Batata Movies – Mãe. Parece, Mas Não É.

                Cartaz do Filme

Um filme inusitado passou em nossas telonas. “Mãe”, dirigido por Darren Aronofsky (o mesmo diretor de “Cisne Negro”) é uma daquelas películas que seguem uma linha narrativa que, de repente, se modifica completamente, bem ao estilo do “parece, mas não é”. Com isso, o espectador fatalmente tem a impressão de que vê um certo gênero quando, na verdade, acaba sendo outro. Um filme que gosta de brincar de gato e rato com o espectador.

                      Uma mulher atormentada

Mas, no que consiste a história? Vemos aqui um casal bem unido (interpretado por Jennifer Lawrence e Javier Bardem). O marido é escritor e tem um bloqueio criativo que o impede de seguir a sua carreira adiante. Já a esposa é devotada ao casamento e ajuda o cônjuge a reconstruir a sua vida depois de uma tragédia pregressa. Tudo parecia às mil maravilhas com aquele casal. Até que, um dia, o marido leva um homem estranho para sua casa (interpretado por Ed Harris) e o acolhe, para espanto da esposa, que não entende a atitude do esposo a princípio, mas a acata, pois vê que o seu companheiro tem uma postura altamente solidária. Entretanto, com o tempo, aquele acolhimento dado àquele homem revela-se uma tremenda furada. O cara é extremamente inconveniente, fuma dentro de casa, e tem uma doença que provoca nele tosses insuportáveis não somente para ele como também para quem presencia aquilo tudo. E, como se não bastasse, ele tem uma esposa (interpretada por Michelle Pfeiffer), que se revela muito cínica e ácida. Todo esse rosário de situações inusitadas vai transformando a vida da esposa da casa num inferno e o marido não toma qualquer atitude para reverter isso, já que os intrusos se declaram fãs incondicionais de sua produção literária.

                         Um marido sem noção…

Esse é o tipo de filme que incomoda muito o espectador, já que ele bate de frente com um valor primordial da sociedade liberal: a ideia de propriedade como sinônimo de liberdade. Desde os tempos da Revolução Inglesa e do pensador John Locke, que cunhou as bases do liberalismo político, a ideia de propriedade como liberdade, cunhada pelo mesmo pensador, impera na sociedade liberal capitalista contemporânea. E, de repente, vemos o direito à propriedade sendo sistematicamente violado na película, provocando um enorme desconforto e uma empatia cada vez maior entre o espectador e a esposa interpretada por Lawrence, que recebe a agressão direta do desrespeito a esse direito fundamental. E a coisa é feita numa torrente cada vez mais crescente em intensidade, com a nítida intenção de incomodar. Por ser tão agressivo, o espectador vê a película nesse momento como uma história de suspense que pode até descambar para o terror, achando que o filme irá cair no lugar comum de um clichê. O problema é que a coisa vai se tornando cada vez mais surreal com o andamento da história, e o inusitado fica tão agressivo que rompe até os limites da liberdade poética, deixando a pessoa que assiste um tanto perdida com o que vai acontecer com o desfecho. E aí, quando chega o clímax, há uma violenta virada, onde o filme assume outra cara, não fechando um ciclo, por mais paradoxal que isso possa parecer. Infelizmente, os spoilers não me permitem ir mais a fundo na análise, mas uma coisa é certa aqui: a violenta virada que esse filme sofre em sua estrutura narrativa não é algo que a gente vê todo o dia e acaba nos surpreendendo um pouco, como se a violação da propriedade prendesse tanto a nossa atenção que a gente não consegue perceber as pequenas pistas que essa virada nos deixa antes do clímax (a capa de surreal é outro fator que ajuda a omitir um pouco tal virada, embora as pistas residam justamente no surreal).

          Ed Harris, um homem inconveniente

Bom, apesar desse estado de confusão que o filme provoca no espectador, visto por uns como virtude e por outros como defeito, temos um grande atrativo que é o elenco. Foi muito bom rever Ed Harris e Michelle Pfeiffer, que andavam meio sumidos de nossas telonas. Só é uma pena que tenham aparecido pouco. Eles poderiam ter tido uma participação um pouco maior na história, sobretudo Pfeiffer, com uma personagem bem mais interessante e agressiva. Harris foi perfeito em sua inconveniência, embora o personagem exibisse uma fragilidade latente que não combinava muito, mas ajudava a aumentar a tensão. Bardem foi primoroso como o marido amável, que podia ser muito complacente em alguns momentos, mas extremamente agressivo em outros. Agora, a mais fraquinha ali talvez tenha sido justamente Jennifer Lawrence. Embora suas sequências de desespero explícito tenham sido bem convincentes, sua atuação meio que se apagou em meio a tantos craques ali envolvidos. Foi até uma covardia com a moça, ouso dizer, mesmo que ela tenha melhorado muito nos últimos anos. Talvez a personagem não ajudasse muito, sei lá, embora não devamos nos esquecer (alerta de spoiler) de que ela chegou a uma situação limite no filme, onde ela acabou saindo do lugar comum de vítima que constituía a sua personagem.

