Dando sequência às nossas análises de filmes que concorrem ao Oscar desse ano de 2021, falemos hoje do Documentário “Time”, da Amazon Prime, e que concorre à estatueta de Melhor Documentário. Para falarmos desse filme, vamos precisar dos spoilers de sempre.
O filme fala de Fox Rich, uma mulher que, juntamente com seu marido Rob, no início da década de 90, tinha uma loja temática de Hip-Hop, mas tempos difíceis fizeram o casal tomar uma atitude desesperada: assaltar um banco a mão armada. Como resultado disso, os dois foram presos, sendo condenados a sessenta anos de prisão, sem qualquer direito à condicional. Mas Fox conseguiu um acordo para cumprir a pena em doze anos, conseguindo a liberdade, algo que o marido não quis fazer, permanecendo na prisão e preferindo recorrer. A partir daí, o que vemos é toda uma luta de Fox em criar os seis filhos e lutar para tirar o marido da penitenciária.
O filme levanta uma questão. Até que ponto o sistema carcerário americano é uma continuidade do que era a escravidão para os afro-descendentes? Isso é levantado, pois Rob foi condenado a sessenta anos de prisão sem qualquer direito a um relaxamento. Fox divulgava sua história e levantava essa questão em palestras que fazia na Igreja Evangélica que frequenta. Quando surge uma chance de seu marido sair antes do tempo, esperando a deliberação de um juiz, Fox liga diariamente para os órgãos competentes (ou não), numa esperança que vai varando nem os dias, semanas e meses, mas anos, o que enerva Fox, embora isso não a deixe perder o seu foco e continuar nessa luta incessante, bem ao estilo “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.
Com imagens de vídeo da família intercaladas com filmagens para o documentário, vemos uma ida e volta no tempo, onde nada parece mudar muito para Fox nessa tarefa de criação solo dos filhos. É um pouco angustiante a gente ver os filhos de Fox bem pequenos nas imagens mais antigas de VHS e crescidos nas imagens mais atuais, sempre com um totem de papelão do pai em tamanho natural olhando para eles, como se isso fosse uma espécie de pequeno conforto para suprir a ausência do pai e do marido. Mas Fox fez bem o seu dever de casa e um dos filhos acabou na Universidade, estudando ciências políticas para entender melhor todo o contexto das leis, inspirado na situação em que o pai se encontra.
O filme parecia que ia se concluir em aberto, com Fox continuando sua luta para libertar o marido e cuidar dos filhos, já que estamos vendo aqui uma história real e não um filme de enredo que termina num happy end. Mas, contrariando as expectativas, Rob acabou mesmo sendo libertado durante a produção do documentário e temos aqui um happy end improvável que acabou se realizando. Mesmo que Fox tenha sua crença religiosa numa Igreja Evangélica, a moça recebe seu marido na saída da prisão com um traje bem afro, até porque ela também segue uma crença mais ligada à sua ancestralidade. Os filhos que nasceram depois da prisão de Rob acabam o recebendo em casa pela primeira vez, junto com os filhos mais velhos, que há muito não viam o pai (eram crianças pequenas quando ele foi preso). E o velho totem de papelão finalmente foi queimado no lixo, como se purgasse as duas décadas que mantiveram a família sem pai.
Dessa forma, “Time” é mais uma produção que concorre ao Oscar que merece ser vista, pois vivenciamos toda a dificuldade de uma mãe e esposa em criar os filhos e, ao mesmo tempo, alertar a sociedade para a situação dos afro-descendentes no sistema carcerário como uma espécie de continuidade da escravidão nos Estados Unidos. Personagens reais que nos cativam pelo seu sofrimento autêntico.