Batata Movies – Uma Casa à Beira Mar. Resgatando Um Mundo Destruído Em Meio Ao Caos.

Cartaz do Filme

Uma interessante produção francesa passou em nossas telonas. “Uma Casa à Beira Mar”, de Robert Guédiguian, é um filme que mescla presente com passado, em mais um diálogo entre a tradição e a modernidade, onde, desta vez, a última dá os tons de vilã. É um filme também sobre relacionamentos familiares e como tempos de inocência podem ser convertidos em tempos de amargura, sendo que a única forma de se sanar isso é reunindo os entes queridos separados pelas circunstâncias para sentar e conversar sobre suas frustrações e dores.

Três irmãos numa missão dolorosa…

A história se passa numa pequena localidade próxima a Marselha que outrora fora um bonito balneário, mas hoje está mais decadente que nunca. Poucos e antigos moradores ainda resistem e, por isso mesmo também compartilham dessa decadência. Um deles, Maurice, sofre um derrame e fica paralisado, olhando para o infinito, mas ainda consciente. Seu filho, Armand (interpretado por Gérard Meylan) chama seus dois irmãos, Angèle (interpretada por Ariane Ascaride) e Joseph (interpretado por Jean- Pierre Darroussin) para conversar sobre a situação do pai e o que fazer numa possível morte do mesmo com relação ao espólio da família. Esses três irmãos então aproveitarão a situação para aparar as arestas do passado e resolver suas diferenças, já que o afastamento os impediu disso.

A irmã que volta muitos anos depois…

A gente muito se identifica com a situação do filme, pois em muitas famílias os irmãos se afastam quando começam a viver suas próprias vidas, não superando as rusgas do passado. Fica bem claro na película que ali não há vilões ou mocinhos. Todos são humanos e vítimas das circunstâncias. O ato de um culpar o outro ou apontar defeitos somente amplifica a dor em todos.

Tentando manter vivo o restaurante do pai…

E a única saída para isso é cada um escutar o lado do outro e tentar compreender a dor do próximo. Só esse pequeno detalhe já faz o filme ser uma grande obra, pois há muita gente por aí nessa situação. E a película faz isso de uma forma, digamos, civilizada, onde uma leve animosidade entre os irmãos paulatinamente vai se transformando numa situação de maior ternura e entendimento.

O professor amargurado…

Como foi dito acima, o filme retoma o já batido tema da tradição e da modernidade, tendo a última como vilã. A crueza dos tempos modernos é implacável com a pequena vila à beira mar, agarrada aos últimos bastiões de tradição. A ideia de Maurice em fazer um restaurante familiar, simples e barato vai de encontro às modernas brasseries, e não vai adiante. A crise econômica afunda ainda mais o lugar e as pessoas passam necessidades, às vezes tomando medidas extremas por não aguentar mais humilhações. E o filme aborda também outro sério problema nesses tempos mais modernos. Por estar próxima ao mar,.a vila sofre com o problema dos imigrantes que atravessam o Mar Mediterrâneo para tentar a sorte na Europa. E, por isso mesmo, os irmãos recebem a visita do exército francês, onde um oficial negro (e provavelmente, descendente de imigrantes) tem agora a função de capturá-los. Todos esses fatores nocivos da modernidade acabam unindo os irmãos e os reconciliando com o passado como direção.

Espaço para novos recomeços…

E os atores? Que primor! Pudemos ver algumas figurinhas carimbadas do cinema francês contemporâneo, como a competente Ariane Ascaride, fazendo uma atriz cujo passado trágico a oprimia, e o excelente Jean-Pierre Darroussin como o antigo ativista político que se compadece de tempos onde o estilo de vida capitalista moderno e burguês oprime todo o resto, tornando-o extremamente amargurado e sarcástico. Não podemos nos esquecer também do terceiro irmão, interpretado por Gérard Meylan, um verdadeiro guardião da tradição, totalmente identificado com o espaço onde vive, sendo o único que zela por sua manutenção. A construção desses personagens dá todo um toque especial à película.

… e para reconciliações…

Assim, “Uma Casa à Beira Mar” é mais um filme francês de qualidade que passou em nossas telonas. Uma película que aborda um tema muito caro a muitas pessoas (as complicadas relações familiares) e que também fala do antigo embate entre tradição e modernidade. Um filme que é muito digno de atenção.

