamets diz que a Adira pode escrever um algoritmo para decodificar essa mensagem. Mas a mocinha ficou triste quando Stamets se referiu a ela como ela. Ela quer ser chamada de eles, por causa de seus hospedeiros anteriores. Stamets, que quer ajudar Adira na sua aproximação com as pessoas, afetuosamente concorda.
Book e Burnham conversam sobre o irmão do primeiro, que não é biológico. Os dois irmãos romperam relações quando o irmão de Book começou a caçar lacraias gigantes para dar para a Corrente Esmeralda. E que, agora, a prioridade é seu planeta natal.
A Discovery salta para Kwejian depois de Saru falar um “Execute”, que pega todos de surpresa. É detectada uma nave armada chegando, embora ainda demore algum tempo para isso. É a nave Viridian, de Osyraa. Burnham e Book descem à superfície. A primeira tem ordens expressas de retornar à qualquer sinal de problemas.
Georgiou é submetida a novos exames enquanto Stamets e Adira fazem um duo de violoncelo e piano. Ela (ou eles) sente a presença do namoradinho do cabelo azul que, entretanto, não fala mais com ela. Stamets sugere que talvez ele precise de um espaço. Ryn vai conversar com Saru e Tilly, dizendo que precisa descer à superfície de Kwejian. Mas a nave da Corrente Esmeralda chega em quinze minutos e Burnham e Book estão dentro de uma área de segurança do planeta, que não permite transporte. Em Kwejian, Book e Burnham se deparam com os tais gafanhotos marítimos. E são rendidos pelos irmãos de Book. O irmão de Book se chama Kyheem, e é guardião do Santuário do planeta. Depois de umas trocas de hostilidades com Book, Kyheem diz que Osyraa quer o andoriano Ryn. Enquanto os dois irmãos trocam mais hostilidades (Book não se conforma em ver o irmão com ligações com a Corrente Esmeralda e Kyheem não tem outra escolha para salvar seu planeta dos gafanhotos, além de ficar chateado com Book que se mandou na hora de maior adversidade do planeta), a Viridian chega. Saru ordena que Burnham seja avisada para retornar à Discovery. Osyraa entra em contato e quer que a Discovery transporte Ryn para a sua nave. Mas Saru começa toda uma argumentação que Osyraa não aceita. Ela diz que a Federação não quer uma guerra com a Corrente Esmeralda e a Discovery tem cinco minutos para entregar o andoriano. Osyraa também entra em contato com Kyheem e diz que quer Book. Mas o irmão reluta em entregá-lo. Osyraa o ameaça, bombardeando o planeta para destruir as florestas (mais uma metáfora para os danos atuais ao meio ambiente, já vistos na série anteriormente). As defesas do planeta se enfraquecem. Na ponte da Discovery, Saru pergunta a Ryn por que ele é procurado por Osyraa e este só fala que não pode dizer. Saru ordena que as armas sejam preparadas, enquanto que Burnham e Book correm pela floresta para os sistemas de defesa do planeta, não podendo ser transportados para a Discovery e sem contato com a nave. Para não envolver a Federação no conflito, Tilly sugere o uso da nave de Book com Ryn, que conhece os pontos fracos do inimigo, e Detmer pilotando, para atacar a Viridian. A gatona mágoa pula no colo de Ryn que, como bom andoriano sensível, começa a gritar horrorizado. Detmer coloca os controles no manual e se diverte como se jogasse um videogame. No planeta, Burnham e Book saem na porrada com os capangas de Kyheem. Estamos no momento de ação do episódio, seja no solo, seja no espaço. Derrotados os capangas, chega a hora dos dois irmãos saírem no braço. Depois que Kyheem é rendido, Book diz que sabe que Osyraa quer ele, e que seu irmão sabia disso o tempo todo. Book tira a arma que Michael usa para render Kyheem e coloca nas mãos do irmão dizendo para ele entregá-lo para Osyraa. Mas o irmão cede e abaixa a arma.
No exame de Georgiou, ela tem novamente a visão que atormenta e acorda, aos gritos. Fala uma coisa ofensiva para Culber e sai da Enfermaria. Ela tenta acessar os dados de sua tomografia num console durante o alerta vermelho emitido por Saru, mas é surpreendida por Culber, que diz que Georgiou foi um risco para Michael e que eles devem achar um lugar mais calmo para conversar.
Com a Viridian danificada, Saru entra em contato com Osyraa e oferece ajuda. Mas a oriana não quer saber desse papo furado e ameaça a Discovery e a Federação. E tira a nave dali. Kyheem se desespera com o destino de fome de seu planeta, Burnham, como quase não participou do episódio, sugere que os irmãos, que são sensitivos (as testas deles acendem que nem uma árvore de natal), se unam para mandar uma mensagem para os gafanhotos voltarem ao mar, que será amplificada pela Discovery, o que acaba dando certo e levando os dois a fazerem as pazes.
