Batata Movies – Balada De Um Soldado. Tudo Pelo Amor De Uma Mãe.

                 Cartaz do Filme

Continuemos a falar da mostra “Nouvelle Vague Soviética” da Caixa Cultural do Rio de Janeiro. O filme a ser analisado de hoje é “Balada de um Soldado”, de Grigory Chukhrai. Essa película de 1959 e de 88 minutos é mais um filme que aborda a temática da Segunda Guerra Mundial. Embora esse filme trabalhe uma temática tão pesada quanto a guerra, podemos dizer que é talvez uma das películas mais delicadas de toda a mostra.

Um soldado e seu superior…

Vemos aqui a história do soldado Alyosha Skvortsov (interpretado por Vladmir Ivashov), responsável pelas comunicações no front, e que se viu prestes a ser esmagado por um tanque alemão. Por sorte sua, ele conseguiu atirar no tanque com uma espécie de morteiro e destruí-lo.

Ajudando um soldado a se reencontrar com a esposa…

Como se não bastasse, ele destruiu mais outro tanque. Tratado como um herói por seu superior, Alyosha iria receber uma condecoração, mas preferiu trocá-la por seis dias de licença para visitar a sua mãe. O rapaz inicia, então, sua viagem de trem, onde ele vai se deparar com uma série de imprevistos, onde seu grande altruísmo e capacidade de ajudar as pessoas atrasam sua viagem, mas acabam valendo a pena como experiência dignificante e humanizadora.

O casal mais fofo da História do Cinema Soviético, quiçá russo, quiçá mundial!!!

Ele ajuda um soldado ferido de guerra a retornar à sua mulher (ele havia desistido disso, por ser extremamente ciumento e achar que a esposa merecia homem melhor), cuidou de feridos num trem que ele estava e foi bombardeado pelos alemães e, principalmente, ajudou uma mocinha chamada Shura (interpretada pela deslumbrante Zhanna Prokhorenko) a chegar a casa de sua tia. Ao final, ele teve apenas um curtíssimo espaço de tempo para ficar com sua mãe, mas ficou a sensação de tudo o que aconteceu na sua viagem foi uma experiência que o engrandeceu. O filme deu a entender que ele foi morto em combate e que ele ia ser lembrado somente como um soldado. Mas, ao mesmo tempo, fica a clara impressão que a película quer exaltar a figura do soldado russo que defendeu seu país durante a Segunda Guerra Mundial.

Ah, mas eles merecem outra foto!!!

O mais lindo momento desse filme ficou a cabo do relacionamento entre Alyosha e Shura. Esse, provavelmente é o casal mais fofo da História do Cinema Soviético, quiçá Russo, quiça mundial!!! Poucas vezes foi vista uma química tão grande entre dois atores.

O breve reencontro com a mãe…

Obviamente, a doçura de Zhanna Prokhorenko ajudou muito, mas Vladmir Ivashov também muito contribuiu para a forte sinergia do casal. A belíssima fotografia e os closes dos belos semblantes cimentavam e davam acabamento à toda a obra. Esse casal é uma pequena e terna joia que glorifica e dá um tom todo especial a essa mostra, que exibiu ótimos filmes e atraiu grande público.

A mãe vendo um filho que vai embora mas não irá voltar…

Assim, “Balada de um Soldado”, apesar de ser uma obra com tons leves de propaganda, ainda assim encanta pela belíssima fotografia, pela interpretação de seus atores e pela mensagem positiva e altruísta. Um filme que merece ser guardado com carinho no fundo de nossos corações e almas. Um filme de um casal fofíssimo.

O diretor Grigory Chukhrai, responsável por essa pequena joia…

Fique agora com o belo momento desse casal no primeiro vídeo e assista ao filme na íntegra com legendas em português no segundo vídeo. É só clicar na engrenagem no canto direito do vídeo e selecionar a opção traduzir automaticamente e escolher o idioma português. Como a Mosfilm bloqueia a transmissão aqui, clique nos dois filmes a opção “assista no youtube”.

 

Batata Movies – A Ascensão. A Imolação De Um Povo.

