Batata Literária – Musas Tortas.

Mundo estranho esse

Só cinco por cento das pessoas são bonitas

Os outros noventa e cinco por cento são feias

Criamos padrões de beleza insanos

A pessoa tem que ser magra

Tem que ser branca

Tem que ser heterossexual

Tem que ser de direita

 

E o resto do mundo?

Os gordos?

Os negros?

Os homossexuais?

Os esquerdistas?

Ah, esqueçam esses seres!

Que sejam varridos para debaixo do tapete!

Onde  trabalham para o conforto dos lindos!

 

Voltemo-nos para o mundo de esquálidos!

Para o mundo dos desbotados!

Salve o conservadorismo!

Esconda-se na farsa do politicamente correto!

Pois você, além de lindo e conservador,

Ainda vai ser uma pessoa legal

Aplaudida pelos exércitos de miseráveis!

Se você diz que ama o debaixo, garante o seu lugar de cima…

 

Essa é a situação de hoje…

Fascistas posando como progressistas

Progressistas afundados nos poços do autoritarismo

Como única via, somente o helenismo

Das louras da televisão

Isso num Brasil que é um grande favelão

Cuja maioria negra e mestiça

Tem a ela negada o olimpo consumista

Batata Literária – Anjinhas de Vitrine

Olá, consumidor!

Estamos expostas na vitrine!

Queremos, a um preço módico,

Dar afeição, carinho e ternura!

Venha! Se aprochegue!

Veja do que somos capazes!

Veja o que podemos lhe dar por um preciiinho…

Não tenha medo, é baratinho!

 

Tá vendo minha amiga ali?

A de azulzinho?

Olha só que carinha meiga!

Sua namorada ou esposa vai adorar!

E minha vizinha aqui, de harpa?

Ela toca melodias celestiais!

Ninguém resiste aos seus encantos

Olhos verdes de mares caribenhos…

 

Aquela, de túnica rosa

Vem com uma cesta de flores

Todas coloridas, lindas

Aromas de campos distantes

E tem eu, venho de vermelho

Tenho pureza no olhar

Mas um forte desejo por dentro

Além de ser muito eloquente

 

Essas somos nós, meu digno senhor…

Quem você levará?

Eu??? Oh, que satisfação!

Por que será?

Ah, te entendi, seu malandrinho!

O amor, o carinho e a afeição

Só se instalam com o alicerce da paixão

Pela qual o homem faz santa devoção.

Batata Literária – Fantasmas do Passado

Ando pela fazenda verdejante

Muitas árvores diferentes

Folhas cada vez mais lindas que outras

Quero colocá-las no meu cabelo

Arranco algumas

Mas, subitamente, sou interrompido

Pelos gritos infernais

De quem se diz devoto de Deus

 

Os gritos não pararam aí…

Fomos expulsos da fazenda

Como Adão e Eva o foram do paraíso

Brados, ofensas e xingamentos

Afetaram profundamente meus sentimentos

A humilhação me assolava

E o ódio me despertava

Desde criança, já me encucava

 

Na volta para casa

Mais berros repugnantes, dor e provação

Havendo, mais tarde, a deserção

E a covardia da econômica situação

Levando, mais uma vez, à pesarosa humilhação

Perguntava-me eu: por que tanto ódio?

Por que tanta intriga?

Por que tanta tirania?

 

Hoje, os algozes estão mortos

Memórias preservadas em jazigos perpétuos

Minha vida mudou, fui para a frente

Mas os fantasmas continuam vivos

E, volta e meia, eles despertam

Exercendo, dentro de mim, influência demoníaca

Abrindo antigas feridas

E me lembrando de tudo que não devo fazer…

 

Batata Literária – Órfão de Guerra

Minha mãe sumiu

Meu pai sumiu

Meus irmãos sumiram

Meu cachorro sumiu

Minha casa sumiu

Tudo sumiu

Só eu não sumi…

Esse é o meu castigo

 

Entretanto, algumas coisas apareceram

Montanhas de escombros

Carne morta

Cheiro de carniça

Muito choro e muita dor

Outras crianças sem ter o que comer

E sem ter para onde ir

Mares profundos de desgraça

 

Eu vago por tudo isso…

E me pergunto: Por que não morri?

Por que sou obrigado a assistir tal tragédia?

Invejo os mortos, odeio os vivos

Repudio o meu destino

Quero me matar e ver mamãe, papai, os irmãos, o cachorro

Procuro algo pontiagudo no chão

Vou me furar

 

Achei uma madeira

Perfeito! Vou enfiá-la em meu coração

Mas um choro me impede…

É uma menina, da minha idade…

Ela também perdeu tudo e todos

Agora sei por que não morri…

Ela será a minha nova família

A flor que nasce dos entulhos desfigurados…

 

Batata Literária – Fome

Estou com fome

Muita fome!

Mas por que isso?

Falta de grana?