Michelle Pfeiffer, numa personagem ácida e cínica

Assim, “Mãe” é um filme que merece ser visto, primeiro porque ele incomoda e agride o espectador a um ponto de que o mesmo não sabe mais qual será o desfecho da história. E, em segundo lugar, porque o filme revela uma grande virada em seu desfecho, até certo ponto inesperada, pois a estrutura narrativa consegue camuflar bem as pistas de que essa virada irá acontecer. Além disso, temos um ótimo elenco que comprou a ideia do filme e topou destilar todo o seu talento. Vale a pena dar uma conferida. Uma coisa é certa: o filme despertou muita polêmica, sendo amado e odiado pelas pessoas por aí. Ninguém ficou indiferente a essa película.

 

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard. Dualidade Que Se Completa (Parte 5)

           Tempo de Nudez. Spock chora e as cartas aumentam…

“Tempo de Nudez” foi outro episódio decisivo para a formação do vulcano. Um vírus infecta a Enterprise, revelando o “eu oculto” da tripulação. Como isso afetou Spock? Na cena original, um tripulante pintaria um bigodinho no rosto de Spock, que se debulharia em lágrimas em público. Nimoy não aceitou isso, pois para ele o personagem, na sua obstinação em esconder as emoções, se controlaria e procuraria um lugar mais reservado para extravasar seus sentimentos. Nimoy levou o problema a Roddenberry e a sequência foi reescrita com Spock chorando num ambiente reservado, arrependido de nunca ter dito à sua mãe que a amava. Faltavam poucos minutos para os fatídicos 18h18min que religiosamente encerravam as atividades diárias do estúdio e Nimoy fez a cena numa tomada só. Esse episódio hipermultiplicou as cartas que Nimoy recebia dos fãs. De uma dúzia de cartas no primeiro episódio, passando para umas quarenta ou cinquenta após duas semanas e chegando a centenas, colocadas em sacos de lavanderia após “Tempo de Nudez”.

O sucesso de Spock fez com que os executivos da emissora NBC, que já haviam rechaçado o vulcano em outras oportunidades, agora quisessem mais a presença dele nos episódios. Nimoy desenvolveu mais o personagem e ele idealizou que a cultura vulcana interagia através de toques com os dedos e as mãos. Daí veio o famoso “toque neural”, onde Spock fazia uma pessoa desmaiar com uma pressão dos dedos de sua mão em algum lugar entre o ombro e o pescoço. Isso aconteceu pela primeira vez no episódio “O Inimigo Interior”, onde o capitão Kirk foi dividido em sua parte “boa” e calma e sua parte impetuosa e má. Como o Kirk “mau” iria matar o Kirk “bom”, estava no roteiro que Spock deveria provocar um desmaio no Kirk mau, aplicando-lhe uma coronhada com a arma de phaser. Nimoy, abalado com a violência da sequência, sugeriu então o toque neural vulcano, que era igualmente eficiente sem ser violento, e convenceu o diretor Leo Penn a usá-lo, principalmente quando Nimoy ensaiou o toque em Shatner e esse desmaiou de forma muito convincente. Às vezes, esse toque era usado com um certo senso de humor. Spock, em determinado episódio, chegou perto de sua vítima e disse: “Senhor, há um artrópode (aranha) bem em cima de seu ombro”. E, antes que o coitado se desse conta, lá estava a mãozona de Spock (o artrópode em questão) fazendo o cara desmaiar. O fundo musical cheio de tensão do toque neural também é inesquecível, provocando muito mais graça do que suspense.

                    O antológico toque neural

Já o elo mental vulcano surgiu no episódio “O Punhal Imaginário” e foi uma invenção de Roddenberry. Um foragido de uma colônia penal, aparentemente louco, seria interrogado lentamente para se saber o que acontecia na tal colônia. Ao invés de um longo e maçante interrogatório, se criou o elo mental, onde Spock unia sua mente à do foragido, tocando a face do mesmo com a ponta dos dedos, exercendo uma espécie de atividade telepática. Isso deu muito mais dramaticidade à cena. Outro episódio marcante onde o elo mental vulcano é usado foi “O Demônio da Escuridão”, onde um monstro de pedra matava os mineiros de um planeta. Mas o monstro fazia isso porque os mineiros destruíam seus ovos sem querer, sem saber o que estavam fazendo. Spock faz o elo mental com a criatura e salva o dia, pois o monstro passa inclusive a ajudar os mineiros. Nimoy muito se orgulha desse episódio, pois ele mostra um conflito intercultural e um posterior entendimento, ratificando a posição pacifista do vulcano, ao contrário do Spock de “Onde Nenhum Homem Jamais Esteve”, que propôs matar um tripulante tomado por uma força alienígena.

