Batata Movies (Especial Oscar 2018) – Visages Villages. Memória E Identidade.

               Cartaz do Filme

Dando sequência às nossas análises sobre filmes indicados ao Oscar 2018, vamos falar hoje do excelente documentário “Visages Villages”, de Agnes Varda e do artista (muralista e fotógrafo) JR, que justamente concorre à estatueta de melhor documentário. A grande dama da nouvelle vague e esse jovem artista francês irão viajar pela França em busca de pequenas localidades e povoados, munidos de um caminhão que é uma espécie de câmara fotográfica gigante. Existe nele uma cabine onde as pessoas posam para fotos que são tiradas e que, segundos depois, são impressas em tamanho gigante em papel. Essas fotos são usadas depois para serem feitos enormes murais em prédios e habitações dos povoados que eles visitam.

                                   Varda e JR

Essa brilhante ideia, do ponto de vista artístico, também é sensacional do ponto de vista da preservação da memória e identidade locais, trabalhando a autoestima da população.

          Uma moradora em heroica resistência…

É comovente ver pessoas simples, anônimas, retratadas em tamanho gigante nas paredes das casas e pequenos prédios. Tivemos casos muito legais, como o da vila de mineiros que está praticamente abandonada e que tem ainda uma moradora. Lá, fotos antigas dos mineiros foram reproduzidas nas fachadas das casas, assim como da última moradora que ainda resiste, o que levou esta às lágrimas.

                  Uma garçonete na fachada…

O mesmo foi feito com trabalhadores de uma indústria química, uma moça que trabalhava como garçonete num vilarejo, um fazendeiro com sua imagem registrada no seu celeiro e até o próprio carteiro de Varda, ornando a fachada de um prédio. Varda e JR também não escaparam de serem retratados e pudemos ver, por exemplo, os dedos do pé e os olhos da diretora ornando vagões de trem. Aliás, um outro momento divertido do filme foi a relação entre Varda e JR, onde a diferença de idade ditou as regras. Havia momentos muito ternos entre os dois, mas também havia momentos um tanto tensos. Foi hilário ver Varda pedindo a JR que tirasse seus óculos escuros que ele usava permanentemente, algo que o artista se negava terminantemente, da mesma forma que Godard o fizera para Varda décadas antes. Godard não é somente citado nessa parte do filme e uma referência a ele surgirá mais ao final. Mas, chega de spoilers!

              Abbey Road com olhão ao fundo…

Assim, “Visages Villages” é mais um bom filme indicado ao Oscar que está em circuito para o querido leitor desfrutar. A grande diva do cinema francês Agnes Varda junta suas forças com um renomado artista visual e passeia pela França captando histórias de vida, monumentalizando-as, dando enormes contribuições para a memória e identidade locais. Um trabalho de autoestima. Um trabalho humanista. Um trabalho do coração. Um filme imperdível!!!

Batata Movies – Jumanji, Bem Vindo À Selva. Cinema Como Videogame.

                                             Cartaz do Filme

Quando a gente fala de nomes como Dwayne Johnson e Jack Black, qual é a primeira coisa que vem às nossas cabeças? Atores de filmes blockbusters menores, coisinhas bobas, etc.? Pode até ser. Mas, cá para nós, que mal faz a gente de vez em quando ver algo mais para entretenimento e descontração? E, ainda, será que atores que somente fazem filmes para entretenimento são pouco talentosos? Essa visão não recai num rótulo ou estereótipo? É o que podemos questionar quando vemos “Jumanji, Bem Vindo à Selva”. Um filme que tem uma tremenda carinha de videogame sendo, por isso mesmo, muito hilário em alguns momentos.

                                                     Vamos jogar???

O filme fala de dois garotos e duas garotas que são, justamente, figuras vistas de forma muito estereotipada: o nerd, o atleta, a patricinha e a outsider que não se enquadra em lugar nenhum. Por todas as dificuldades de adaptação pelas quais eles passam, os quatro acabaram juntos de castigo na escola onde estudam e foram obrigados a arrumar uma sala cheia de tralhas. No meio de todas as coisas perdidas por lá, eles encontraram um antigo videogame com um joguinho chamado Jumanji, com personagens avatares que podiam ser escolhidos. Só que esse videogame tinha a propriedade mágica de sugar os jogadores do mundo real e inseri-los em seu mundo virtual na forma dos avatares que eles escolheram. Assim, o nerd magricelo virou o Dwayne Johnson, a patricinha virou o Jack Black, o atleta virou um cientista com metade de seu tamanho e a outsider virou uma gatinha altamente violenta e descolada. Cada avatar tinha poderes e fraquezas e apenas três vidas, morrendo definitivamente se gastasse todas elas. A missão era colocar uma joia num monte em forma de jaguar, exatamente no lugar do olho. Mas eles teriam que enfrentar o maligno vilão Van Pelt, que queria a joia para controlar toda Jumanji.

