Vamos recordar mais um lançamento da Aleph do Universo de “Guerra nas Estrelas”. “Um Novo Amanhecer”, escrito por John Jackson Miller (o mesmo autor de “Kenobi”), tem como personagens principais os protagonistas da série “Rebels”. E, segundo Dave Filoni, o produtor executivo e diretor de supervisão da série “Rebels”, o velho conceito de cânone, ou seja, as histórias consideradas “oficiais” pelos detentores dos direitos de “Guerra nas Estrelas”, já não existe mais e, desse ponto em diante, tudo o que é produzido sobre Guerra nas Estrelas, seja em cinema, quadrinhos, “games”, etc., está agora conectado. Assim, “Um Novo Amanhecer” não está incluído na série “Legends”. Devemos nos lembrar que a Aleph publicou livros da série “Legends”, histórias consideradas “não oficiais” por George Lucas, mas nem por isso, menos instigantes. Essa revelação de Filoni é muito importante para que o Universo de Guerra nas Estrelas fique cada vez mais forte.
Mas, e a história de “Um Novo Amanhecer”? Ela tem como protagonista principal Kanan Jarrus, um homem solitário e de espírito muito independente que carrega explosivos para mineração de torilídio na lua de Cynda, que orbita um planeta chamado Gorse. O torilídio é muito importante para o Império, pois ele é usado na construção de naves espaciais e a história se passa numa época em que o Império quer aumentar a sua frota de destróieres estelares (estamos entre os episódios III e IV) para incrementar seu poderio militar. Quem vai supervisionar a produção de torilídio será o Conde Vidian, um ser cibernético altamente frio, calculista e implacável, cuja força descomunal da parte mecânica de seu corpo é usada para aniquilar fisicamente todos aqueles que levemente o desagradam. Pressionado pelas ordens do Império de aumentar a produção de torilídio, o conde impõe aos mineradores e às respectivas empresas mineradoras às quais pertencem, um regime de produção desumano. Há, também, um veterano das Guerras Clônicas, Skelly, que descobriu que as explosões nas minas de Cynda para a extração do torilídio irão destruir a lua em breve, e ele fará de tudo para avisar Vidian sobre isso. E há, ainda, a bela Hera Syndulla, uma Twi’lek (aquelas lindas mulheres verdes com duas trombinhas – ou lekkus – na parte de trás da cabeça) que é uma espiã de uma nascente força rebelde que vai investigar quais são as pretensões do Conde Vidian desde sua chegada ao sistema Gorse-Cynda.
Essa nova história de John Jackson Miller é regada a boas cenas de ação, mais do que foram vistas em sua outra publicação que chegou até nós, “Kenobi”. Como a própria capa do livro “Um Novo Amanhecer” mostra, Kanan e Hera vão se unir para combater os planos maléficos do Conde Vidian com relação aos destinos de Gorse e Cynda. O trabalhador da região mineradora, cujo passado ele quer esconder de todos, se diverte em bebedeiras e brigas de rua, sem qualquer consciência política. Hera será para ele uma nova perspectiva de vida, onde sua paixão pela Twi’lek sempre ficará implícita.
Já o personagem do Conde Vidian é curiosíssimo. Precisarei dar uns spoilerzinhos aqui. É muito curioso perceber como Miller abordou o Império e seus asseclas neste livro. Ele colocou como uma das faces mais más dessa força do mal a exploração econômica e a corrupção, coisas com as quais estamos muitos familiarizados em terras tupiniquins. O personagem do Conde Vidian é emblemático nesse sentido, pois ele era um funcionário público insignificante nos tempos da República, que gostava de fazer tudo certinho, enquanto via outros funcionários corruptos procedendo da velha e conhecida forma do “armar para se dar bem”. Mas Vidian fora acometido de uma doença degenerativa e, enquanto jazia no leito do hospital, decidiu “entrar no esquema” e começou a acumular poder com uma conta bancária falsa (eu já ouvi isso em algum lugar).
Fazendo todo o tipo de armação, ele enriqueceu e o Império só foi um suporte que ele utilizou para se tornar uma figura muito poderosa e implacável. Ou seja, o vilão principal da história é um bom exemplo de como zés preás que não são nada podem utilizar governos ditatoriais para acumular poder e destilar toda a sua mágoa e sentimento de vingança nas costas dos outros por ter passado por uma vida vazia e medíocre. Esses exemplos não faltam por aí e creio que Miller acertou na mosca ao construir Vidian dessa forma. A sanha do Império em aumentar a produção de torilídio, não importa como fosse, explorando economicamente e de forma muito severa empresas mineradoras e seus empregados, onde o bem estar dos trabalhadores e suas vidas pouco importavam, foi outro elemento atraente na história, que nos remete aos primeiros anos da Revolução Industrial lá no século XVIII, onde o capitalismo totalmente selvagem explorava os trabalhadores até os limites da resistência humana e além. É por isso que a literatura de “Guerra nas Estrelas é tão importante a meu ver, pois os escritores dão uma nova forma de se enxergar a franquia e dão um tom de seriedade e reflexão à saga que George Lucas não dava (o criador de “Guerra nas Estrelas” parecia às vezes estar mais preocupado com Ewoks, formigas brancas tocando PVC ou Jar Jar Binks, sendo eu nunca o perdoarei por esse último!).
Assim, “Um Novo Amanhecer” foi mais um tiro certeiro da Aleph, pois vemos aqui a gênese da rebelião contra o Império, encabeçada por dois personagens que, se não são Han, Luke, Leia ou Kenobi, são também cativantes e levam mais interesse do público à série “Rebels”. E tem o grande mérito de mostrar o Império numa forma capitalista e exploratória, algo que vemos em algumas ditaduras sanguinárias por aí, mas também em países que se orgulham de dizer que têm governos democráticos e liberais. É “Guerra nas Estrelas” deixando de ser só um entretenimento juvenil para se tornar um produto cultural mais reflexivo. Como eu ansiava por esse dia!