Cartaz do Filme, curiosamente em alemão

Ainda dentro de nossas análises dos filmes da Mostra “Nouvelle Vague Soviética”, realizada na Caixa Cultural do Rio de Janeiro em fins de maio e começo de junho, vamos falar hoje do bom filme “A Ascensão”, realizado por Larisa Sheptiko (a mesma diretora de “Roda Elétrica”, um filme que, junto com “Anjo”, de Andrei Smirnov, compõe o filme “O Início de Uma Era Desconhecida”, analisado aqui) no ano de 1977 (dois anos antes da morte da diretora) e com duração de 111 minutos. Esse é mais um filme que aborda a temática da Segunda Guerra Mundial.

O bom ator Anatoliy Solonitsyn, na pele de um implacável funcionário do Partido Nazista (em primeiro plano, de chapéu negro)…

A história fala de dois soldados guerrilheiros Partisans, Sotnikov (interpretado por Boris Plotnikov) e Rybak (interpretado por Vladimir Gostyukhin), que enfrentam o frio e os nazistas para arranjar comida para suas tropas. Mas eles acabam parando na casa de uma mãe de três crianças e sendo descobertos pelos nazistas por lá, sendo todos presos, com exceção das crianças. Como alguns soldados nazistas foram assassinados, eles acabaram sendo incriminados e interrogados. É nessa hora que vamos descobrir quem tem a coragem para dar a vida pela causa que luta e quem rapidamente se entrega pensando apenas em salvar sua vida.

Sotnikov e Rybak, partisans fugindo dos nazistas…

É um filme sem final feliz. Um filme que mostra toda a imolação do povo russo, o que mais teve perdas com as duas guerras mundiais. E um filme que faz a gente odiar nazistas, pois eles espezinham seus prisioneiros o tempo todo, não havendo qualquer vislumbre de esperança à vista. O destino de nossos protagonistas já está selado e, dessa vez, nem a cavalaria (nem o Exército Vermelho) vai chegar. O filme também aborda a questão do colaboracionismo, onde um antigo morador da vila, com estudo universitário e que parece ter o rei na barriga, interroga os prisioneiros e se traveste de funcionário do Partido Nazista.

Os flagelos da tortura…

Cabe ressaltar aqui a excelente atuação de Anatoliy Solonitsyn, que interpretou esse funcionário. Sua fronte gélida era assustadora e deu bastante impacto dramático à película, sobretudo no interrogatório do soldado Sotnikov, esse sim eleito o personagem mais nobre do filme, que não esmoreceu por nenhum momento e resistiu à sessão de torturas para não entregar o seu destacamento. Já com Rybak aconteceu exatamente o oposto, rapidamente colaborando com os nazistas para salvar a sua vida, mas carregando o fardo de Judas por sua covardia, que o colocava numa espécie de letargia, totalmente paralisado pelo medo. Sei não, o filme deixou bem clara a condenação desse personagem, mas fica aqui a pergunta: o que faríamos em seu lugar? Aguentaríamos a pressão da tortura e do medo de forma tão nobre como Sotnikov?

O medo de uma criança na hora da execução. Imagens fortes que atestam o ótimo trabalho da diretora…

Dá mesmo para condenar Rybak de forma tão sumária? Em tempos de guerra e na pedagogia da obediência, talvez sim. Mas, e em outros parâmetros? Difícil encontrar uma resposta definitiva. Sotnikov parece transcender a tudo em sua nobreza, mas talvez a entrega de Rybak não possa ser condenada sumariamente em qualquer circunstância.

A bela e competente diretora Larisa Sheptiko, falecida prematuramente…

Polêmicas à parte, “A Ascensão” é mais um grande filme da Mostra “Nouvelle Vague Soviética”, organizada na Caixa Cultural do Rio de Janeiro. Mais um filme sobre Segunda Guerra Mundial, desesperançoso toda a vida, mas que ensina o valor de sucumbir por seus ideais. Mais um filme que traz um convite à reflexão nessa surpreendente mostra. Vamos colocar abaixo dois momentos do filme: a cena do interrogatório (onde podemos ver as grandes atuações) e a cena final da execução. No primeiro vídeo, você pode colocar o filme com legendas em português. Clique na engrenagem do canto inferior direito, selecione a opção traduzir automaticamente e escolha português. Como a Mosfilm bloqueia a transmissão do vídeo aqui, clique na opção Assista no Youtube.

https://www.youtube.com/watch?v=5klDFscj420

 

Batata Movies (Especial Nouvelle Vague Soviética) – A Escrava Do Amor. Fazendo Cinema Em Dias De Guerra Civil.