No refeitório, enquanto Detmer fala de suas proezas na nave de Book, Tilly conversa com Ryn. Este diz que quando era criança, que ouvia histórias ruins a respeito da Federação. Tilly retruca dizendo que isso não existe. Mas Ryn dá uma informação importante e diz que a Corrente Esmeralda está ficando sem dilítio e por isso Osyraa o quer de volta, já que Ryn era o único a saber que a Corrente está ficando sem dilítio. Mas, contando a Tilly, agora a Federação também sabe. Enquanto Book e seu irmão se despedem, Culber encontra Stamets na Engenharia (e como ficou a conversa com Georgiou?) com Adira dormindo. Eles falam sobre a moça que diz que está acordada. Imediatamente eles se referem a Adira o tempo todo como “eles”, o que desperta um sorriso “dela”, avisando que vai dormir. O episódio termina com Book dizendo a Michael que quer fazer o que a Federação fez por seu planeta a outros planetas e Michael pegando duas ferramentas para consertar a nave de Book, avariada no ataque a Viridian (seria isso um alívio cômico se referindo à onipotência da Michael?).
O que podemos dizer do episódio “O Santuário”? Em primeiro lugar, confesso que fiquei surpreso com esse episódio, que gostei muito. Já fazia algum tempo que isso não acontecia, pois gostei somente dos dois primeiros episódios, achando os demais regulares ou até fracos. Mas o que fez esse episódio ser bom? Tivemos várias histórias. Uma História A passada no planeta natal de Book, que se focou mais no desentendimento entre Book e seu irmão, com a Michael sendo uma espectadora da trama, que pouco influenciava na história. Ou seja, a velha equação de que o episódio melhora quando a Michael deixa de ser a onipotente protagonista funcionou aqui mais uma vez. A briga entre os irmãos foi muito interessante, pois não houve um maniqueísmo na coisa. Cada um tinha sua dose de razão em seu ponto de vista. Se Book não se conformava em ver o irmão e a família aceitarem os ditames de um sindicato do crime, por outro lado Kyheem não tinha escolha, pois precisava da ajuda de Osyraa para o povo de seu planeta não morrer de fome, além do fato de Kyheem não aceitar que Book tenha ido embora justamente quando o planeta deles passava pelas maiores dificuldades. Falando em Osyraa, esta se revelou uma vilã bem interessante, fazendo o popular “feijão-com-arroz” não falando diálogos horrorosos como os escritos para Georgiou, que novamente deram o ar de sua (des)graça. Ainda, o episódio metaforizou a mensagem de preservação do meio ambiente, onde um planeta florestal foi atacado pelos impiedosos tiros da nave de Osyraa. E os gafanhotos foram para o mar porque quiseram e atenderam um pedido dos dois irmãos. Confesso que não sou contra essas metáforas, que já foram usadas exaustivamente em Jornada nas Estrelas (mais uma vez as baleias mandam lembranças). No mais, novamente tivemos uma História B altamente fragmentada em histórias menores, onde o foco ficou na tripulação da Discovery. O núcleo Culber/Georgiou ficou bom principalmente por Culber, que não se deixou dobrar pelas ameaças de Georgiou. Só ficou uma grande cara de furo de roteiro ver o Doutor indo ter uma conversa particular com Georgiou e, depois, ele estar com Stamets e Adira, sem presenciarmos o desfecho da conversa com Philippa. A dupla Ryn/Detmer também funcionou muito bem, embora um andoriano medroso ainda incomode um pouco. E o relacionamento entre Stamets e Adira deu um tom de delicadeza ao episódio, sem carregar nas tintas do melodrama.
Com relação ao avanço no arco principal, a musiquinha estranha se associou a um pedido de socorro que vem da fonte da Combustão. E a falta de dilítio que a Corrente Esmeralda sofre é uma informação estratégica para os mocinhos se protegerem de um ataque de Osyraa que, espero, ainda apareça nessa temporada (que Discovery não estrague essa boa ideia).
Algumas coisas incomodaram. Além do já mencionado furo de roteiro com Culber e Georgiou, a ideia de isentar a Federação de um conflito usando a nave de Book para ataque não convenceu nem quem acredita em Papai Noel. E uma nave tão pequena provocar tantos danos à poderosa nave de Osyraa parece uma forçada de barra. Mas, depois que Poe Dameron peitou um destróier imperial com seu X-Wing, tudo parece possível. E, se me permitirem um exemplo histórico, pequenos e ágeis barcos gregos destruíram os grandes, poderosos, mas lentos barcos persas, perfurando os seus cascos na Baía de Salamina. E foi legal ver a Detmer brincando de videogame, desencanando um pouco de suas pirações.
Desta forma, apesar de um problema ou outro, “Santuário” é um bom episódio de Discovery, pois tem uma História A que não foca tanto em Burnham e uma História B fragmentada em várias histórias menores que abordam mais a tripulação da Discovery, um fator que melhora a qualidade do episódio quando usado. Esperemos que esse modelo seja seguido nos episódios restantes.