          Johnson. Bom ator apesar de preconceitos em contrário…

Pois é. Um enredo bem simples, bobinho até. Mas o que tornou o filme interessante foi, além das corriqueiras cenas de ação regadas a muitos CGIs, a situação hilária dos personagens que se viram em corpos muito diferentes dos seus, onde eles experimentavam todas as suas habilidades e fraquezas. O mais interessante é a mensagem que o filme passa. Para que o objetivo de se colocar a pedra no olho do jaguar seja alcançado, todos os quatro avatares terão que trabalhar em equipe, pois a habilidade de cada um é requerida em cada fase do jogo. Fica aqui a mensagem de que, se cada um deles era visto com preconceito no mundo real, no mundo virtual eles unidos têm muita importância, o que significa que eles podem se ver com mais valor quando retornarem ao mundo real e que essa história de ver os outros de forma estereotipada e com preconceito não tá com nada.

                                       Van Pelt, o vilão esquisitão…

Um destaque todo especial deve ser dado aos dois atores mais conhecidos do filme. Jack Black, que já tem um bom histórico de humor, foi muito bem interpretando a patricinha no corpo de um homem obeso de meia idade. Mesmo que ele tenha tido uma atuação demasiado afetada em alguns momentos, ele foi muito engraçado ao dar uns toques de feminilidade para a colega outsider, que também ficou muito engraçada ao tentar seguir as dicas sem muito jeito (a atriz era a bela Karen Gillan). Agora, o que mais surpreendeu mesmo foi Dwayne Johnson. Ele foi muito bem interpretando o nerd magricelo que ganhou toda uma montanha de músculos. Sua atuação fazia a gente acreditar que ele se via como um molecote magricelo, fora o grande carisma de Johnson (o cara tem tino para ator, ao contrário de outros fortões que a gente vê por aí que só estão mesmo no cinema pela sua forma física).

Assim, “Jumanji” é um filme apenas para entretenimento, mas não é algo tão bobinho em virtude da construção dos personagens e das boas atuações de Johnson, Black e Gillan. Vale a pena se divertir com essa película.

 

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Discovery (Temporada 1, Episódio 14). “A Guerra Por Fora, A Guerra Por Dentro”. Desperdício No Finalzinho.

                                               Um Sarek permissivo…

E chegamos ao penúltimo episódio de “Jornada nas Estrelas Discovery”. Qual é a primeira sensação que esse episódio nos dá logo de cara? Desperdício. E justamente ao finalzinho da temporada. Esse episódio, sobretudo, foi para dizer que a Federação foi praticamente aniquilada pelos klingons, para colocar Tyler e L’Rell para escanteio (a menos que uma espetacular reviravolta aconteça no último episódio, esperemos que sim) e para colocar a Imperatriz como capitã da Discovery, restaurando o clima de neurastenia entre a tripulação, que nem sabe que não está com sua Phillipa. Além do retorno de Sarek e da Almirante “cara de empada” Cornwell, comprovando aquela teoria de que todo almirante da Federação é um bunda mole (foi lamentável vê-la sem ação depois de constatar a destruição da Base Estelar 1 e ainda chamar T’Kuvma de ignorante na cara de L’Rell, mesmo que ela ainda estivesse atordoada com a destruição da base; isso não é postura de militar de alta patente, que tem por obrigação controlar suas emoções). Ainda, ficou bem claro que Burnham trouxe a Imperatriz para a Discovery porque não queria perder Phillipa mais uma vez, em mais uma de suas atitudes tresloucadas (pelo menos, a Imperatriz foi usada para algo nesse microarco final, como não podia deixar de ser). O que incomoda aqui é que vemos a Discovery somente fugindo dos klingons. Nem uma batalhazinha espacial para aquecer para o Gran Finale do décimo-quinto episódio. Esse décimo-quarto episódio poderia muito bem terminar com a Discovery encurralada pelos klingons ou algo parecido. Tudo pareceu muito tácito e letárgico nesse episódio cheio de diálogos que mais enchiam o saco, principalmente a DR entre Tyler e Burnham (e como soou artificial todo mundo chegando lá para falar com o Tyler, mesmo que Discovery quisesse passar a imagem trekker de tolerância) . Agora que estamos no final, a gente precisava de um pouco mais de ação. A impressão que fica é a de que, ao retornar do Universo Espelho, a Discovery retornou também o marasmo de alguns episódios do Universo Prime, num contraste com o último episódio, que aí carregou demais nas tintas da ação.