Cartaz do Filme

Dentro de nossas análises dos filmes da mostra “Nouvelle Vague Soviética” na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, falemos hoje de “Escravas do Amor”. Essa película, dirigida por Nikita Mikhalkov, realizada em 1976, com duração de 96 minutos, aborda mais uma vez o tema da guerra civil entre os russos brancos e os russos vermelhos, ocorrida entre 1918 e 1921. Como já foi dito nas resenhas dos filmes “A Comissária” e “O Início De Uma Era Desconhecida”, após a Revolução Socialista de Outubro de 1917 e da subida dos bolcheviques ao poder (os russos vermelhos), os russos adeptos do capitalismo e do Czar deposto Nicolau II (ou seja, os russos brancos) se uniram a uma força estrangeira de quinze países capitalistas que temiam que o socialismo avançasse entre seus trabalhadores e ameaçasse a estabilidade de seus governos, deflagrando a Guerra Civil de três anos contra a Rússia, terminando coma vitória dos russos vermelhos mas mergulhando o país numa profunda crise econômica. Houve até casos de canibalismo em virtude da falta de comida, algo com o qual os países capitalistas fizeram troça, dizendo que “comunista come criancinha”. A situação piorou mais ainda depois que os países capitalistas, derrotados pela guerra, fizeram um bloqueio econômico à Rússia que teve o nome de péssimo gosto de “cordão sanitário”.

Olga, uma estrela fútil em anos de turbulência

Do que consiste a história do filme? Estamos no ano de 1920, numa pequena cidade do sul da Rússia sob o controle do Exército Branco. Uma equipe de filmagem realiza uma película intitulada “A Escrava do Amor”, estrelada pela estrela Olga Nikolayevna Voznesenskaya (interpretada pela belíssima Elena Solovey). A moça é cheia de trejeitos e manias, como toda grande estrela tem, trazendo momentos engraçados para a película. Mas os horrores da guerra civil estão mais próximos do que se imagina e atropelarão as filmagens com muita força, transformando a vida de todos que estão ali.

Filmagens igualmente turbulentas…

Esse é um filme que tem características muito bem definidas. Em primeiro lugar, a película prima por um senso estético muito bem elaborado e sofisticado. É uma película com um caleidoscópio de lindas imagens, onde locações, figurino e o belo semblante de Elena Solovey ditam as regras dessa apologia à beleza. Em segundo lugar, temos uma comédia levinha, que torna a película muito agradável de se assistir em cerca de 80% de sua duração. O filme também mostra detalhes das filmagens de uma película muda, o que ajuda a gente a entender como era a execução de um tipo de filmagem que hoje em dia não mais ocorre. Mas a grande surpresa está reservada mais ao final. A violência dos inimigos russos brancos dão um desfecho altamente sombrio e desesperançoso a um filme que primava por um capricho um tanto burguês em boa parte de sua execução. A própria Olga, em seus ataques de depressão, se dizia arrependida em fazer um filme considerado um tanto fútil numa época tão turbulenta quanto a guerra civil.

O diretor Nikita Mikhalkov

Assim, “A Escrava do Amor” consegue ser um filme cheio de alternativas, começando por uma estética altamente refinada, passando por uma comédia leve e agradável, indo até um desfecho sombrio e trágico. Uma curiosidade interessante na mostra “Nouvelle Vague Soviética” na Caixa Cultural do Rio de Janeiro. Fiquem agora com o desfecho desse filme, com legendas em inglês. O vídeo está bloqueado pela Mosfilm para ser exibido aqui. Para assiti-lo, clique na imagem e depois no link “assista no youtube”.

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas, Voyager (Temporada 5, Episódio 4). Carne E Osso. A Importância De Uma Boa Diplomacia.

Falemos da série “Jornada nas Estrelas, Voyager”. Vamos hoje fazer a análise de “In The Flesh” (no Brasil, “Carne e Osso”), o quarto episódio da quinta temporada. Acima de tudo, a mensagem aqui é a de boa vontade e confiança, num contexto altamente explosivo que é o de uma situação beligerante com uma espécie alienígena. Ainda mais quando se trata da temida espécie 8472.

