Mais um filme que passou no Festival do Rio 2018 a ser analisado aqui. “Terra Firme” é dirigido por Carlos-Marques Marcét e tem a nobre presença de duas atrizes da linhagem de Charlie Chaplin: sua neta Oona e filha, Geraldine Chaplin (que é mãe de Oona). O simples fato de ver as duas contracenando juntas já é motivo de sobra para meter a mão no bolso e pagar o ingresso para ver esse filme. Mas existem mais outros atrativos nessa película: a história que é contada aqui.
Temos um casal, Eva (interpretada por Oona Chaplin) e Kat (interpretada por Natalia Tena). As duas moram num barco que fica circulando pelos canais de Londres. Um belo dia, elas recebem a visita de Roger (interpretado por David Verdaguer), um espanhol descoladaço e muito louco, que vai chegar numa hora, digamos, inusitada: é que Eva quer ter um bebê, e Kat torce o nariz para essa ideia. Entretanto, as duas acabam concordando na vinda de um pimpolho e será Roger que doará o “peixe”.
Na primeira tentativa (onde Kat insemina Eva), o bebê não aparece. Mas aparece na segunda tentativa de inseminação. O problema é que Kat não faz muita questão de acompanhar todo o processo, ao contrário de Roger, que está animado com a ideia de ser “pai”, já que a família será Kat, Eva e a futura criança, com Roger tendo direito a visitas. Mesmo assim, Roger está muito animado com a gravidez e acaba ficando mais presente que Kat, que se afasta desse estranho triângulo amoroso, com direito a uma afeição filial.
Esse é o tipo de filme que mostra como os relacionamentos humanos estão sofrendo transformações e novas questões e situações de ordem afetiva têm surgido. Um casal homoafetivo que tem um filho, cujo doador de esperma não é um anônimo e sim um amigo da família. Isso trará algumas neuras, embora uma questão ancestral (o fato de um dos parceiros da relação não querer o filho) é o que mais dita as regras aqui. É claro que o desfecho para isso não vai ser fácil, embora ele tenha sido concebido em aberto e trazendo alguma esperança, depois de pesadas turbulências.
E os atores? Eles tiveram um certo trabalho, já que os personagens que interpretavam tinham um comportamento um tanto paradoxal. Oona Chaplin foi muito bem e impressiona com sua Eva altamente sensível mas que sabe muito bem o que quer, enquanto que Tena faz o lado mais “masculino” da relação e fica, entretanto, altamente vulnerável quando sente que pode perder sua amada, chegando a se humilhar perante Eva. Duas figuras humanas com as fragilidades expostas à flor da pele e comportamentos um tanto ambíguos. Essa ambiguidade também é vista em Verdaguer, que convence como o porra-louca inconsequente e, também numa virada paradoxal, assume uma profunda responsabilidade referente à paternidade. De qualquer forma, os três protagonistas mostram perfis da fragilidade humana e é impossível o espectador não nutrir uma empatia por eles. Já Geraldine Chaplin aparece pouco com sua personagem Germaine, mas mergulha também nesse comportamento mais paradoxal. Ao mesmo tempo que é uma budista e tinha uma mentalidade progressista no passado, ela não consegue se adaptar muito bem às vertentes frenéticas em que sua filha se envolve, achando que um relacionamento à dois já é muito complicado, imagine um relacionamento a três? E, por mais que ela tenha sido chamada de conservadora por Kat, ao fim das contas, tudo que Germaine temia acaba acontecendo.
Assim, “Terra Firme” é um filme de relacionamentos humanos, personagens paradoxais, duas atrizes da linhagem de Chaplin e, principalmente uma história em que como pode ser difícil um relacionamento, quando os pares (ou trios) não querem exatamente a mesma coisa. Vale a pena procurar, pois é mais um convite à reflexão.