Batata Movies – Comeback. Retorno À Moda Antiga.

                   Cartaz do Filme

Nelson Xavier era um baita ator. Imortalizou-se como Lampião na tv, mas destilava seu talento também no cinema. É o que podemos ver aqui nesse “Comeback”, um filme sobre matadores e chacinas. Uma película que alguns críticos têm rotulado como uma espécie de homenagem ao faroeste. Pode até ser, embora eu creia que, antes disso, esse filme pode ser encarado de outras formas, onde a nossa realidade social brasileira se mostra de um jeito muito mais latente. Um filmão sobre o Brasil em si, com leve verniz de western, talvez.

Amador. Um homem que se vangloria de seu passado

Vemos aqui a história de Amador (interpretado por Xavier), um pistoleiro aposentado que coleciona um álbum de recortes de jornal, cujas chacinas lá noticiadas teriam sido obra dele. Amador tem uma vida difícil, trabalhando para um rico empresário que espalha suas máquinas de caça-níqueis em barzinhos da periferia. Cabe a Amador entregar estas máquinas. Ainda, uma equipe de filmagem procurou Amador para fazer entrevistas para um documentário sobre chacinas. Essa equipe insistiu que Amador providenciasse três metralhadoras para serem usadas nas filmagens. Só que Amador tem dificuldade em arrumar tais metralhadoras com o empresário para quem trabalha. Fica cada vez mais evidente que Amador perdeu o prestígio de outrora. Cansado de tantas pancadas na vida, Amador decidiu tomar uma atitude. Qual atitude foi essa? Chega de spoilers!

    Trabalhando para o dono da comunidade

O filme em si já é uma curiosidade na escolha do nome do personagem protagonista. A palavra Amador aqui é um paradoxo com o profissionalismo do personagem e com o fato de que uma “pessoa que ama” não cometeria chacinas. Foi uma feliz escolha esse nome. A película também atenta para um importante problema social: a violência e as chacinas, colocando-as como problemas de periferia, o que parece soar falso num mundo em que a violência adquire contornos cada vez mais globais. Também soou falso o fato de as chacinas pertenceram mais a um passado e serem menos prováveis hoje, mesmo que por imposição de uma liderança velada local.

A película adquire um tom de certa melancolia ao tratar o personagem principal como uma pessoa já sem qualquer fama e valor, que vive de um passado glorioso como pistoleiro. A glória e glamour do passado de Amador talvez aproxime o filme da referência ao western, mas é muito mais forte na película a referência ao ostracismo do protagonista e até as dúvidas de seu passado glorioso. Nesse ponto, podemos colocar “Comeback” próximo a um western como “Os Imperdoáveis” de Clint Eastwood. Contudo, o filme ainda nos remete mais aos violentos homicídios ocorridos no Brasil na época da ditadura e de suas perversas e tortuosas relações com membros de uma elite que governam suas áreas com mãos de ferro.

             Preparando um documentário…

O desfecho da película é daqueles que nos incomoda, pois tem a famosa cara de anticlímax, ficando a sensação de que a história está incompleta. Aqui, vou lançar mais uma vez a minha hipótese para uma situação dessas: o anticlímax ao final do filme atua como um choque de realidade, afastando-se do cinema como espetáculo (onde sempre é necessário algo de mirabolante e que traga um bom desfecho para o protagonista, lançando mão do happy end) e se aproximando mais do cinema como imitação da vida, onde as desventuras do dia-a-dia se fazem mais presentes e reais, tirando a oportunidade do protagonista de sorrir no final da história. É um final mais injusto e duro, mas também mais interessante e não tão fantasioso como o happy end que aqui cairia mal em virtude do clima sombrio da película.

Assim, “Comeback” é um filme obrigatório, até para nos despedirmos de Nelson Xavier, mas que também é atraente pela sua amargura. Um filme que, sim, lembra de leve o western mas que se remete muito mais à violência urbana da época da ditadura militar. E um filme que faz um convite à reflexão: até que ponto, em dias contemporâneos de violência global, a chacina pode ser considerada uma coisa do passado e um fenômeno isolado, restrito à periferia? O tal comeback procede? Ou as chacinas sempre estiveram por aí, escondidas de nossos olhos? Vale a pena conferir e refletir.

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