Chakotay e uma investigação…

Façamos uma rápida apresentação do episódio. Vemos Chakotay perambulando pelo QG da Federação em São Francisco, algo que causa estranheza logo de cara, já que sabemos que a Voyager faz a sua longa viagem do Quadrante Delta para o Quadrante Alfa. Vemos algo que se parece muito familiar e prosaico mas, na verdade, tudo aquilo se trata de uma conspiração alienígena que simula a vida entre terrestres. Chakotay se encontra ´com Tuvok, que também espiona aquela forma alienígena de vida travestida de terrestre e, ao tentarem se transportar para a Delta Flyer, que está próxima à nave espacial onde acontece a simulação, Tuvok e Chakotay são flagrados por um jovem alferes, que acaba sendo aprisionado e levado para a Voyager. Lá, descobre-se que a espécie que faz a tal camuflagem é a temida 8472. Chakotay volta a investigar mais de perto, mas acaba aprisionado, sendo blindado contra qualquer ataque da Delta Flyer. Só resta à Voyager abordar a nave e começar uma negociação com a espécie beligerante. Mas logo fica claro que os temidos alienígenas têm tanto medo dos humanos quanto os humanos têm medo da espécie 8472. Assim, as coisas terão que ser resolvidas na base de muita conversa e votos de confiança.

A temida espécie 8472…

Passada a pequena sinopse, podemos constatar aqui que as palavras de ordem desse episódio são a diplomacia e o bom entendimento. Tudo aquilo que desconhecemos, nós tememos. E aí, a espécie 8472, que os borgs não conseguiram assimilar, é pintada como um bicho bem aterrorizante e feio. O problema é que tal espécie fazia o mesmo juízo dos humanos e dos borgs, reagindo de forma violenta como que usando apenas um instinto de sobrevivência. O próprio ato de se disfarçarem de humanos para se infiltrarem no QG da Frota Estelar tinha o objetivo único de ficar observando os passos do inimigo e conhecê-lo melhor. Com ideias tão semelhantes uns dos outros, humanos e a espécie 8472 tiveram óbvios problemas de relacionamento ao estabelecerem conversações para se chegar a um acordo comum.

Diplomacia num momento delicado…

Coube à Janeway a cartada mais arriscada, que foi a de abaixar a guarda (e suas armas) como um gesto de confiança, funcionando como um puro e simples ato de fé, algo que intriga Sete de Nove, onde sua mente cartesiana borg insistia em que se mantivesse a guarda levantada. Entretanto, isso acabaria levando ao conflito. Por fim, fica claro que aquele é um gesto apenas local, pois as verdadeiras lideranças da espécie 8472 (sempre os alienígenas!) não viam com bons olhos todo aquele espírito pacífico e cordial entre os setores de cada povo. De qualquer forma, a semelhança entre a espécie 8472 e pessoas do QG da Frota fizeram com que o relacionamento ficasse mais familiar e agradável, até por que o líder da espécie 8472 estava com a forma do jardineiro do QG, uma figura amada por todos, chegando ao ponto de fornecer rosas a Janeway como o verdadeiro jardineiro fazia na Terra.

Janeway e o antigo jardineiro…

Assim, o episódio “Carne e Osso” nos mostra mais uma vez o verdadeiro espírito de “Jornada nas Estrelas”, onde o respeito às diferenças e uma retórica baseada na compreensão e tolerância são as atrações principais. E isso se torna mais marcante, ainda mais quando é feito com uma espécie de aparência e atos tão assustadores quando a espécie 8472, Vale a pena dar uma conferida.

https://www.youtube.com/watch?v=aX0Fm1M6cXk

Batata Literária – Fantasmas do Passado

Ando pela fazenda verdejante

Muitas árvores diferentes

Folhas cada vez mais lindas que outras

Quero colocá-las no meu cabelo

Arranco algumas

Mas, subitamente, sou interrompido

Pelos gritos infernais

De quem se diz devoto de Deus

 

Os gritos não pararam aí…

Fomos expulsos da fazenda

Como Adão e Eva o foram do paraíso

Brados, ofensas e xingamentos

Afetaram profundamente meus sentimentos

A humilhação me assolava

E o ódio me despertava

Desde criança, já me encucava

 

Na volta para casa

Mais berros repugnantes, dor e provação

Havendo, mais tarde, a deserção

E a covardia da econômica situação

Levando, mais uma vez, à pesarosa humilhação

Perguntava-me eu: por que tanto ódio?