Batata Séries – Jornada Nas Estrelas Voyager (Temporada 5, Episódio 26), Equinox. Obsessões, Ódios E Erros De Avaliação.

 

Um capitão com sérios desvios éticos…

O último episódio da quinta temporada de “Jornada nas Estrelas Voyager” nos revela mais uma interessante discussão ética e como a obsessão e a revolta podem levar a atitudes destemperadas. “Equinox” é um episódio duplo que começa no fim da  quinta temporada e termina no início da sexta.

Tramoias com a sua tripulação que resultam em motim…

A história começa com uma nave da Federação em frangalhos, a Equinox, no Quadrante Delta e atacada por uma espécie alienígena que parece o Geleia dos Caçafantasmas. A Voyager detecta o pedido de socorro da Equinox e vai em seu auxílio. As duas naves combinam seus escudos para evitar o araque alienígena, mas paulatinamente as criaturas conseguem enfraquecer os escudos. Janeway conhece o capitão da Equinox, Rudy Ranson, que diz a ela que sua nave também foi vítima, assim como a Voyager, do zelador, sendo arremessada para o Quadrante Delta. O capitão alega que fez melhorias no sistema de dobra que encurtaram a viagem. Mal sabe Janeway que tais melhorias foram feitas usando os alienígenas como uma espécie de gerador de energia, provocando a morte de milhares deles. Não é à toa que os alienígenas perseguem a Equinox impiedosamente. É claro que o ambiente entre os tripulantes da Voyager e da Equinox não será mais o mesmo e, sabendo que, podendo dar mais um salto que levará a Equinox para a Terra em poucas semanas, usando os corpos dos alienígenas como combustível, o capitão Ranson rouba o gerador de escudos da Voyager além de sequestrar Sete de Nove, deixando a nave da capitã Janeway à mercê dos alienígenas.

Alienígenas assustadores que são vítimas…

Na Equinox, Sete de Nove consegue criptografar o acesso ao motor de dobra da Equinox e detém a mortandade dos alienígenas. Ranson exige que Sete de Nove dê os códigos de acesso. O Doutor, que também está na nave, tem as subrotinas éticas retiradas e ele começa a tentar extrair a informação de Sete de Nove à força, nem que isso custe a vida dela. Depois de deter os alienígenas, Janeway lança uma caçada contra a Equinox, onde ela não esconde a sua raiva e desejo de vingança, atravessando a linha ética várias vezes, sendo alertada por Chakotay. Como consequência, Janeway tira Chakotay de seu posto. Por outro lado, Ranson se arrepende de seus procedimentos e retorna à Voyager. É nesse momento que parte da tripulação da Equinox se amotina contra seu capitão. Ranson consegue se isolar e transporta parte de sua tripulação, Sete de Nove e o Doutor, enquanto a Equinox é atacada pelos alienígenas e mata os amotinados. Com a Equinox a um passo da explosão, Ranson a afasta da Voyager e se sacrifica junto com a sua nave.

Uma capitã enfurecida…

O episódio tem elementos interessantes. Em primeiro lugar, a discussão ética de se sacrificar vidas para salvar outras. Ranson tenta justificar o injustificável, dizendo que precisou ceifar vidas dos alienígenas, pois a Equinox sofrera muitos ataques no Quadrante Delta e estava em condições subumanas, tornando-se imperativo seu retorno para a Terra no menor espaço de tempo possível. Mas Janeway ficou firme em condenar o genocídio. Quanto a isso, parece que não há muita discussão. O que dá mais pano para a manga foi a inversão das atitudes dos dois capitães. Enquanto Ranson reavalia seus erros e volta atrás, levando a Equinox de volta à Voyager para se entregar, Janeway fica tão revoltada com a atitude e a fuga de Ranson que passa a agir obsessivamente, extrapolando a sua autoridade e tomando atitudes impensadas. Ou seja, Janeway, na sua ânsia de punir a Equinox pela falta de ética, acaba também chutando a ética para escanteio, chegando a fazer tortura psicológica num dos tripulantes da Equinox. Tal alerta fica aqui: mesmo as supostas mentes “evoluídas” do século XXIV podem mergulhar na barbárie quando provocadas, sendo a violência um veneno que te ataca de dentro para fora e tem consequências devastadoras.