No próximo artigo, vamos falar de mais três episódios marcantes para a formação do personagem Spock. Até lá!

        Elo mental com um monstro de pedra…

Batata Literária – As Duas Faces

A vida é como uma moeda

Pois possui duas faces

Num dia, você está feliz

Noutro, você está triste

Às vezes, se tem dinheiro

Noutras vezes, você está na penúria

Posso uma vez estar andando na rua

E, em outra, se estar internado no hospital

 

Tudo passa, meu caro!

Para o bem e para o mal!

A vida é uma montanha russa

De altos e baixos

O negócio é se centrar

Nada de euforias tresloucadas

Nem de profundos desesperos

Busque seu ponto médio!

 

Pois as duas faces se manifestam de outras formas

O amigo de hoje pode ser o traidor de amanhã

Seu prazer pode se tornar um vício destruidor

Vida se transforma em morte num piscar de olhos

Andamos, o tempo todo, no fio da navalha

Podendo cair para cá ou para lá

Podendo se machucar violentamente

Podendo carregar eternas marcas

 

Esse é o jogo duplo da vida

Saber estar entre a cara e a coroa

Entre o sim e o não

Entre o bem e o mal

Entre a alegria e a tristeza

Entre a saúde e a doença

E saber, acima de tudo, sobreviver

Ante à pressão de fortes extremos

 

Batata Movies – Festival Do Rio 2017. Sexy Durga. Road Movie À Madrugada.

                                                Cartazes do Filme

Mais um filme que passou no Festival do Rio deste ano. A bola da vez é “Sexy Durga”, uma produção indiana de 2016. Podemos dizer aqui que esse é um filme em duas camadas. A primeira mostra um ritual de adoração a uma deusa local, onde vemos pessoas em transe penduradas por ganchos enfiados em sua própria carne. Tudo muito característico daquela região e bem exótico aos olhos ocidentais, não sem dar um nervoso muito grande ao ver as pessoas tendo os seus corpos furados por ganchos de metal e pendurados neles. Mas essa camada serve apenas como uma espécie de pano de fundo para a história principal. E que história é essa? Vemos aqui um casal, Kaber e Durga, que sofrem a discriminação do sistema de castas indiano. Durga, a moça, é do norte do país e eles parecem estar no sul, onde a relação do casal parece não ser aceita (infelizmente o filme não deixa claro o porquê dessas coisas). Os dois, então, traçam um plano de fuga, onde eles pegarão uma espécie de van clandestina para a estação de trem, onde rumarão para o norte do país.

                      Um casal amedrontado

O problema é que os homens da van são muito esquisitos e mal encarados, começando a fazer perguntas muito estranhas para o casal, que fica totalmente amedrontado e quer descer da van o tempo todo. O mais curioso é que os sujeitos da van garantem que não vão fazer mal aos dois, mesmo colocando o homem e a mulher sem querer nas situações mais escabrosas. O casal também foge da van e anda pela estrada escura (já são altas horas da noite) várias vezes, mas os perigos são muitos e os dois sempre acabam voltando à van original e nunca chegam à redentora estação de trem para sacramentar a tão esperada fuga.

                        Uma van cheia de doidões

O que podemos falar desse road movie à madrugada? Ele é uma verdadeira ópera do absurdo, pois o casal anda num território perigoso durante toda a noite, seja dentro de uma van de malucões, seja a pé, e nunca consegue chegar ao seu destino. E o mais inusitado é que o destino está ali ao seu lado, pois a estrada beira a linha do trem em boa parte do filme. Assim, fica o desespero do casal em andar, andar e andar, com os trens passando bem ali ao lado. Mas o problema também era que o próprio casal não se decidia, pois ele sempre voltava a van depois de sair dela e tomar a estrada no breu que mergulhava a noite. Prisioneiros do próprio medo, o homem e a mulher jamais tomavam uma decisão efetiva e a encaravam de frente, caindo numa armadilha armada por eles mesmos, produto de duas mentes angustiadas que acabavam angustiando também o espectador.

As filmagens devem ter dado muito trabalho por terem sido realizadas à noite. As longas caminhadas na estrada no escuro obrigavam a equipe de filmagem a colocar sempre a câmara em movimento. Igualmente complicadas devem ter sido as tomadas na van, onde víamos o carro parando e andando, com as filmagens se desenrolando. Filmar em tais condições adversas deve ter sido um desafio e tanto e a gente já bate palmas para esse detalhe do qual nem sempre o espectador se dá conta.