                                                             Sai Saru…

E Stamets com os micélios? É, definitivamente os roteiristas vão insistir nisso. A “terraformação” daquela luazinha morta com os micélios traz os esporinhos de volta e os roteiristas não desistem dessa ideia que não está lá na Série Clássica e é absurda demais até com licença poética, pois fala de tecidos vivos no espaço sideral e imagina um motor com velocidade infinita, algo totalmente impossível e meio que absurdo até numa série com tecnologia de dobra.

                                                … entra Cornwell…

Agora, os esporos serão utilizados aqui para um plano para lá de inusitado, sugerido pela Imperatriz, ou seja, um ataque direto a Qo’nos, o planeta natal klingon. Como ele não foi mapeado pelos humanos, a ideia (sensacional) é usar o motor de esporos para se transportar para o interior do planeta e mapeá-lo de dentro para fora para depois atacá-lo. Ideia brilhante dos roteiristas? Sei não, é muita papagaiada demais para a minha cabeça. Eu creio que dava para fazer algo instigante, até original, mas não tão surreal. Do jeito que ficou planejado isso, nem posso imaginar como ficará o último episódio e todas as coisas que precisarão ser feitas para desatar os nós de toda essa confusão.

                           Uma solução do mal para a guerra???

Mas realmente o que mais deixa a gente perplexo foi a facilidade com que Sarek e Cornwell colocam o comando de uma nave estelar nas mãos (beijadas) de uma terráquea do Universo Espelho. Mesmo que eles se justificassem o tempo todo dizendo que esse movimento era muito arriscado, etc., etc., ainda assim eles deram o comando para a Phillipa de lá. Pelo menos ficaram os olhares de reprovação de Burnham e Saru na ponte, com esse último já sabendo que é uma iguaria no Universo Espelho. Climão tenso…

Bom, com a Imperatriz Georgiou na cadeira de capitão (talvez a única coisa que tenha prestado nesse episódio, apesar da forma inusitada como Sarek e Cornwell deram o braço a torcer), embora eu particularmente ainda queira muito Saru no posto ao invés da tresloucada Burnham como capitão, só resta uma coisa a dizer: rumo às cavernas de Qo’nos. Saímos do espaço sideral e façamos uma Viagem ao Centro de Qo’nos, para delírio dos fãs de Júlio Verne.  Os mais maldosos dirão que a série ia mesmo terminar no buraco. Que se encerre logo a primeira temporada e que os roteiristas façam uma avaliação de seu trabalho para não repetirem alguns absurdos na segunda temporada. Fica, agora, a expectativa pelo desfecho de tudo, se é que vai haver algum…

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Batata Movies – De Volta. Em Busca De Um Passado Perdido.

                 Cartaz do Filme

Quando a gente fala da atriz iraniana Golshifteh Farahani, a gente baba. E muito, em virtude da beleza estonteante dessa atriz, que consegue expressar toda a sua beleza até quando lhe colocam uma maquiagem para lá de exótica como vimos em “Piratas do Caribe, A Vingança de Salazar”.  Mas é legal ver Farahani não em Hollywood, onde a cultura WASP a coloca como um bibelô para brancos desbotados verem, e sim em sua verdadeira área de atuação, que é o cinema lá do Oriente Médio, onde essa maravilhosa e bela atriz desabrocha em toda a sua plenitude. Só é de se lamentar que tais filmes às vezes demorem muito para chegar aqui. É o caso de “De Volta”, realizado no já longínquo ano de 2015 e que somente chega por aqui três anos depois.

