Batata Movies – Silêncio. A Fé Move Montanhas Mas Não Transforma Ilhas.

Cartaz do Filme

Martin Scorsese tinha um projeto antigo: o de fazer um filme sobre a perseguição aos cristãos no Japão do século XVII. Por anos a fio, ele buscou concretizar seu filme, mas não conseguia. Até que, finalmente, Scorsese realizou “Silêncio”, e agora o temos em mãos. E o que podemos dizer desse filme? Nada menos do que uma obra-prima. Essa é uma daquelas películas que entrarão para o rol das melhores feitas por Scorsese. Também pudera. Como ele teve muitas dificuldades em fazer esse filme, assim que teve a oportunidade, o ítalo-americano a aproveitou com muito amor. E, quando você faz as coisas com amor, você faz muito bem.

Um padre desapaecido

No que consiste a história? Dois jesuítas portugueses, Padre Rodrigues (interpretado pelo “Homem Aranha” Andrew Garfield) e Padre Garupe (interpretado pelo “Kylo Ren” Adam Driver) estão muito angustiados com o sumiço do Padre Ferreira (interpretado por Liam Neeson) em missão no Japão, um país conhecido por rechaçar com muita violência qualquer tentativa de implementação do cristianismo, pois já tinha estabelecida a religião budista (importada da Índia) e a xintoísta. Considerando que o cristianismo era uma influência estrangeira e uma ameaça à cultura local, as autoridades japonesas simplesmente executavam todos os camponeses que se convertiam. É para esse país que os dois jovens jesuítas viajarão à procura pelo Padre Ferreira que, segundo as últimas informações, tinha renunciado à Deus e vivia como um japonês. Ao chegarem ao Japão, os padres foram acolhidos por uma pequena comunidade camponesa cristã que vivia bem escondida, temerosa da perseguição de um tal “inquisidor”. Os dois padres inicialmente vivem escondidos por lá, mas ficam no dilema de que precisam procurar o Padre Ferreira, e necessitam se arriscar mais. Até que, um dia, os representantes do governo japonês chegam à caça dos cristãos. É o momento em que a película se tornará extremamente tensa e pararemos com os “spoilers”.

Dois padres numa missão de resgate

Vamos lá. Por que esse filme foi tão bem? Em primeiro lugar, o diretor e o roteirista Jay Cocks (Scorsese também assina o roteiro e a história é baseada no romance de Shusaku Endo) tiveram o cuidado de trabalhar muito bem o embate entre as duas culturas, ou seja, a lógica do Antigo Regime e do catolicismo, com a sua arrogância em levar a sua verdade para outros povos, em contraposição à da cultura japonesa vigente do xogunato, que precisava manter a sua estabilidade política num histórico de muitos períodos de caos e disputas entre senhores feudais japoneses durante os séculos a fio de xogunato. Se num primeiro momento, os japoneses são vistos dentro de um estereótipo plano de violência, num segundo momento vemos um debate entre as visões de mundo do catolicismo de Rodrigues e do budismo do Inquisidor. Ambos discutiam onde suas religiões se aproximavam e se afastavam e até onde o catolicismo era viável ou não no Japão. Tais debates foram o grande fator motivador do filme e não o choque violento provocado pelas atrocidades japonesas em si. Em segundo lugar, as atuações dos atores. Andrew Garfield rouba as ações. Esse é mais um filme onde a gente se esquece de que ele é o Homem Aranha. Sua interpretação de um padre atormentado pelo silêncio de Deus perante à matança de fiéis foi simplesmente soberba e convenceu bastante. Pena que o filme não tenha dado tanto espaço a Adam Driver. Depois de tantos comentários até um pouco maldosos sobre sua atuação em “O Despertar da Força”, seria legal vê-lo tendo uma oportunidade em algo diferente. E aí chegou a oportunidade dele com Scorsese, um diretor consagrado. Só que, comparada a Garfield, sua atuação caiu mais para a de coadjuvante, o que foi uma pena. Liam Neeson, nos poucos momentos em que apareceu, também esteve muito bem. Mas quero fazer aqui um destaque todo especial aos atores japoneses que participaram da película. Yosuke Kubozuka interpretou Kichijiro, uma espécie de “Judas recorrente” para o padre Rodrigues. Tadanobu Asano fez o intérprete de Rodrigues e conseguiu ser muito intenso nos momentos de cortesia e nos momentos de tortura psicológica. Agora, quem realmente deu um show foi o ator Issei Ogata, no papel de Inquisidor. Ele conseguia ser delicado, cortês e muito sábio, mas simultaneamente conseguia ser extremamente ameaçador, despertando o respeito de Rodrigues. Uma grande atuação que ajudou o filme a afastar os estereótipos para com os japoneses. Foi um verdadeiro deleite ver esses atores ocidentais e orientais trabalhando juntos.

Um respeitável inquisidor

O filme, por sua vez, também tem seus probleminhas. Em primeiro lugar, o xintoísmo foi praticamente esquecido ao longo de todo o filme (só em um pequeno momento, o Padre Ferreira o cita muito levemente), sendo dado um foco maior no budismo, o que foi uma pena. Ainda, o filme pareceu demasiado longo (cerca de duas horas e quarenta minutos) e com um ritmo um tanto lento. Talvez ele pudesse ser um pouco mais enxugado e com mais debates entre Rodrigues e o Inquisidor. Se isso acontecesse, talvez a película passasse mais rápido aos olhos do espectador, que se apavorou com as atrocidades japonesas. Mas, apesar disso, não podemos deixar de dar uma certa razão aos japoneses. É só a gente se lembrar do que aconteceu com os índios por todo o continente americano durante a colonização, onde o genocídio e o etnocídio foram a tônica.

Scorsese em ação

Assim, “Silêncio” é um filmaço de Scorsese, feito com muito amor e carinho, e que levanta questões muito pertinentes sobre embates culturais do Oriente e do Ocidente. Imperdível! Daqueles que a gente compra o DVD para ver, ter e guardar.

 

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