Por que tanta intriga?

Por que tanta tirania?

 

Hoje, os algozes estão mortos

Memórias preservadas em jazigos perpétuos

Minha vida mudou, fui para a frente

Mas os fantasmas continuam vivos

E, volta e meia, eles despertam

Exercendo, dentro de mim, influência demoníaca

Abrindo antigas feridas

E me lembrando de tudo que não devo fazer…

 

Batata Movies – No Intenso Agora. Análise De Imagens (Quase) Perdidas.

Cartaz do Filme

Todos nós sabemos da qualidade dos irmãos Salles em termos de cinema. Walter Salles Jr. é um nome de excelência em termos de enredo e João Moreira Salles se especializou mais na arte do documentário. É o irmão mais novo, João, que lançou, há algum tempo, mais uma de suas obras-primas, o excelente documentário “No Intenso Agora”. Mesclando um quê jornalístico com uma memória afetiva, o cineasta monta todo um filme especial, numa colcha de retalhos de fragmentos de uns filmes caseiros, outros nem tanto.

Revolução Cultural. As imagens de leitura mais intimista…

O escopo principal do filme está centrado em vários movimentos sociais da década de 60: a Revolução Cultural Chinesa de Mao, a Primavera de Praga, o maio de 1968 parisiense, os movimentos de protesto contra a ditadura militar brasileira, também em 1968. O documentarista analisa as imagens produzidas naquele período, seja por cineastas, seja por amadores, seja por movimentos de trabalhadores. Infelizmente, a disponibilidade de material que sobreviveu ao tempo e à censura dita o peso de cada um desses movimentos no filme. Como a França teoricamente é o país mais rico e democrático dos registrados aqui, o movimento de maio de 1968 em Paris ganha maior destaque no filme, justamente porque foi o mais ricamente documentado. Já a Revolução Cultural de Mao ganha um viés mais caseiro, em filmes particulares da mãe de Salles, sendo talvez a parte mais intimista de todo o filme, não sem abandonar um ponto de vista mais jornalístico. Por se tratar, talvez, de um dos filmes de mais curta duração, as imagens dele recorrentemente aparecem ao longo da película, sendo estas as que mais se impregnam em nossa memória. É notável perceber como essas imagens são relidas pelo texto de Salles, a cada nova aparição, dando um tom de ineditismo ao já dito no materialismo das imagens.

Maio de 1968 parisiense. O movimento mais documentado…

Notáveis são os filmes da Primavera de Praga. Mesmo que os cineastas desses fragmentos tenham tido uma certa liberdade de mostrar o avanço soviético em seu início, o ambiente opressor soa mais pronunciado que nos filmes dos demais movimentos. Filmagens escondidas de dentro de apartamentos ou de telas de televisão no interior de salas escuras, onde ocorre a posse de elementos “oficiais” do governo pró-soviético, dão um tom de clandestinidade ao registro.

O 1968 brasileiro merecia mais destaque…

Só é um tanto lamentável que a manifestação brasileira tenha tido tão pouco espaço no filme, e ainda assim para servir de contraponto a um caso de suicídio de um manifestante em Praga. Os relatos brasileiros mereciam um espaço um pouco maior. Mas, cabe aqui a dúvida: será que eles são tão ínfimos por escolha do diretor ou porque a repressão em terras brasileiras foi tanta que tornou os registros ínfimos em sua essência? Foi uma questão de escolha, seletividade, recorte, ou foi uma questão de imposição da própria precariedade do material produzido durante violenta repressão?

O diretor João Moreira Salles

De qualquer forma, “No Intenso Agora” é um grande documentário, pois ele consegue fazer com magnificência três coisas básicas: um relato familiar profundamente pessoal e afetivo; consegue registrar de forma um tanto jornalística todo um ambiente de luta pela liberdade inerente àquela época, que se manifestava de formas diferentes em lugares diferentes; e fazia toda uma leitura das imagens, analisando-as e comparando-as com outras imagens de outros contextos. Essas três características não se manifestavam de forma compartimentada e estanque, mas sim interligadas e relacionando-se mutuamente, o que dá excelência e grandeza a esse bom documentário, cujo ato de assisti-lo se torna assim um programa imperdível. Filme essencial para amantes de Cinema, de História, e de uma trama contada com o coração.