Mais um filme que concorre ao Oscar 2021. “Os Sete de Chicago” concorre a seis estatuetas (Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante para Sacha Baron Cohen, Melhor Roteiro Original para Aaron Sorkin, Melhor Montagem, Melhor Fotografia, Melhor Canção). Para que possamos analisar o filme mais a fundo aqui, vamos precisar de spoilers.
Vemos aqui a trajetória de oito (isso mesmo, não sete como está no titulo do filme) ativistas americanos numa época extremamente turbulenta, que foi o momento em que Lyndon Johnson deixa a presidência dos Estados Unidos para dar lugar a Richard Nixon. Uma Convenção do Partido Democrata irá acontecer em Chicago e membros de três grupos planejam ir para essa cidade com o objetivo de se fazer manifestações em frente ao hotel em que acontecerá o Congresso. Mas a turbulência política daqueles dias fez com que muita violência e repressão policial acontecesse e nossos oito protagonistas foram injustamente presos, sendo acusados de incitar as revoltas e levados a julgamento, com o objetivo claro por parte do governo e dos setores mais conservadores de se forjar bodes expiatórios. Um deles, um líder dos Panteras Negras, Bobby Seale (interpretado por Yahya Adbul Mateen II), não tinha advogado, pois ele se encontrava hospitalizado, mas foi a julgamento assim mesmo e sendo tratado com muita rispidez pelo juiz Hoffman (interpretado por Frank Langella, que fez o ministro Jaro em Jornada nas Estrelas Deep Space Nine). Aliás esse juiz meteu os pés pelas mãos no julgamento, trocando nomes, falas dos advogados e confundindo situações, mostrando-se claramente desqualificado para um julgamento de tamanha magnitude.
Desde cedo fica clara a intenção de se condenar os réus, onde o direito de defesa deles é constantemente cerceado. Por mais que o advogado deles, William Kunstler (interpretado por Mark Rylance) busque artifícios e argumentos, Hoffman sempre deixa registrado que o advogado o desacata. Testemunhos importantes como o do ex-procurador-geral (interpretado rapidamente por Michael Keaton), que poderia inocentar a todos, são desconsiderados pelo juiz, com o testemunho sendo dado sem o júri. Ou seja, o juiz atua de uma forma extremamente arbitrária, deixando bem claro o circo armado onde todos já estavam condenados de antemão pelo próprio juiz, que atuou mais como acusador do que qualquer outra coisa. Vale frisar aqui que dois dos acusados foram absolvidos para mostrar uma suposta benevolência do sistema, que seria implacável com os acusados politicamente mais repulsivos pelos conservadores.
O grande momento do filme, e o mais traumático, é quando um amigo de Seale que o orientava no julgamento foi assassinado pela polícia e Seale surta, desacatando continuamente o juiz, que obriga que os seguranças lhe deem uma surra num lugar reservado, além de algemá-lo e amordaçá-lo. Tal atitude foi de um impacto tão grande que até a promotoria pediu para se anular a acusação sobre Seale, que permaneceu preso pelos desacatos ao juiz e por uma outra acusação de homicídio que, a essa altura do campeonato, a gente tem muitas suspeitas de sua veracidade. Ficava bem claro que até os ativistas brancos e “comunistas” eram mais bem tratados que o membro dos Panteras Negras.
O filme tem um elenco estelar. Além de Keaton, Rylance e Langella, também temos a presença de Sacha Baron Cohen, que faz um dos acusados que tinha a toada mais irreverente de todas, e Eddie Redmayne, que fazia um líder estudantil mais “corretinho” que leria a declaração final antes do veredicto, uma declaração que devia ser despolitizada (já ouvi isso em algum lugar) e breve. O líder estudantil optou, então, por ler os nomes de todos os mais de cinco mil soldados mortos na Guerra do Vietnã, levando o juiz Hoffman à loucura. O veredicto… bom, estamos falando de um roteiro que é inspirado numa história real. Um happy end aqui seria praticamente um corpo estranho. Esse é um daqueles filmes que termina abruptamente e depois se diz o que aconteceu com cada pessoa (nem vou falar personagem aqui, pois se trata de pessoas reais) depois do fim da película, com a ajuda dos letreiros.
Dessa forma, “Os Sete de Chicago”, disponível no Netflix, é um filme que merece demais a atenção do espectador, pois mostra em cores vivas a clara intenção do movimento conservador americano, amparado pelo aparelho de Estado, de perseguir seus opositores políticos que lutavam pelos direitos civis e contra a Guerra do Vietnã. A arte de produzir bodes expiatórios podia ir até as últimas consequências naqueles dias tão opressores. E vemos isso de forma bem clara nessa película.