Punição a quem viola a ética da Federação…

Assim, “Equinox” é um grande episódio de Voyager que mostra a inversão ética de dois capitães que têm o mesmo problema: fazer uma viagem de volta que dura décadas. Ranson violou a ética cometendo genocídio e Janeway violou a ética em seu abuso de autoridade. Um motivado pela inconsequência, outra motivada pelo ódio. Mais um episódio que levanta uma boa reflexão.

https://www.youtube.com/watch?v=HDggs-x55MU

Batata Literária – Passeando No Leblon.

Entro agora numa dimensão estranha

É o bairro dos figurões

Esse lugar se imortalizou nas novelas

Cujos personagens se comportam de forma tacanha

Nesse mundo só há lugar para os bonitões

Nenhum espaço para os pobres e suas sequelas

As caras são branquinhas, todas rosas

E as elites são refinadas, cheias de bossas

 

Quando ando pelas ruas

Elas são todas limpinhas

O poder público mostra das suas

E cuida do bairro como uma de suas princesinhas

Tudo aqui parece um conto de fadas

Paraíso das pessoas abastadas

Tristeza não existe nesse mundo

A vitalidade supera a tristeza do moribundo

 

Volta e meia, vejo um rosto mais escuro

Ele está uniformizado, cheio de crianças patéticas

Quando olho ao fim da rua, próximos ao muro

Estão outros rostos negros, cuidando das manutenções elétricas

Além de negros, esses rostos são tristes

Escravos contemporâneos, tomando dedos ristes

De brancos róseos e solenes

Ofensas humilhantes e inconvenientes

 

Pois é, o lindo e perfeito paraíso

Pode refletir mazelas ancestrais

A paz, travestida num branco sorriso

Esconde velhos problemas banais

Por mais lindo que possa parecer um bairro

Não adianta, sempre haverá a desigualdade social

Para os ricos, a lama é a das quadras de saibro

Para os pobres, só lama de material fecal

Batata Movies – Ilha Dos Cachorros. Denunciando Maus Tratos.

Cartaz do Filme

Uma curiosa animação passou em nossas telonas. “Ilha dos Cachorros”, de Wes Anderson, tem a mensagem implícita da denúncia aos maus tratos com os bichinhos. Só que o filme faz isso de uma forma muito peculiar: usando uma animação ao estilo “stop-motion”, numa história um tanto violenta, original e carregada de algum preconceito. Façamos uma pequena análise do filme, sempre precisando dos spoilers para se aprofundar na reflexão.

Cães em situação degradante…

Vemos aqui uma trama que tem como cenário o Japão de um futuro não muito distante. O prefeito de uma cidade chamada Megasaki decide erradicar todos os cachorros (que já são malvistos no Japão desde os tempos antigos e em detrimento dos gatos), em virtude de uma suposta gripe canina. Todos eles irão para uma ilha de lixo, um aterro sanitário gigante. E o primeiro cachorro justamente a ser “deportado” para a tal ilha é o cão de guarda de Atari, um neto postiço do prefeito. Anos depois, Atari vai para a ilha à procura de seu cão de guarda, que ele mais vê como um animal de estimação, e lá encontra cinco cachorros que o ajudarão a achá-lo. O grande problema é que o prefeito, independente de seu neto correr perigo, elabora um plano para também exterminar todos os cachorros com um veneno à base de raiz forte (aquela pasta verde que a gente encontra nos restaurantes japoneses que arde que nem uma desgraça).

Um líder…

A primeira coisa que inquieta no filme é o fato do Japão ter sido escolhido como cenário de humanos que não gostam de cachorros. Como vemos pessoas fazendo maldades com os bichinhos caninos por todo o mundo, creio que seja injusto colocar toda a culpa disso nos japoneses. Assim, se o filme cumpre a nobre função de denunciar maus tratos a cachorros, por outro lado, usar o Japão somente como terreno para isso é um pouco injusto.

Um menino atrás de seu cachorrinho…

Outro detalhe que incomoda é a violência explícita do filme. Geralmente, quando vemos uma animação, a primeira ideia que vem às nossas cabeças é a de que esse filme é mais destinado a um público infantil, o que não parece ser o caso aqui, mesmo que as brigas se caracterizem por aquela estilização típica dos quadrinhos, onde vemos uma nuvenzinha com socos, pés e cabeças saindo delas. Entretanto, há uma situação em que um cachorro arranca a orelha de outro com uma dentada. E é degradante ver os animais andando em meio a lixões e substâncias tóxicas.

