O quinto episódio de Jornada nas Estrelas Discovery, “Morrer Tentando”, é mais um daqueles em que a tripulação da nave tem que provar suas boas intenções num século 32 cheio de desconfianças. Para podermos falar do episódio aqui, os spoilers estão liberados. Esse episódio foi escrito por James Duff e Sean Cochran.
Qual é o plot? A Discovery finalmente chega à sede da Federação e todos na tripulação ficam maravilhados com naves como a Voyager-J ou a Nog. Mas, quando falam com o Comandante em Chefe da Frota Estelar, Charles Vance, a coisa não fluiu muito bem, pois não há dados sobre a Discovery ou o Anjo Vermelho. Para piorar, a Discovery, ao viajar no tempo, quebrou regras de um acordo que evitava viagens temporais para alterar o passado (vide Enterprise e sua Guerra Fria Temporal) e, assim, é considerado que foi cometido um crime. Dessa forma, a tripulação da Discovery terá que provar sua fidelidade à Federação. A Discovery irá para reformas e a tripulação será interrogada, readaptada e realocada. Burnham, obviamente, sobe nas tamancas e já quer violar as regras. Há um grupo de refugiados alienígenas que tem uma doença para a qual não existe cura. Burnham quer a lista de onde esses alienígenas estiveram para investigar e buscar uma cura. Mas Saru deixa bem claro que não vai desrespeitar ordens de seus superiores na Frota nem que roubará propriedade da Federação, como Burnham sugeriu.
Saru comunica à tripulação que ela será separada e todos fazem carinha de birra de criança de três anos. Hologramas fazem interrogatórios e não entendem o comportamento um tanto bizarro dos interrogados, que, recorrentemente, praticavam o ato de insubordinação de uma forma até meio malcriada (a velha e irritante violação da hierarquia militar que vemos em Discovery, onde oficiais graduados se comportam de um jeito totalmente infantil). Dentre esse interrogatório, temos um destaque especial para Georgiou que, com piscares de olhos na mesma frequência dos hologramas, consegue desativá-los. Mas há um senhor, bem humano, que a começa a interrogar Georgiou (interpretado pelo lendário diretor David Cronenberg, de “Scanners”, “A Hora da Zona Morta” e “A Mosca”!!!). E esse interrogatório foi a melhor parte do episódio disparado, pois esse senhor, de nome Kovich, conseguiu deixar Georgiou muito bolada, pois ele falou que o Império Terrano caiu há mais de quinhentos anos e que não houve qualquer travessia do Universo Espelho para o nosso Universo desde que Georgiou atravessou. Georgiou ainda quis manter sua marra, dizendo que, no nosso Universo, a fraqueza de uma pessoa é outra pessoa. E Kovich rebateu dizendo que isso pode explicar por que Georgiou veio para o nosso Universo, pois ela gosta de alguém aqui (adivinha quem???). Ou seja, a maligna e perversa Imperatriz tem uma fraqueza humana, que é gostar de outra pessoa. Já estava na hora de Georgiou tomar um rabo de arraia desses na série.