                    Andando pela madrugada

Assim, “Sexy Durga” é um filme onde nós podemos dizer que foi de difícil realização, nos contou uma história absurda, onde o preconceito do sistema de castas indiano foi o combustível para o inusitado e o climão de road movie regado a muito heavy metal foi uma curiosidade a mais nas tomadas claustrofóbicas de lugares ermos na escuridão da madrugada. Vale a pena procurar na internet por este, caso não dê o ar de sua graça nos cinemas daqui em circuito comercial.

Batata Movies – Festival do Rio 2017. Matar Jesus. Até Onde Vale A Pena A Vingança?

                                        Cartaz do Filme

Ainda dentro do Festival do Rio 2017, foi exibida a co-produção Argentina-Colômbia “Matar Jesus”. Essa excelente película lança uma questão mais do que ancestral: até onde vale a pena a vingança? Você só se sentirá verdadeiramente saciado se você retribuir todo o mal que sofreu de alguém ou é melhor esperar que a própria pessoa que te fez o mal se estrepe totalmente e assistir a tudo de camarote sem qualquer sensação de culpa ou de arrependimento? Muitos filmes já trabalharam essa questão, uns pendendo para uma resposta, outros pendendo para outra resposta. Agora, essa película revisita o tema, tomando como cenário o ambiente violento da Colômbia.

                   Paula. Vida feliz com o pai

Vemos aqui a história de Paula (interpretada por Natascha Jaramillo), uma bela estudante universitária, filha de um professor que leciona na mesma universidade a disciplina de ciência política. Preocupado com as questões sociais, esse professor fala de resistência dos menos favorecidos às injustiças. Um belo dia, Natascha volta com seu pai para casa de carro, mas a viagem termina numa emboscada onde dois homens numa moto assassinam seu pai. Natascha conseguiu ver o assassino do pai na garupa da moto. Mas percebeu na delegacia que a polícia agiria com morosidade nas investigações. Num desses acasos da vida, Natascha encontra o assassino numa danceteria, e ele não a reconhece. A moça aproveita a oportunidade para se aproximar do bandido, que atende pelo nome de Jesus. Mas essa aproximação em busca de uma vingança não será feita sem percalços, onde Paula passará por muitas situações altamente espinhosas, descortinando um submundo totalmente alheio à sua realidade de classe média.

   Mas sua vida toma um rumo muito perigoso

O filme mostra uma direção bem clara quando se refere à questão da vingança. Desde o início, os planos de Paula para matar Jesus são impedidos por vários obstáculos. O alto preço de uma arma ilegal, a dificuldade em manuseá-la, o ambiente altamente violento em que Paula se metia, parecendo uma ida a um caminho sem volta, o fato de Jesus andar permanentemente armado e ser amigo de policiais corruptos, etc., tudo contribuía para que os planos de vingança de Paula terminassem de forma extremamente trágica, bem ao estilo “A vingança é a arma do otário”. Chegava a ser doloroso ver Paula se enrolando cada vez mais naquelas situações escabrosas, onde sua vida passava por riscos cada vez maiores, e a moça não recuava, dando a impressão de que ela mergulhava de cabeça em uma autoimolação, indo a um matadouro. Entretanto, a alternativa a isso não era das melhores. A segurança de seu lar burguês vinha junto com um ar de tumba, pois a casa havia perdido toda a vida com a morte do pai e marido (quem já perdeu um ente querido de dentro de casa sabe muito bem do que estou falando). Uma das provas disso está na sequência em que Paula passa a noite de natal na casa da família de Jesus, onde há muita celebração e alegria, com as famosas luzinhas de natal piscando em todo o canto, enquanto que, na sua casa, a escuridão e o silêncio prevaleciam. Isso fez até que Paula, num ato de desespero, saísse à toda da casa de Jesus em pleno natal e adentrasse a sua casa em busca dos enfeites natalinos e das luzinhas que, mesmo que mal arrumadas, tiravam um pouco da morbidez de seu lar. Assim, só restava à Paula a sua busca cada vez mais insólita por vingança.

                           Aprendendo a atirar

O desfecho do filme, apesar de muito previsível, ainda assim nos deixa com uma sensação de indignação, pois ficou aquele sentimento de muito barulho por nada. Mas também pareceu um castigo muito adequado a Jesus, e creio que esta foi a mesma conclusão que Paula tomou. Então, o filme termina com uma sensação de que a justiça será feita, mas também não deixa de ter uma certa ideia de vazio.

            Matar ou não matar, eis a questão…

Dessa forma, “Matar Jesus”, apesar do tema já batido da vingança, veio como uma interessante curiosidade do Festival. Esperamos que saia comercialmente por aqui, pois é um filme relativamente inquietante que merece a atenção do espectador.

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