O amor…

O elenco ajuda. Temos vários medalhões fazendo as vozes dos personagens: Bryan Cranston, Frances Mcdormand, Bill Murray, Scarlett Johansson, Harvey Keitel, F. Murray Abrahan. Edward Norton, Jeff Goldblum, e até Yoko Ono. Embora sempre pareça um pouco artificial vozes em inglês nas animações (as versões dubladas em português são mais palatáveis e dinâmicas, enquanto que, nas versões em inglês, parece que os atores leem diante das imagens ao invés de interpretá-las), ainda assim vale a pena ver a versão original em inglês para saborear as vozes de tantos atores consagrados.

O diretor Wes Anderson

Dessa forma, “Ilha dos Cachorros” é uma experiência que o espectador não deve deixar de ter, pois vemos aqui um filme até certo ponto divertido e muito exótico, embora carregado de algum preconceito. Ah, e defende os cachorrinhos, denunciando abusos e maus tratos contra eles, o único laço com a vida real que o filme traz. Vale a pena dar uma conferida quando sair no DVD e Blu-Ray.

 

Batata Comics – Turma Da Mônica Jovem. Sabotagem. Mais Uma Vez, A Temática Do Discurso De Ódio.

Capa da Revista

A Turma da Mônica Jovem segue rendendo bons frutos. No número 20 da Segunda Temporada, temos a história “Sabotagem”, que mais uma vez vai discutir todo o ódio que circula por aí em nossa sociedade contemporânea. Mais uma história cujas alegorias nos fazem um convite à reflexão.

A história começa com a visita, na escola da Turma, da Professora Floyd, que representa a Corporação Hermes, uma empresa de tecnologia. A tal Floyd oferece aos alunos uma estadia num acampamento de férias onde ocorrerá um torneio, com os alunos da escola sendo divididos em equipes. O prêmio para o grupo vencedor é uma viagem até a sede da corporação, que fica na Grécia. As equipes são mandadas para chalés isolados e o único contato com tecnologia que recebem é um celular simplório que envia mensagens da organização do concurso. As equipes percebem que não há comida no chalé e recebem a mensagem de que há comida mais ao norte. Uma equipe consegue chegar primeiro e pega comida, deixando comida para as outras equipes. Mas quando elas chegam, as provisões estão destruídas. Isso será somente o início de uma série de acontecimentos que irão colocar as equipes umas contra as outras, num ódio abertamente manipulado.

A revista lança uma discussão interessante. E se todo esse ódio que vemos nas redes sociais pudesse ser manipulado e, juntamente com isso, a opinião pública? Parece que é mais ou menos isso que vemos no dia-a-dia. Determinadas notícias são implantadas na internet todos os dias. Até que ponto são verídicas? Até que ponto são falsas? Com qual intenção essas notícias são implantadas? Por quem?

É claro que a revista dá uma solução onde as forças do bem sempre vão ganhar. Mas tal reflexão levanta uma questão altamente desconfortável: quem ganhará essa contenda no mundo real? E aí não temos respostas para isso, pois parece que todo esse processo de manipulação do ódio está se desenvolvendo bem debaixo dos nossos narizes e não sabemos quem são os responsáveis por isso. E as pessoas continuam caindo nisso de gaiato seguidamente. Tudo isso somente indica que tempos muito sombrios podem vir por aí se as pessoas continuarem a se contaminar com esse ódio todo. E aí, a única esperança de se deter isso é botando a boca no trombone, denunciando a pulmões abertos, abrindo os olhos de todos. O ódio não pode ser usado por interesses escusos. O ódio precisa ser neutralizado em favor da compreensão e do respeito a outras opiniões. Pois o ódio é um veneno maligno que te mata de dentro para fora. E, se a internet, aparentemente é um instrumento de liberdade (cada um lê, publica e fala o que quer), pode ser que ela tenha seus grilhões quando manipula pessoas que nem percebem que são manipuladas. A internet é uma ferramenta nova que pode tanto servir para o bem quanto servir para o mal. Isso depende muito do uso que é feito dela.

Assim, “Sabotagem” é mais uma boa história da Turma da Mônica Jovem. Mais uma história que, de forma fictícia, denuncia situações de cunho bem real, prestando um grande serviço à tolerância e à boa vontade. Vale muito a pena você ler a revista, pois eu não me aprofundei tanto na discussão para não dar mais spoilers.

Interior da Revista