Burnham e Saru vão atrás da tenente Willa, chefe de segurança de Vence, pedindo a lista das viagens dos alienígenas doentes. Burnham insiste, sendo um pouco mais diplomática e Willa diz que vai falar com Vance. Eles conseguem a lista e veem um planeta chamado Urna, que tinha várias indústrias que envenenavam o planeta. Provavelmente os alienígenas pararam no planeta e consumiram alimentos contaminados. O mais interessante é que toda a tecnologia do século 32 não conseguiu detectar isso mas Saru e, principalmente, Burnham, conseguem apresentar a solução do problema, numa forçada de barra. Para curar a doença, serão necessárias amostras saudáveis das plantas consumidas pelos alienígenas. Burnham (sempre ela) diz que havia uma nave da Federação que guardava amostras de sementes de vários planetas da galáxia, a U. S. S. Tikhov. Vence diz que essa nave ainda existe, mas está a cinco meses de distância. Burnham se lembra do motor de esporos da Discovery. Vance ordena Willa que prepare uma equipe para pilotar a Discovery. Burnham diz, de forma malcriada, que a tripulação da Discovery já está pronta para fazer a missão. Vance adverte Burnham contra o seu tom. Saru, diplomaticamente, pede a Vance que a equipe da Discovery seja enviada, com a Burnham como capitã da nave, enquanto Saru se oferece para ficar com Vance para ajudá-lo, por uma questão de confiança. Vance autoriza Burnham a ir, mas com Willa. E, se ela não voltar logo, as conseqüências recairão sobre Saru. Pronto. Agora Burnham será a capitã da Discovery e sua marra subirá a níveis insuportáveis. A Discovery vai para onde a Tikhov está e a nave está numa turbulenta nebulosa. A Discovery consegue tirar a nave da nebulosa com o raio trator e parece que uma família Barzan (da espécie de Nhan) tomava conta da nave. Nhan vai no grupo avançado, juntamente com Culber e, obviamente, Michael. Na Tikhov, eles encontram um holograma da família que guarda as sementes, e a família cantava a mesma melodia do violoncelo de Adira. Nhan mexe no histórico dos hologramas e descobre que a nave passou por uma tempestade de íons. Culber encontra os corpos da família, exceto do pai. Burnham entra no cofre das sementes por teletransporte, mas não consegue acessar o código. O pai da família, Attis, a ataca, defendendo as sementes, e desaparece estranhamente, como se estivesse fora de fase. Burnham entra em contato com Stamets, Tilly e Reno e explica a situação de Attis. Eles conseguem fazer uma tecnobabble meio chula, que inclui um “arroto figurado” e Willa, do século 32, nada entende sobre essa tecnobabble, constituindo-se em mais um furo de roteiro. Attis reaparece e é teletransportado para o cofre, onde está Burnham e os demais. Nhan tenta convencer Attis a ceder as sementes, sem sucesso. Aí, Culber vai fazer o que? Pedir para Burnham conversar com Attis, é lógico!!! Burnham, com jeitinho, convence Attis a ceder as sementes. Mas ele não quer deixar a nave e ficar com sua família, mesmo que morra em pouco tempo, já que seu corpo foi muito comprometido com a tempestade iônica. Culber se opõe a deixar Attis para trás, assim como Burnham. Mas Nhan se lembra do respeito a outras culturas que a Federação tem. E decide ficar para tomar conta das sementes, pois elas são muito importantes para a Federação e não podem ficar sozinhas. Burnham aceita a entrega de Nhan, apesar de admitir que há um ano discutiria com ela sobre isso e não a deixaria ficar. É claro que rolou uma choradeirazinha básica. E as duas se despediram.
De volta à Federação, Vence viu o sacrifício de Nhan e a missão bem sucedida da Discovery. Entretanto, diz que não há mais missões de cinco anos. Saru relembra Giotto, o pintor renascentista que criou a perspectiva dos três pontos de fuga, a profundidade e a totalidade, expandindo a visão de mundo que estava muito restrita com a Idade Média, a “Idade das Trevas”. Isso deu esperança às pessoas e a Discovery agora (segundo Burnham, que intervém na conversa de novo) pode ajudar com o motor de esporos, as informações da esfera e a tripulação. Vence, apesar de achar a tripulação da Discovery instável, aceita, desde que a Discovery obedeça estritamente suas ordens. Burnham força a barra e pergunta sobre a combustão. Vence diz que há mais teorias do que naves e não tem provas. Burhnam retruca dizendo que o desafio de busca de provas está aceito. Os alienígenas são curados. Burnham ainda conversa com Willa sobre a estranha música de Adira e Attis e as duas não chegam a uma conclusão. Burnham vai conversar com Georgiou sobre a música, mas esta parece fora do ar. Quando ela se dá conta de que Burnham está ao seu lado, começa a conversar com ela como se nada tivesse acontecido. O episódio termina com Saru chamando mais uma vez a atenção de Burnham para escolher suas palavras com Vance e fala em esperança.
