Vamos hoje prosseguir em nossas análises dos filmes que concorrem ao Oscar nesse ano de 2021. “O Som do Silêncio” (“Sound Metal”), na Amazon Prime, concorre a seis estatuetas (Melhor Filme, Melhor Ator para Riz Ahmed, Melhor Ator Coadjuvante para Paul Raci, Melhor Som, Melhor Roteiro Original e Melhor Montagem). Para podermos falar desse filme, vamos recorrer aos spoilers de sempre.
Vemos aqui a história de Ruben (interpretado por Riz Ahmed, que trabalhou em “Rogue One”), um baterista que mora num motohome e viaja em turnê com sua namorada Lou (interpretada por Olivia Cooke) fazendo apresentações de música. Os dois conseguem levar essa vida mambembe numa boa, até que um dia Ruben acorda, de uma hora para outra, com sua audição seriamente comprometida, o que vai prejudicar enormemente seu trabalho e sua vida com Lou. Ao se consultar no médico, ele toma conhecimento de uma cirurgia onde se pode colocar um implante para recuperar parcialmente a audição, embora tal cirurgia seja muito cara. Enquanto ele não consegue fazer essa cirurgia, o rapaz irá para uma espécie de centro que acolhe pessoas consideradas deficientes físicas pela sociedade, liderado por Joe (interpretado por Paul Raci), que busca ver essas pessoas não como deficientes, mas sim como seres humanos que merecem uma integração com uma sociedade formada somente por elas, sem qualquer contato com o mundo exterior. Isso vai separar Ruben de Lou, com a moça voltando para a França, para viver com o pai (interpretado por Mathieu Amalric). Ruben fica arrasado com a situação e tem dificuldades iniciais para adaptação. Mas, pouco a pouco, vai se integrando com aquela sociedade e passa até a ter uma vida feliz. Entretanto, ele quer voltar à sua vida anterior de viagens e turnês com Lou. Para isso, vai vender sua bateria, equipamentos de som e seu motorhome para conseguir o dinheiro suficiente para a cirurgia dos implantes. Quando ele mostra a Joe que fez a cirurgia, este diz que a comunidade que criou não toma suas pessoas como deficientes e pede que Ruben se retire da mesma, perdendo espaço naquele microcosmos onde já estava tão integrado. Ao fazer o ajuste final do implante para finalmente voltar a ouvir, ele escuta apenas um som pouco claro e muito metálico, que mais incomoda do que esclarece as coisas à sua volta. Ruben irá a França para se reaproximar de Lou, mas encontra todo um contexto onde ele não se encaixa mais (o pai da moça veladamente hostil e sua namorada adaptada à nova realidade). Com isso, Ruben vai embora e anda pelas ruas de Paris cercado por aquele som metálico infernal do implante. Ele para numa praça e arranca os implantes recaindo na surdez total, refletindo sobre os rumos que sua vida deve tomar dali em diante.
É um filme angustiante, pois ele nos dá a dimensão exata de todas as experiências sonoras (ou a falta delas) à medida que Ruben vai perdendo sua audição. Daí a indicação, justíssima, ao Oscar de Melhor Som. A nova condição de Ruben o arranca do mundo real e da sociedade em que ele estava acostumado para viver num novo mundo com pessoas que tinham a mesma condição dele, sendo obrigado a se integrar nessa nova sociedade, cujo líder, Joe, fazia questão de frisar que elas não eram deficientes e sim pessoas que tinham direito a uma integração, independentemente da condição em que estivessem.
Mas quando pensamos que Ruben conseguirá se adaptar totalmente a essa nova condição, como realmente estava se adaptando, na verdade nosso protagonista entendia que aquele momento seria algo transitório, com ele podendo voltar à sua vida antiga e a rotina de viagens e turnês. Isso fortemente decepcionou Joe, pois Ruben já havia chegado a um nível de integração que ele era considerado importante para outras pessoas. E a visão de Ruben de que a surdez era uma deficiência o impossibilitava de continuar naquela comunidade. Ruben somente vai perceber que não podia voltar ao mundo de antes quando ele revê Lou na França e percebeu que a volta à sua vida antiga com a namorada era impossível, além do fato de que a cirurgia do implante havia condenado o rapaz a escutar um infernal e incompreensível som metálico (daí o título original do filme, “Sound Of Metal”). O arrancar do implante ao final do filme mostra Ruben desistindo definitivamente de sua vida anterior e abraçando uma nova vida com a surdez. O espectador pode até se perguntar: ele voltará para a comunidade de Joe? Será aceito depois da pisada de bola que deu? Vemos como o desfecho ficou em aberto para que o espectador possa preenchê-lo dentro de suas expectativas.
As atuações foram muito boas. Ahmed deu a medida certa do desespero que é chegar a essa condição de forma repentina. Ele ficou angustiado, perdido, teve explosões de paroxismo. Indicação merecida, que será um páreo duro com Boseman. A indicação de Raci para coadjuvante parece justa, embora a gente sinta que esse ator teve muito pouco tempo de tela, até para um coadjuvante. Assim, a indicação de Raci pode significar que, no pouco tempo em que apareceu, seu carisma e sua atuação foram de uma notabilidade acima da média.
Dessa forma, “O Som do Silêncio” é mais um filme que vem forte nesse Oscar de 2021. É uma película que fala de dois mundos e da posição de um homem perante eles. E da capacidade do ser humano de se adaptar à novas condições.