                                   Uma moça em busca de identidade…

Vemos a história de Nada (interpretada por Farahani), uma moça que nasceu no Líbano e que tem apenas vagas memórias de sua infância. Ela saiu de seu país, ficando fora por muitos anos. Agora ela está de volta ao Líbano e a seu vilarejo de origem, onde a antiga casa da família está em ruínas. Nada passa a viver lá dentro e a reconstruir de alguma forma a casa, para espanto da vizinhança local. Mas esse não é apenas o único problema ali. Seu avô desapareceu misteriosamente e as vagas memórias de sua infância apontam que ele foi espancado pelos vizinhos. Eram os tempos difíceis da guerra civil e ela acreditava piamente que seu avô tinha sido injustamente assassinado e enterrado no quintal da própria casa. Mas, seria isso mesmo?

                              Irmão traz o conforto do seio familiar..

Esse é basicamente um filme que aborda a temática da memória e dos traumas do passado. Nada tinha abandonado o seu país e um passado de muitas turbulências, onde tudo havia ficado muito turvo em suas recordações. Retornar ao seu país, recuperar sua casa e o nome de sua família soavam como uma obrigação de ajustar as contas com seu passado e sua identidade. Mas nossa protagonista parece que vai ter a tarefa inglória de fazer tudo isso sozinha, já que nem o seu irmão compactua com os valores familiares exaltados pela moça e há muito perdidos.

Apesar de um elenco variado, esse é um filme que gira totalmente em torno de Farahani. A atriz consegue expressar desde uma angústia latente, provocada pelo inconformismo de ter o nome de sua família jogado ao lixo, até momentos bem íntimos e ternos com seu irmão, que a colocam um pouco de volta ao conforto do seio familiar. Mesmo com o semblante cansado e sofrido de sua personagem, Farahani continua arrancando suspiros com sua beleza magistral.

O único problema da película é que ela peca por seu ritmo muito lento e arrastado, tornando a coisa um pouco enfadonha e que dispersa nossa atenção. De qualquer forma, essa não é uma película em que você pode esperar ação. Talvez essa estivesse um pouco  nas muitas memórias em flash-back da personagem Nada, colocadas de forma suficientemente coerente ao longo da película.

                                  Exilada em sua própria cidade…

Assim, se “De Volta” é um filme de ritmo lento, ainda assim ele vale a pena ser visto, pois trata da questão do resgate da memória e da identidade, além de contar com a presença estonteante de Farahani, uma das mais belas atrizes do cinema mundial contemporâneo. Exaltemos a diva no seu melhor campo de atuação, que é o cinema do Oriente Médio.

 

Batata Movies (Especial Oscar 2018) – Todo O Dinheiro Do Mundo. O Surreal Real.

                     Cartaz do Filme

Mais um filme indicado ao Oscar. Ridley Scott está de volta à direção em “Todo o Dinheiro do Mundo”. Esse filme ficou marcado por uma polêmica troca de atores no último momento, onde Kevin Spacey foi substituído por Christopher Plummer depois que o primeiro foi denunciado por assédio sexual. Escândalos à parte, parece que a substituição rendeu bons frutos, pois Plummer foi indicado ao Oscar de Ator Coadjuvante. Foi a indicação dada ao ator de idade mais avançada, pois Plummer está no alto de seus 88 anos. Mas o filme tem outros atrativos além dessas pequenas curiosidades. Temos aqui uma história real, com alguns floreios, como foi denunciado no próprio final da película.

                                     Sai Spacey…

E podemos dizer que tal história real beirou o surreal, pois fala do sequestro do jovem de 16 anos John Paul Getty III, neto de John Paul Getty, um dos homens mais ricos da História. O problema é que o magnata (interpretado por Plummer) não queria pagar o resgate, e incumbiu Fletcher Chase (interpretado por Mark Wahlberg) de conseguir efetuar o resgate a custo zero, para o desespero da mãe do jovem, Gail Harris (muito bem interpretada por Michelle Williams), que já havia se separado do marido e não tinha um tostão sequer. A partir daí, o filme mostra todo o processo do cativeiro, das negociações e do resgate do menino, onde tivemos alguns momentos um tanto quanto agonizantes, principalmente depois que sabemos que eles fazem parte de uma história real.