Ah, só um pouquinho…

Mas tenho dinheiro para comer um joelho

Lá no chinês da esquina

Só que não como…

 

O motivo da minha fome é outro

É o peso do meu corpo

É a necessidade de emagrecer

A sociedade não gosta dos gordos

Daí, eu precisar ficar fininho

Pois, só assim eu fico gatinho

E não sou mais olhado de forma torta

Ao ser aceito, minha alma se conforta

 

Mas esse não é o único motivo

Sou vítima da diabete

Se como, morro

Se não como, morro

O açúcar é o meu baygon

Até as comidas mais leves e saudáveis viram açúcar

Meu corpo já nasceu condenado

A um rosário de moléstias inclementes

 

Por isso, fecho a minha boca

Me livro, por ora, das garras melíticas

Mas caio no colo das úlceras e gastrites

E meu estomago dói intensamente

Em tempestades de azia

Fico eu mole, e fraquejo

Mas não estou cuidando de minha saúde?

Acho que eu enlouqueço…

 

Batata Literária – Natal em Weimar (Série Histórica)

Está frio, muito frio

Saio eu com a mamãe para as compras de Natal

As ruas estão cheias de gente

Muito movimento, tudo muito bonito

Roupas, brinquedos e doces nas vitrines

E muitas outras mães com suas filhas

Berlim está linda!

Branquinha com o seu manto de neve

 

Mas, de repente, ouço um barulho ritmado

Plá! Plá! Plá! Plá!

O que é isso?

Quando vejo, muitos homens juntos aparecem

Todos vestidos de escuro

Rostos sérios e tensos

“O que é isso, mamãe?”, eu pergunto

“Nada, minha filha. Eles só vão acalmar os arruaceiros”.

 

Não entendi nada

Quem são os arruaceiros?

Por que fazem arruaça? São maus?

“Um dia, você vai entender, filha”, disse-me mamãe

E os homens de escuro correram na avenida

Para longe, mais longe

Até que sumiram

Tudo voltou ao normal

 

De repente, muitos barulhos fortes!

Bum! Rá-tá-tá! Rá-tá´tá!

“O que é isso, mãe?”

“Fogos de artifício, filha. Viva o Natal!”

Eu olhava para o fim da avenida

Queria ver os fogos, mas…

Só via uma fumaça negra contra a neve branca

Perdi os fogos, mas… Viva o Natal!

 

Batata Literária – Sem Culote (Série Histórica)

É hoje, cidadãos!

Vamos destruir a grande prisão!

Lá sofrem nossos irmãos

Que clamam pela Revolução!

Chega de luxos para os nobres

Agora, é a vez dos pobres!

Maldita seja a Bastilha!

Prisão que ao nome da França humilha!

 

Mas a batalha será dura!

Soldados armados nos esperam!

Lutemos, portanto, com bravura!

Pois só os vencedores as páginas da História carregam!

Trazemos conosco os ventos da liberdade!

E, para todos, a igual oportunidade

São tempos de guerra e sangue derramado

Mas nada temamos, pois temos o povo ao nosso lado!

 

Começa a contenda!

Avance à toda, não se arrependa!

Atire nos soldados!

Mate os desgraçados!

Nossa terra renasce

Há luta pela justiça em toda a parte!

Finalmente, tomamos a malograda cadeia!

Agora, vamos apagar mancha tão feia!

 

Para baixo, paredes de pedras!

Símbolos do mal por eras!

Chegou a vez dos  miseráveis

Que colocarão a França em caminhos mais ágeis

Pobre Majestade!

Não pode mais fazer alarde!

Marchemos, meus companheiros!

A pátria está livre dos ardilosos e sorrateiros!

Batata Literária – Vivendo Para Servir (Série Histórica)

O galo canta

O Sol ainda nasceu

Mas já estou de pé

Hoje o trabalho vai ser duro

É dia de rasgar o chão com o arado

Vou preparar a plantação

Pois meu senhor precisa de comida no inverno

Não posso deixar de servi-lo

 

Está frio…

O Sol ainda aparece, tímido…

Vamos começar…

Nossa! Que terra dura!

Vou redobrar meus esforços!

Será que vou aguentar até meio-dia?

Ou até o Sol se pôr?

Somente Deus pode saber…

 

Agora, o Sol está alto

Já deve ser meio-dia

E minhas mãos estão cheias de bolhas

Algumas já sangram

Mas não arei nem metade do campo

Tenho que acelerar meu trabalho

Todo o campo deve estar arado até o fim da tarde…

Tudo pelo meu senhor!

 

O Sol está se pondo…

Falta só mais uma carreira…

Estou exausto…

Mas vou terminar…

Minhas mãos nem doem mais, elas formigam…

Estou quase conseguindo, finalmente consegui!

Cumpri o serviço ao meu senhor!

Como ele fica bonito da janela de seu suntuoso castelo!