O que podemos falar do episódio “Morrer Tentando” Em primeiro lugar, ele começa com uns easter eggs de naves que os tripulantes da Discovery veem ao chegar à Federação. Uma Voyager-J, uma nave chamada Nog de relance, criando uma expectativa boa, com relação à História A, que é o reencontro da Discovery com a Federação. Entretanto, logo depois a gente vê novamente o que vimos nos dois capítulos anteriores, quando a Discovery, esperando chegar a um lugar que lhe recebesse de braços abertos, lhe dispense, na verdade, um tratamento hostil, como aconteceu na Terra e com os Trills, onde a Discovery teve que provar suas boas intenções. Agora, vai ser a vez da Discovery mostrar que é confiável para a Federação. Isso acabou ficando um tanto repetitivo. Mais uma vez, a tripulação da Discovery teve que enfrentar a arrogância de um grupo. E reagiu muito mal, debochando da hierarquia militar. Vou lembrar mais uma vez aqui que a hierarquia militar é muito importante em Jornada nas Estrelas, pois ela dá a oportunidade de mostrar a sociedade utópica do futuro, onde o superior tem mais respeito com seu subalterno. O que vemos em Discovery são subalternos malcriadinhos como crianças de três anos birrentas. E isso cansa. Pelo menos, o interrogatório de Georgiou levado por David Cronenberg foi uma gratíssima surpresa. Se no início esse diálogo ainda foi estragado um pouco pelos roteiristas (a questão do interrogador usar óculos para parecer inteligente), depois ele foi muito bem escrito e fez uma coisa que eu particularmente já queria ver há muito tempo que era testemunhar a Georgiou ser desancada. E a coisa foi bem bonita, sendo esse o melhor momento do episódio.
O episódio teve alguns furos de roteiro como a Burnham conseguir resolver o problema da doença dos alienígenas quando toda a tecnologia do século 32 não o fez. Ainda, o não entendimento de Willa à respeito da tecnnobabble de Stamets, Tilly e Reno para trazer Attis também foi um pouco estranho, seguindo a mesma lógica do exemplo anterior.
E Burnham? Esse foi mais um episódio de protagonismo excessivo da moça, que podia ser mais bem dividido entre os demais personagens. Por exemplo, já é a segunda vez que Culber pede para Burnham conversar com alguém. Seria muito mais legal, a meu ver, Culber ter convencido Attis com sua forma doce e delicada de atender seus pacientes. Mas o protagonismo de Burnham não ficou somente aí. Ela vai comandar a Discovery nesse episódio e vai colocar Saru, que teve algumas falas interessantes ao início e final, numa posição muito periférica em todo o resto do episódio. Pelo menos, os escritores de Discovery agora procuram relativizar esse protagonismo excessivo de Burnham, e a moça sofreu advertências não somente de Saru mas também de Vance. Ela chegou a fazer carinha de birra em alguns desses momentos, mas sua personagem sabe que se excede na violação da hierarquia e que precisa mudar. Essa foi uma mudança boa para Burnham nessa temporada.
E a história B, que se passa na Tikhov? Essa foi uma história mais mediana, onde podemos perceber novamente um certo exagero no melodrama. A perda da família de Attis e a entrega de Nhan fizeram novamente com que algumas lágrimas vertessem, numa série que ficou muito marcada pelo melodrama nas temporadas anteriores. Era hora de Discovery se desapegar um pouco disso e ser mais ficção científica. Esperemos que a ficção científica aflore mais na questão da investigação da combustão.
Assim, se “Morrer Tentando” não foi o melhor episódio de Discovery até agora, pelo menos tivemos bons momentos como a participação de Cronenberg e ver a Michael precisar rever seus conceitos sobre disciplina. Mas os vícios dos diálogos mal escritos ainda permanecem, sobretudo na tecnobabble do episódio, onde a palavra “arroto” foi usada de forma indiscriminada e despropositada. Mais uma vez, tivemos um episódio de História A e B com arco fechado, o que é bom para a série.