                                                … entra Plummer…

O filme tem dois trunfos principais: Plummer e Williams. O primeiro deu conta do recado, ao substituir Spacey de última hora. Também pudera, seu talento é tão inegável que, mesmo fazendo um filme às pressas, a indicação da Academia veio. O segundo grande trunfo foi Williams que, cá para nós, merecia pelo menos uma indicação a melhor atriz. Atriz jovem, ela parecia muitos anos envelhecida por interpretar muito bem uma mãe que padecia do desespero de ter seu filho no cativeiro. A atuação de Wahlberg também foi boa, embora ele tenha servido mais de escada para Williams, onde teve ótimos momentos contracenando com ela, assim como Plummer, onde ele teve uma atitude, digamos, mais independente com o magnata ao fim da película. Mas não soltemos spoilers por aqui.

                          Williams e Wahlberg em boas atuações…

Um detalhe interessante é a pão-durice do vovô Getty. Você fica o tempo todo achando que ele é um velho inescrupuloso e sem caráter, por se negar a pagar o resgate do neto. Mas essa atitude dele é justificada mais ao fim da película, embora não possamos chamá-la exatamente de justificativa.

                          Um jovem sequestrado…

Assim, “Todo o Dinheiro do Mundo” se configura em mais uma boa película de Ridley Scott (não tão boa quanto “Blade Runner”, mas certamente bem melhor que “Prometheus”), que tem boas atuações de seus atores protagonistas e que ainda rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante de última hora, com o detalhe de que sempre é muito bom ver Plummer atuando, principalmente quando sabemos que ele já está em idade bem avançada. Vale a pena prestigiar o trabalho de atores tão bem gabaritados.

Batata Movies (Especial Oscar 2018) – O Insulto. Sem Escolher Um Lado.

                  Cartaz do Filme

Dando sequência aos filmes indicados ao Oscar, falemos hoje da película libanesa “O Insulto”, que concorre à estatueta de Melhor Filme Estrangeiro. Podemos dizer que, se a premiação primar pela qualidade e não pelos parâmetros de indústria, essa película é favoritíssima. Definitivamente, esse é um dos melhores filmes do ano até agora, sem qualquer tipo de exagero.

               Uma sacada semeará a discórdia…

O filme mostra para nós como uma pequena questão individual afeta todo um coletivo. Estamos no Líbano e um mecânico de automóveis, Tony Hanna (interpretado por Adel Karam), vive como um devotado cristão, numa região onde política e religião muito se misturam. Um belo dia, ele recebe a visita de um palestino, Yasser Salameh (interpretado por Kamel El Basha), que trabalha para o governo consertando irregularidades em edifícios. Yasser tinha sido molhado pela calha que estava construída irregularmente na sacada do apartamento de Tony, que se recusou que Yasser entrasse em seu apartamento. Yasser, então, tentou resolver o problema pelo lado de fora do prédio (o apartamento de Tony estava no primeiro andar), mas Tony quebrou toda a nova calha que Yasser tinha colocado. O palestino, revoltado, xingou Tony, que exigiu um pedido de desculpas que o palestino não deu. O patrão de Yasser tentou contornar a situação, mas Tony estava irredutível. Quando finalmente o patrão de Yasser o convenceu de ir à oficina de Tony pedir desculpas, este começou a fazer um discurso de ódio contra os palestinos, o que lhe custou um soco na barriga dado por Yasser. Esse seria o estopim de uma batalha judicial que levou todo o Líbano à beira de uma guerra civil.

                                                      Um insulto…

Antes de mais nada, a gente precisa explicar por alto a geopolítica local. Com a invasão dos judeus à Palestina, fundando posteriormente o Estado de Israel, muitos palestinos se refugiaram no Líbano, o que levou a muitas tensões com os cristãos do país. Ficaram famosas as imagens, durante a década de 80, de Beirute, a capital do Líbano, sendo sistematicamente destruída pela guerra entre cristãos e muçulmanos. Depois de algum tempo, esses dois povos acabaram com a guerra, mas a tensão entre eles sempre viveu subliminarmente dentro do Líbano. Os libaneses que davam emprego aos palestinos eram acusados de traidores da nação, pois mantinham os palestinos em solo libanês. Havia, também, toda uma reclamação por parte dos cristãos de que a mídia internacional vitimizava demais os palestinos e não reconhecia as atrocidades feitas por eles no Líbano em guerras passadas.

                                    … e a coisa ficou muito difícil…

Com esse pequeno histórico, a gente pode compreender como uma pequena rusga doméstica e privada entre um libanês cristão e um palestino tomou tamanhas proporções. Infelizmente os spoilers me evitam de entrar em maiores detalhes, mas posso dizer aqui que a questão judicial entre os dois tomou caminhos tortuosos, com plot twists (ou a popular reviravolta) a todo instante. Esse, também, é um daqueles filmes para quem gosta de julgamentos e tribunais, onde havia um detalhe muito peculiar que ligava os advogados de acusação e de defesa.

Um detalhe chama muito a atenção no filme. Apesar de estarem politicamente em pólos totalmente antagônicos, há uma característica em comum entre Tony e Yasser: os dois são homens totalmente honrados e de caráter, cada um ao seu modo, e tinham traumas pregressos que ajudavam a tornar a questão ainda mais complexa. Esse ponto ajuda a humanizar demais os personagens, o que aponta para a escolha corretíssima de não se jogar na película um discurso maniqueísta, onde um lado é glorificado e outro é demonizado. O filme contemplou ambos os lados presentes no julgamento, sem julgamentos de valor. Claro que o veredicto final teve que dar a causa para um lado, mas, mesmo assim, o que estava em jogo naquele momento era algo muito maior, ou seja, a estabilidade politica de um país inteiro, algo que os dois lados perceberam claramente e passaram a torcer juntos para que a decisão dos juízes não tomasse proporções catastróficas. Tomando esse viés, o filme se torna um forte libelo pela tolerância e compreensão entre povos que outrora se mataram pelo ódio na guerra. E, principalmente, o filme aponta como uma situação particular pode perigosamente afetar o geral, sendo mais um importante ponto de reflexão.

                     Quem ganhará essa causa???

Assim, se tivermos uma noite de premiação justa, “O Insulto” merece, e muito o Oscar, pois consegue mostrar como uma guerra de gigantescas proporções pode surgir de uma situação pequena e banal. Ainda, esse é um filme que mostra de forma taxativa a importância da tolerância e do respeito às diferenças, principalmente quando se está sentado em cima de um barril de pólvora com um fósforo aceso. Esse é um daqueles filmes para se ver, ter e guardar, constituindo-se num programa imperdível.

 

Batata Antiqualhas – Spock e Leonard, Dualidade que se Completa (Parte 13)

              Kirk, em desespero, ao ver o amigo à beira da morte.

Um momento engraçado das filmagens de “Jornada nas Estrelas II, A Ira de Khan” foi o fato de Nimoy salvar Walter Koenig (o russo Checov) de um grande vexame. Ele teve um verme alienígena inserido em seu ouvido por Khan, que se alojava no córtex cerebral e o deixava à mercê das ordens de Khan. Extraído o verme, Checov se apresenta a ponte com uma espécie de curativo no ouvido. Só que o curativo era um… sutiã!!! Nimoy, então, perguntou a Meyer por que Koenig estava com um sutiã no ouvido, o que provocou risadas gerais e o rápido convencimento de que a peça deveria ser descartada da filmagem.

                               Spock e Kirk, no momento derradeiro…

As filmagens avançavam dentro do cronograma e de forma muito confortável para todos. Nimoy dizia que parecia que eles filmavam um velho episódio da série clássica. E a grande mensagem do filme, o efeito destrutivo da vingança, era passada com maestria. Até que chegou o dia da grande contribuição do vulcano, que sacrificaria a sua vida. Na sua sede de vingança, Khan arma o torpedo Gênese para destruir a Enterprise. Kirk precisa de velocidade de dobra em três minutos. Mas somente manipulando um material radioativo muito letal a nave teria velocidade de dobra. Para um humano, tal manipulação era impossível. Mas para um vulcano, três vezes mais forte que um humano, talvez fosse possível tal manipulação antes da morte inevitável. E lá vai Spock cumprir a máxima de que “a carência da maioria sobrepuja a carência da minoria… ou a de um só”. A cena no fim do filme ficou muito mais antenada com o desenrolar do roteiro. Mas, no dia em que Nimoy teve que gravá-la, uma angústia tomou conta não só dele, como de todos. Nimoy se sentia em direção à câmara de gás. E o ambiente do estúdio onde Spock morreria estava silencioso e sombrio. Nimoy, então, se concentrou em seu trabalho. Ele entraria na câmara de radiação, mas seria impedido por McCoy. Para não perder tempo, fez o toque neural no médico para deixá-lo inconsciente. Depois que ensaiou com De Forest Kelley a cena várias vezes, Nimoy foi chamado por Bennett, que perguntou se ele não poderia acrescentar algo à cena que desse um gancho para um novo filme. Nimoy, muito concentrado em fazer seu trabalho naquele momento, não percebia que Bennett queria dar algum futuro para a continuidade de Spock, e não teve sugestões para dar. Bennett sugeriu então que Spock fizesse um elo mental com McCoy desacordado. Nimoy aceitou. E Bennett perguntou o que Spock poderia dizer a McCoy. Nimoy acenou com um “Lembre-se”, algo que era vago o suficiente para abrir grandes possibilidades dramáticas. E assim a cena foi gravada, com um certo contragosto de Meyer, que queria uma definitiva e bem feita morte de Spock.

                                          Lembre-se…

A cena seguinte, a da morte de Spock, causou muito mal-estar em Nimoy. Além do sofrimento com a morte do personagem, houve o agravante da câmara de radiação ser de um vidro hermeticamente fechado, que a tornava muito quente e que provocava dificuldade em respirar. Apesar da câmara ter sido perfurada e ar ser bombeado lá para dentro, as bombas faziam tanto barulho que tiveram que ser desligadas nos diálogos entre Kirk e Spock, excessivamente longos para a situação. O ensaio da cena foi feito. Spock entra na câmara e fez o reparo no equipamento. Logo após, ele ficava caído, e quando Kirk chegava para falar com ele, Spock se levantava, mostrava estar cego e se aproximava do vidro. Enquanto falava com o almirante, escorregava gradativamente pela parede de vidro, até estar novamente no chão e morrer. Concluído o ensaio, Nimoy foi fazer a maquiagem das queimaduras de radiação. O tom do “set” e da sala de maquiagem era silencioso. Apesar de ter certeza de que a cena e o drama ficariam sensacionais, Nimoy estava arrasado, pois Spock iria morrer. De volta ao “set”, todos estavam sombrios e calados. Nem Shatner fazia suas piadinhas habituais. Nicholas Meyer chegou ao estúdio com traje de gala, pois iria assistir a uma apresentação da ópera “Carmen” depois da gravação. Tal atitude magoou Nimoy. Meyer também insistiu que Spock ficasse com as mãos totalmente sujas de seu sangue verde. Mas Nimoy achou aquilo demais e pediu para tirar todo aquele sangue das mãos, sendo atendido por Meyer. Na gravação da cena, Nimoy, ao se levantar, ajeita conscientemente a sua jaqueta, que como já foi dito, repuxava. Esse gesto foi de grande ajuda à cena, pois Nimoy queria que Spock, apesar da agonia física, tivesse a vontade de  aparecer de maneira apropriada e digna ao seu almirante pela última vez. Uma grande dificuldade foi manter a respiração presa depois de morto. A câmara já estava quente demais e a câmara do filme se afastava lentamente, o que obrigou nosso artista a prender a respiração por longo tempo.

Era o fim de mais um dia de trabalho. Mas Nimoy, voltando de carro para casa, só se fazia uma pergunta: “O que foi que eu fiz?”.

No próximo artigo, vamos ver como Spock foi “ressuscitado”. Até lá!

                                                    O funeral de Spock…

Batata Movies (Especial Oscar 2018) – A Forma Da Água. Tendo Seu Peixe De Estimação.

                 Cartaz do Filme

E estreou o tão esperado “A Forma da Água”, o recordista de indicações ao Oscar esse ano, sendo treze no total (Melhor Direção para Guillermo del Toro, Melhor Filme, Melhor Atriz para Sally Hawkins, Melhor Ator Coadjuvante para Richard Jenkins, Melhor Atriz Coadjuvante para Octavia Spencer, Melhor Música, Melhor Roteiro Original para Guillermo del Toro e Vanessa Taylor, Melhor Fotografia, Melhor Figurino, Melhor Edição de Som, Melhor Mixagem de Som, Melhor Montagem e Melhor Design de Produção). Esse filme também foi vencedor do Globo de Ouro de Melhor Diretor e Melhor História Original para filme. Ou seja, toda a cara de que era um filmaço desde as premiações e indicações até a exibição do trailer e um dos grandes favoritos a levar muitas premiações na noite do Oscar.

                                       Elisa, uma faxineira muda…

Mas, do que se trata a história? Falando em linhas gerais, para não se dar muitos spoilers, o filme fala de uma faxineira muda, mas não surda, chamada Elisa Esposito (interpretada por Hawkins). A moça trabalha numa espécie de instalação militar, daquelas onde são guardados muitos segredos confidenciais. Um belo dia, chega uma espécie de tanque com um misterioso ser vivo dentro. Com esse tanque, vem Richard Strickland (interpretado pelo “General Zod” Michael Shannon). Elisa fica muito curiosa com aquilo e começa a se aproximar do tanque onde está o ser vivo. Ela descobre que, apesar da fama de violento (ele arrancou dois dedos de Richard), a criatura é extremamente dócil, se é estabelecido um contato amistoso com ela. E Elisa começa uma amizade com o tal ser, que é uma espécie de anfíbio humanoide (interpretado por Doug Jones). O problema é que essa amizade está ameaçada, já que os militares decidem matar o ser para dissecá-lo e estudá-lo melhor.

                  Um ser anfíbio simpático, apesar de aterrorizante…

Essa história, bem inusitada por sinal (se a gente fala a sinopse desse filme de forma bem resumida, ele pode parecer muito ruim), acabou sendo um verdadeiro sucesso. Por que isso ocorreu? Em primeiro lugar, creio que pela interpretação de Hawkins. A faxineira muda foi uma atração à parte, onde sua forma de se comunicar com as pessoas chamava muito a atenção. Usando a linguagem de sinais e amando os filmes musicais (todos da Fox, obviamente, pois foi esse estúdio que produziu a película), a personagem Elisa cativa o público imediatamente. E ela ainda fez uma boa dobradinha com a sempre fofíssima Octavia Spencer, que era sua colega de faxina na tal instalação militar. Só é uma pena que Spencer não tenha tido tanto destaque nesse filme. Sua personalidade magnética exigia uma participação muito maior de sua personagem na história. Ainda, falando sobre os musicais, pudemos ver no filme trechos de filmes consagrados com atrizes divas do porte de uma Alice Faye e até de nossa Carmen Miranda, com direito a um “tica bum” praticamente completo num ponto chave do filme, o que foi muito legal para fãs de túmulo como minha pessoa. Essa paixão de Elisa pelos musicais antigos, nutrida pelo seu amigo Giles (interpretado por Richard Jenkins) foi um dos pontos altos do filme e um contraponto à deficiência da personagem principal. Michael Shannon foi bem novamente, mas sua fisionomia meio caveirona mais uma vez o colocou como um cruel vilão da história. Sei não, mas seria muito interessante um ator que é o estereótipo perfeito do vilão volta e meia fazer um mocinho no cinema. Acho que isso poderia muito bem acontecer com Shannon num blockbuster da vida.

                                              Amor à primeira vista…

Outro bom motivo para o sucesso do filme foi a interpretação de Doug Jones como a criatura anfíbia. Especializado em fazer criaturas com toneladas de maquiagens e muita, muita borracha, Jones foi de uma delicadeza sensacional ao interagir com Elisa, fazendo uma fera que pode te partir ao meio, mas com muita ternura. Mas os trekkers de plantão já conhecem o trabalho desse bom ator como o personagem Saru, de Jornada nas Estrelas Discovery, creio eu uma das poucas coisas que é vista com bons olhos por admiradores e detratores da série.

                                  Octavia Spencer bem como sempre…

É interessante também perceber como essa película tem um personagem que se sobrepõe a todos os outros: a água. Para onde quer que você olhe, ela está lá, encharcando tudo. Desde o banheiro de Elisa, passando pelos corredores e tanques da instalação militar, chegando até ao rio que corta a cidade. Essa presença tão marcante da água no filme meio que dá uma dica do seu desfecho.

                         Michael Shannon, o eterno vilão…

Assim, o filme “A Forma da Água” justifica todas as expectativas criadas em cima dele. Pode ir ao cinema sem medo que ele não é menos do que se esperava, muito pelo contrário até. É uma história inusitada e muito terna, recheada de excelentes atuações que cativam de imediato o espectador. Programa imperdível e, com certeza, muitas pessoas estarão torcendo por essa película na noite do Oscar.

 

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